terça-feira, 16 de outubro de 2007

Sociedade do espetáculo (de mau gosto)

Do Observatório da Imprensa, transcrevo o comentário de Alberto Dines, a respeito da polêmica sobre o roubo de que foi vítima o apresentador Luciano Huck, a respeito do qual a Veja lhe dedicou as páginas amarelas da semana passada:

Luciano Huck foi para a capa da última edição de Época.

Antes esteve nas Páginas Amarelas de Veja, duas vezes na primeira página da Folha e foi assunto de quase sessenta mil ocorrências na Internet.

Por que a celeuma?

O apresentador achou que deveria protestar contra uma violência da qual foi vítima e, como é uma celebridade, teve tratamento VIP.

Então um escritor da periferia achou que deveria defender o ponto de vista dos marginais, botou a boca no trombone e também foi para a primeira página.

À primeira vista tudo isto parece um debate democrático, troca de idéias dentro de uma sociedade pluralista.

Não é.

A imprensa fixou-se nos aspectos mais sensacionalistas, como a chamada na capa da Época – Ele Merecia ser Roubado? – o público leitor foi na onda e manteve a mesma entonação. Dai para o linchamento e o canibalismo foi um passo.

Quando se simplifica o debate como agora acontece, é inevitável que a resposta coletiva seja ainda mais simplista e ainda mais grosseira.

A brutalidade que hoje se nota em alguns blogs e nas seções de cartas dos leitores não acontece por acaso.

Alguém fez vibrar um diapasão, a multidão percebeu o tom e procurou a mesma afinação.

É evidente que Luciano Huck não merecia ser roubado, ninguém merece ser roubado, nem mesmo ladrões.

Mas um assunto sério como este não merece colocações tão ingênuas e tão desatinadas.

Em Tempo: Não satisfeita com a polêmica criada por seus articulistas e convidados, a Folha de S. Paulo foi buscar na Veja o cão de guarda Reinaldo Azevedo, blogueiro e colunista da revista, para mais um artigo sobre Huck e Ferréz, publicado nesta segunda-feira (15/10) na página 3. Azevedo bate pesado em Ferréz e até mesmo na Folha, por ter publicado o artigo do rapper. Já o resultado da busca no Google pela palavra-chave Luciano Huck já supera 445 mil ocorrências. Não é pouca coisa...

A discussão que nasce do fato é interessantíssima - de cunho interdisciplinar, inclusive: através dela se pode debater desde o papel da mídia, a democracia nas redações e o direito de opinião do cidadão comum e da elite (pensante ou não), até o renascimento da polarização do debate político entre direita e esquerda - além, obviamente, da insegurança das ruas de nosso país.

Contudo, tornado simplista, o debate descamba para a grosseria, com respostas chulas, superficiais e maniqueístas, como bem adverte Alberto Dines. Bem à maneira do que costumeiramente vemos aqui, na nossa terra.

11 comentários:

Anônimo disse...

Francisco,

me corre algo qando vc fala em "renascimento da polarização do debate político entre direita e esquerda": essa polarização nunca esteve ausente. há momentos em que ela é mais "maquiada", mas nunca desaparece. quando se publca bnotícia sobre uma ocupação feita pelo MST e na mesma página sai entrevista com um fazendeiro, por exemplo, o que há ali são argumentos de esquerda e de direita... e assim por diante.

Francisco Rocha Junior disse...

Você tem razão, anônimo das 12:29PM. Mas a chegada da esquerda ao poder federal no Brasil, em 2002, e os movimentos ditos "bolivarianos" na América Latina (Venezuela, Bolívia, Equador), somados à radicalização do discurso de direita em países centrais - notadamente nos EUA - retomou, no debate internacional, esta polarização.
Creio também que o tempo passado desde a queda do muro de Berlim, lá se vão 18 anos, liberou a esquerda internacional da ressaca em que vivia mergulhada desde o advento.
Por isso falei em retomada, ou renascimento do debate.
Abs e volte sempre.

Francisco Rocha Junior disse...

Desculpe, anônimo não! Pelo contrário, muito bem identificado!

Carlos Barretto  disse...

"Alguém fez vibrar um diapasão, a multidão percebeu o tom e procurou a mesma afinação."
Esta parte do texto de Dines é muito boa.
Dá o que pensar. E muito!

Anônimo disse...

Alberto Dines é altamente suspeito, afinadíssimo com a esquerda que hoje está mais pra direita no que concerne a benesses do poder que cega e faz cegar.

Bem, pra ele a multidão deve estar em concesso com o(execrável) fórum de São Paulo.

