quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A casa é sua

A casa é sua! Sorriu malemolente pra ela por detrás do balcão apertado. A calçada era a casa. Quase em frente ao sambódromo. Fumegava o churrasco improvisado em cima de uma grade de cerveja. Está servida? Esticou a bandeja florida de carnes. Muito obrigada. Vou aqui com o Chico; ele esqueceu de mim. Já era a segunda. Não quer vir pra cá conosco? Claro! Ana, você vai ensinar minha filha a sambar como você? Uhum. Olhar desconfiado, pé indócil. Ô, Marisa Monte, puxa uma! Aquele salame feito extintor no bolso traseiro da calça jeans era o melhor convite. Bezerra da Silva. Martinho da Vila. Batuque no casco térmico da cerveja. A festa seguia. Ó, a capoeira! Agora balé. Personagens da noite na calçada de um boteco sem placa ou nome. A máquina parecia dessas de jogo. À base de fichas. Musicava o ambiente difuso. Assédio. Machismo. A noite bonita também era feia. Ladeira acima. Ladeira abaixo. Blocos de sujo esquentam. Mais uma noite cai. Mais um dia se levanta. A casa era outra. Albergou por poucos ansiados dias. De saída, soava a banda militar. Ah, não! Nostálgico e ridículo. Será uma saudação? Riso íntimo. O caminho por vir era longo. “Nem o prego aguenta mais o peso desse relógio”.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Alepo: misericórdia

De repente Sabá de abadia me vem com essa flecha de jambu, a mirar o marco zero da comunicação e fazer tremer a língua: “O domínio paulatino da linguagem colocou ordem no verdadeiro caos que eram as sinapses cerebrais dos primeiros hominídeos. A linguagem colocava ordem no pensamento. Pensamento domado inicia-se a jornada da auto-expressão humana. Das pinturas rupestres para a escrita de "No início era o verbo..." transcorreram milhares e milhares de anos. Uma lenta construção, como se vê. Hoje, estamos a nos esculpir por meios tantos, mas a palavra, oral ou escrita, segue nos fazendo, nos guiando, nos desvelando. Evocando a figura emblemática do profeta das gentilezas, que palavra melhor nos define? Ou ainda: nos desafia, inquieta, atordoa, ecoa, surpreende?" Mais adiante, Dora Schinitman retrata que a função primária da linguagem é a construção de mundos humanos. Labareda traduziu: “A linguagem emana construção de manos mais humanos", com palavras deliciosamente surrupiada de Joãozinho Gomes em “Ao mano humano”, parceria com Zé Miguel.
Mas, se existe uma linguagem que desafia a ferro e fogo o humanismo de Schinitman é a da guerra, sem misericórdia, que deixa Alepo em carne viva e com os nervos expostos. A libertação de Alepo veio - se é que veio – no galope de tanques de guerra, sob suspiros de uma primavera árabe, em meio a coices de metralhadoras a cuspir sangue arterial pelas esquinas e se misturar às poeiras de seus escombros até se fazer sarapatel, e escorrer pelas valas abertas da Síria.
Alepo, foi (ou ainda é) o campo de concentração que não vivi, e só li nas apostilas da segunda guerra. Não falo aqui, do leste da cidade, do norte do país, da rosa dos ventos oestes. Falo, sim, da geografia humana sul-real a deixar Dali estupefato e fazer tremer o bigode.
A dor escarrada nas lentes televisivas e no rosto das crianças mudas mudam minha verve suburbana. Parto aos espasmos para tentar me envolver num pensamento mais universal do holocausto, ao ouvir o estouro do canhão apontando para o céu na tentativa de balear deuses. Quando não se vingam, as bala perdidas voltam e acertam a fossa posterior dos cérebros inocentes ou o peito de uma criança. Assim se faz a linguagem, oral ou escrita, dessa guerra.
Alepo é o mais rugoso destroço desse miserável conflito, a preço de uma celestialidade questionável. O tema é tão frio que me causa dor na espinha e colapso em meus alvéolos pulmonares. Falta ar. Falta tripa. Falta entender. Só me sobram tetanias na alma e o coração a fibrilar. Há dor em Alepo, como há em qualquer guerra onde se vê crianças e inocentes a cristalizar o cerebelo na ideia de divagar a esmo, em marcha ebriosa que faz o Oriente caminhar entre fronteiras. As lágrimas das mães escorrem no rosto sujo dos escombros, deixando a impressão de que um rio de dor passa por ali, e são insuficientes para lavar a alma desses espartanos.
Os valores do fundamentalismo e o caráter barulhento dessa ideologia lembram folhas de zinco entregue às chuvaradas de inverno caindo no teto de de minha casa de infância de calmaria - perturbam minha verve.
Dá até para limpar as lágrimas, mas regressar à normalidade da segunda-feira é bem mais difícil, pois somos sentimentos disfarçados e imiscuídos em palavras algemadas àquele aldeão, conforme retrata Corisco: "A paz é um tropeço, um acidente, um soluço da guerra [...] Apenas um hiato entre o sonho e o fato".

