"A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males e as injúrias de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos ― vis porque são nossos e vis porque são vis.
O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas elementares da arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela. Mas amor, sono, e drogas tem cada um a sua desilusão. O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e, quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de aquele mesmo físico que serviram de estimular. Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos. Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela.
O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não é nosso, não temos nós que pagá-lo ou que arrepender-nos dele.
Por arte entende-se tudo que nos delicia sem que seja nosso ― o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objectivo.
Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência."
Bernardo Soares, ou Vicente Guedes, ou Fernando Pessoa, ele mesmo, no Livro do Desassossego.
Muito apropriado, caro Val, muito.
ResponderExcluirE tem uma penca de gente que não presta atenção, caro Scylla, para o que realmente importa na vida:
ResponderExcluir-- Viver!
Fantástico!
ResponderExcluirAndrea. Ler Pessoa é sempre um prazer equivalente a um bom vinho e uma ótima companhia.
ResponderExcluirPrazeres da vida que não têm preço.
Recomendo.
Espetacular!
ResponderExcluirTomei emprestado o último parágrafo para meu Orkut. É tão perfeito para um momento que vivo, que não pude resistir.
Thanks
Amigo Val
ResponderExcluirComo tantos, adoro Pessoa. Curioso que o conheci através de Rosenildo Franco. Garoto, tinha um programa na Rádio Clube do Pará, juntamente com irmãos e amigos como Tarrika e Gilvandro Furtado, e procurávamos algo para o encerramento. Rosenildo fez o clássico ato de abrir um Pessoa a esmo. Havia, ali, um trecho, utilizado, ainda tenho em acetato, gravado pelo mano Edgar Augusto, dizendo "Nem tudo é dias de sol, e a chuva, quando falta muito, pede-se. Por isso, tomo a felicidade com a infelicidade naturalmente, como quem não estranha que haja montanhas e planícies, rochedos e erva. O que é preciso é ser natural e calmo. Sentir como quem olha, olhar como quem anda e quando se vai morrer, lembrar que o dia morre, o poente é belo e é bela a noite que fica. Assim é e assim seja". Nunca esqueci.
Caramba Edyr. Ótima história, tudo a haver com o magistral trecho do imortal Pessoa.
ResponderExcluirAbraços.