Como parâmetro ele é soi-disant alternativo à grande mídia com recursos públicos.

Carlos Barretto  disse...

Pessoalmente, já me vi com grandes divergências às análise de Dines no Observatório. E desconfio muito de muita gente. Mas não o desconsideraria por completo.

Francisco Rocha Junior disse...

Anônimo das 7:42PM, desqualificar o debatedor não contribui para o debate. A posição do Dines em relação ao governo não desmerece sua opinião. Neste aspecto, concordo inteiramente com o Barretto.
É justamente isto que precisamos superar: a síndrome do operador, o embate RePa, GreNal, FlaFlu. Deixemos isto para o futebol, onde este "modus operandi" fica bem.
Você pode dizer, é óbvio, que chamar Reinaldo Azevedo do "cão de guarda que a Folha foi buscar na Veja" equivale ao que estou criticando. Se for esta sua conclusão, você acertou no ponto onde eu queria chegar.
Abs e volte sempre.

Anônimo disse...

Jamais quis desqualificar o jornalista em questão, até porque toda opinião é válida e tem que ser respeitada. O que não se pode, e aí é que está o plus da questão, é um discurso meramente demagógico, onde, aí sim, se faz ironia e comparações infelizes, com objetivo claro de desvirtuar uma situação a que todos nós estamos sujeitos diariamente, sejamos famosos ou não.

Não concordo com a grande maioria dos artigos do sr. Alberto Dines, por achá-los altamente parcias, principalmente na atualidade. Mas essa é minha humilde opinião.

Quanto ao Digo Mainardi, não poderia ser outra a posição do Alberto Dines.

Antonio Carlos Monteiro disse...

Hoje vejo diferente a vida da direita e esquerda. Antigamente, assim que triunfavam nas eleições, os políticos ditos de esquerda, colocavam em prática os programas conservadores de seus adversários. Hoje, percebemos que os seus temas centrais, começam a ter objeto de um consenso cada vez maior;
A luta contra a desigualdade, o combate a pobreza, críticas ao modelo neoliberal e a sensação de que se foi longe de mais com as privatizações.
A um entrelaço muito grande entre as vertentes...
Carlos Hernán Tercero me explica bem isso;

"Atualmente, esquerda e direita são apenas palavras que designam o posicionamento dos seres humanos frente às vicissitudes da vida causadas pelo egoísmo inerente à raça humana. É natural que os menos aquinhoados desejem progredir; é, da mesma forma, natural que os que conseguiram construir algo lutem para defender o produto de seu trabalho e, entre esses dois posicionamentos, surgem inúmeros aproveitadores que nada produzem, tudo almejam e interferem politicamente para tirarem proveito de quaisquer oportunidades encontradas. Eles aliam-se ora à direita, ora à esquerda, conforme seus interesses e, se pouco fazem em prol da Nação, de quase tudo são capazes para ampliarem e manterem o seu poder.

Abraços

Francisco Rocha Junior disse...

Toninho, existe sim uma retomada da dicotomia no debate. Immanuel Wallerstein, István Mészáros e outros pensadores estão reiniciando, já há algum tempo, esta discussão.
Como disse em outro post, creio que o pós-ressaca da queda do muro de Berlim, a hegemonia dos EUA e outros temas globais tenham impulsionado este déjà-vu. A vantagem agora, ao menos sob a perspectiva teórica, é que a esquerda poderá aprender com os erros que a prática lhe ensinou.
A esquerda brasileira, infelizmente, patina na tentação liberal, com fins eleitorais, de se aproximar do centro do espectro político. Sobre isso, sugiro que leias uma entrevista do Wallerstein dada à Folha de São Paulo em 1999, disponível no seguinte link: http://www.globalizacion.org/biblioteca/WallersteinRuinaCapitalismo.htm
Abs. Volte sempre.

Antonio Carlos Monteiro disse...

Francisco,

No Brasil ainda nao enxergo. Mas na América-latina sim...
Algumas doutrinas concordam em dizer, que nao existe uma esquerda na América-Latina, mas duas.
Uma delas é moderna, de mentalidade aberta, reformista e internacionalista e, paradoxalmente, tem suas raízes na esquerda de linha dura do passado. A outra, nascida da grande tradição do populismo latino-americano, é nacionalista, estridente e de mentalidade fechada. A primeira tem plena consciência de seus erros passados e se modificou em razão dessa consciência. A segunda, infelizmente, não fez o mesmo.

Obrigado, Vou já ler.

Abraços.