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Aos meus amigos que entendem de Astrologia

Por Walfredo Júnior

As pessoas que entendem de astrologia sempre são as mais legais (Olavo de Carvalho é exceção). Eu percebo o quanto evoluí como ser humano justamente constatando quantas dessas pessoas que sabem qual é a sua lua são hoje próximas a mim. Eu mesmo nunca lembro de perguntar pra minha mãe que horas eu nasci.

Certo dia uma amiga me disse que estava viajando pra fazer sua revolução solar. Fiquei surpreso de saber que existe a prática de se passar a noite do seu aniversário no lugar da terra pra onde aponta um certo alinhamento de astros - meu irmão vai todo ano exatamente pra onde a astróloga diz, me contou. Uma pessoa mais chata que eu perguntaria: Mas e se o alinhamento apontar bem pro meio do oceano, uma vez que há mais água que terra no mundo? - pura implicância dessa gente sem o sal dos "mistérios" na sua vida. Imagina se tudo tivesse explicação?

Não que o cálculo e a lógica sejam estranhas ao estudo do zodíaco. Os meus amigos que são capazes de fazer mapas astrais têm todas as repostas para as incongruências (admito que são pouquíssimas) entre as características gerais dos piscianos e meu próprio temperamento. O problema é o seu Vênus, diriam alguns.

Mas no final as similitudes entre o escrito nas estrelas e a minha auto imagem são mais impressionantes do que as engenhosas explicações para as diferenças. Pelo o que entendi de tudo que já vi sobre o signo de peixes (superficialmente), somos, bem resumidamente, uns avoados, uns lesados. Eu purinho.

Meus amigos astrólogos amadores ou simplesmente entusiastas dos mistérios do cosmo, peço-lhes perdão pela forma tosca de abordar vossa arte-ciência, sem nem sequer realizar qualquer pesquisa prévia, o que de certo deve já ter produzido até aqui toda sorte de imprecisão conceitual e terminológica. Não quis diminuir minha ignorância, justamente para demonstrar a questão da perspectiva do não iniciado, até certo ponto cético, mas que se impressiona com certos fenômenos que parecem ter mais sentido sob a influência dos astros. Dessa forma eu me abstenho aqui de estudar o assunto e lanço a pergunta a todos vocês amigos neófitos e mestres do estudo dos signos, ansiando de fato ler suas teses em resposta:

O Inferno Astral, essa conjugação de alinhamentos totalmente desfavorável à sorte do indivíduo, pode ocorrer também para as coletividades, a saber, nações, continentes ou mesmo o planeta inteiro?
Porque, ainda que todas as crises econômicas se expliquem à luz da teoria dos ciclos e as crises políticas também tenham as suas próprias teorias de ciclos, o ano de 2016 teve especificidades tão miseráveis que ora vejamos:

Comecemos nas terras de Shakespeare. James Cameron, primeiro ministro de Sua Majestade, resolve fazer um plebiscito pró forma, só pra constar, com um dilema que até se julgava falso pelos de fora. Reino Unido deve ficar ou não na União Europeia? Nem se falava nada a respeito nos jornais de cá, porque se considerava uma barbada. Pow, primeiro ministro foi atrás de lã e voltou tosqueado, e mais uma pra conta da ultra direita.

Enquanto os americanos se deliciavam rindo dos seus amigos ingleses, dizendo "que burros!", a campanha mais vagabunda da história recente das eleições americanas se desenrolava, trazida abaixo até a lama pelo conteúdo e método da candidatura do businessman Donald Trump, o qual a mera indicação no partido republicano já tinha tom de piada surreal. Mas no desenrolar da campanha parecia tudo só um sonho ruim mesmo, Trump não dava uma dentro e as pesquisas já tinham dado ele como perdedor, aí vieram as eleições e Pow! Vez dos ingleses rirem dizendo "que burros!".

Na América do Sul a bagunça de sempre, mas 2016 teve essa marca de quando algo tinha chance de dar certo, ou pelo menos não dar tão errado, as más notícias continuarem jorrando. Como o plebiscito na Colômbia pelo acordo de paz entre o governo e as Farc. Esse era um "sim" fácil, certo? Nada disso, o povo votou contra o acordo.

Pode ser injusto culpar os pobres astros nos exemplos acima, todos casos de escolha popular contradizendo o senso comum. Talvez a verdade é que o senso que não é tão comum agora e coisas como a Declaração Universal dos Direitos Humanos já estejam demodê.

Mas, se a coincidência de o mesmo ano abarcar tudo isso seja mesmo a vigência de um inferno astral, o Brasil deve estar no último círculo infernal. No início do ano, o golpe parecia mais uma dessas improbabilidades, se bem que no Brasil nada nos choca mais. Bom, não estavam de brincadeira. Mas se um impeachment tosco, era algo difícil de acreditar, o que veio a seguir foi totalmente dentro do esperado do governo que se formou. Um geiser de más notícias. Os desmandos, ilegalidades, medidas anti sociais e de lesa pátria mesmo foram tantas que foi difícil de acompanhar. Os golpistas tiveram pressa como se estivessem sob açoite.

Mas deixando de lado a mão que estala o chicote, o que acaba dando força à tese do inferno astral é a sobreposição de circunstâncias nas desgraças. Porque aviões caem, é raro mas acontece, infelizmente. E já ocorreu de aviões caírem com times de futebol inteiros. Mas um acidente aéreo com um time pequeno que viveu sua epopeia para pegar o voo mais importante da história do clube, a viajem para a disputa da final de seu primeiro título internacional, o orgulho de uma nação ansiosa pelo refrigério que essa possível vitória traria ao seu cotidiano tão combalido foi algo inaudito. O desastre da Chapecoense causou-nos esta vontade coletiva de ir dormir e só acordar em 2017.

Se formos continuar nessa linha, o texto ficará insuportável de tanta tristeza que há para contar sobre este ano estranho.

A nossa contagem de tempo é baseada na revolução dos astros e talvez esse movimento encerre e inicie ciclos na sorte dos povos como na dos indivíduos. Deixo aos meus amigos astrólogos a tarefa das previsões, mas, ainda que haja o inevitável e o fatídico, que estejamos sujeitos ao magnetismo celeste para guiar nosso ânimo e nossa sorte, espero que a ilusão do livre arbítrio nos leve a aprender com 2016 e, no nosso anseio por um ano melhor, façamos cada um de nós coisas bonitas e valorosas o mais que possamos e que o conjunto das nossas realizações entrelaçadas possa tecer um verdadeiramente feliz ano novo.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Notas da subglote

                                      Não me trato, nunca me tratei, embora respeite os médicos e a medicina
Fiodor Dostoieviski, em: “Notas do Subsolo”

E quem não gostaria de começar um texto médico com um Dostoieviski metralhando o anfiteatro de Galeno e ainda blasfemando o deus Asclépio, filho de Apolo? “Memórias do subsolo”, de onde buia a epígrafe, é um jardim de flores mortas adubada com esterco de camundongos, cujo jardineiro poderia ser Freud... Mas não é! O jardineiro é o próprio Fiódor, arando solos mordazes, a ponto de soterrar nosso fôlego ao nos asfixiar num arquétipo de desafiar o maior dos super-humanos. Ao parear Dostoievski com as doenças e seus cataclismos, repleto de porões e insubordinações, deparo-me com Maria Clara.
A menina de três anos não tem voz e não sente o ar ventar pelo nariz, pois tem a glote fechada por conta de uma sequela adquirida aos sete meses de idade. Ela respira por uma cânula no pescoço que se assenta na traqueia. Quer chorar, mas ninguém ouve, quer aprender a linguagem, mas ninguém ensina. Ela tem uma beleza cabocla de tingir nossos corações com as tintas da beleza encontrada num canto qualquer dessa Amazônia desvairada e silenciada. Ao ver Maria Clara eu me vi Dostoiéviski: “sou um homem doente”.
Ao pousar no setor de pediatria do hospital regional de Marabá, sudeste do Pará para conversar com os pais, só me apareceu a mãe. Elas vivem às margens da rodovia transamazônica. Maria Clara nasceu de uma transa amazônica sem destino, às ribeiras do Tocantins. Aos sete meses adquiriu pneumonia e foi bater no CTI, onde necessitou de aparelhos para respirar e acabou obtendo sequelas cicatriciais graves, por isso a traqueostomia, preço de sua misericórdia. Sem pai, a mãe assumiu papel da miséria das dores. Desde então, quando chora, o silencio da menina escorre pelo canto do olho e a voz vira a lágrima.
Peguei-a no colo e fomos ao centro cirúrgico. O anestesiologista arpoou uma agulha milagrosa na jugular, e a pôs a dormir. Passamos o aparelho na sua garganta e descobrimos a causa da sua afonia: fenda subglótica fechada, por isso as cordas vocais não vibravam. Tudo cortinado logo abaixo das cordas vocais, daí o ar que saia dos pulmões não estimulava a fonação. O objetivo, ali, foi recanalizar a via aérea.
Assim como Maria Clara, ainda existem inúmeras crianças e adultos na mesma agonia. A cirurgia endoscópica, ou aberta – nada simples, diria – pode recobrar não só a respiração, mas também a toada da voz. 
No voo de volta, mesmo com missão cumprida, acabei ficando com transtorno bipolar, ao manter a luz de leitura acesa. Senti os solavancos da aeronave, como se tivesse na zona de convergência inter-tropical, enquanto todos bebiam suco de pêssego languidamente e liam a revista de bordo. Ler Dostoiévski é viajar dentro de uma área de borrasca, portanto não aconselho ninguém a bisbilhotar “Notas do subsolo” acima do solo, sob risco de virar trambolho dentro da própria pele e gerar pane seca na própria glote.
No mais, perdoem-me por ter filosofado tanto, são os anos de subsolo à luz de lamparina! Permitam-me, permitam-me, pois a razão é coisa sagrada, mas é apenas para satisfazer o homem, nada mais. Já a narrativa é manifestação de vida como um todo, ou melhor, de toda a humana vida, aí incluindo a razão e todas as formas de se coçar e extrair a raiz quadrada de Maria Clara, para refazer o duo medicina-literatura em meio ao redemoinho que enovela nossas dores.

Roger Normando, médico e professor de cirurgia da Universidade Federal do Pará

domingo, 11 de dezembro de 2016

Um desencontro singular

           Por Abel Sidney, escritor

          Eu ainda morava no Rio quando aconteceu o curioso episódio que vou relatar. Era estudante e além de me entranhar na vida cultural carioca, trabalhava e ainda encontrava tempo para folhear os livros acadêmicos...
            À época, era dado a conhecer escritores. Um deles, o grande Orígenes Lessa, fui visitar em Copacabana. Muito bem recebido, pudemos conversar por algumas horas. Tempos após escrevi ao Carlos Drummond de Andrade e - para minha grande alegria - recebi-lhe como resposta um breve cartão, quase um bilhete. Depois do que vou narrar, ainda conheci Jorge Amado. Ganhei autógrafo e afaguei-lhe o ombro (o que foi motivo de brincadeira em casa, pois diziam que todos a quem eu tocava daquele modo morriam...)
            Lia muito. Quase tudo que me caia às mãos. Coisas saborosas como as crônicas do começo do século do João do Rio, os enigmáticos contos da Clarice Lispector, Victor Hugo e muita literatura infantil. Além disso, arriscava algumas linhas. Escrevia as primeiras crônicas, muitas cartas e umas poucas poesias.
             Foi nesse clima de efervescência cultural que viajei para São Paulo, para visitar uns amigos. Tomei o ônibus da meia noite para poder dormir e aproveitar melhor o dia seguinte. Ao sentar-me, achei estranho o personagem que viajaria comigo, ao meu lado. Cabelos negros até os ombros, magro, rosto anguloso, enfim um tipo nada convencional. Pensei comigo se não o conhecia de algum lugar. Deu-me um comichão e decidi buscar um lugar vago mais para trás, para poder esticar as pernas, dormir melhor ou quem sabe fugir mesmo da presença inquietante daquele senhor...
             Fui lá pra trás e acabei sentado ao lado de um paraíba, um nordestino que morava no Rio, bom de conversa. Disse paraíba pois é assim que os cariocas denominam todo e qualquer nordestino, às vezes de forma pejorativa, o que já pude experimentar na própria pele, por conta de simples vacilo ao tomar um ônibus... 
             Bem, conversa vai conversa vem e eu intrigado com o personagem que deixara lá no banco da frente. Porém, o amigo ao lado era um bom contador de histórias e fui ouvindo suas experiências de vida na cidade grande. Experiências com sabor acentuado de aventura. Uma delas, a qual valeu toda a viagem, aconteceu no Catumbi, próximo ao Sambódromo. Ele subiu o morro para visitar um amigo e se agarraram numa conversa que se estendeu muito além do previsto. Quando ele se deu conta era quase madrugada. O amigo insistiu para que ele ficasse, que pousasse ali mesmo, pois apesar do aperto sempre se dava um jeito. Nada o convenceu. 
              Decidido, tomou o caminho de casa. Na descida do morro viu um sujeito suspeito, pronto para lhe assaltar, presumiu. Quando se deu conta plenamente do perigo iminente, não dava mais para recuar. Tinha sido visto e estava sendo aguardado. Lembrou das advertências do amigo e engoliu em seco. Que besteira! Foi caminhando, então, devagar, para ganhar tempo. Súbito, a inspiração. Diminuiu ainda mais o passo. Cambaleou para os lados e apertou com as mãos o estômago. Começou a gemer baixinho. À medida que caminhava, gemia mais alto. Até que ao chegar no ponto fatal, o sujeito o cercou e perguntou o que estava acontecendo. Disse estar muito mal, vomitando sangue e se não fosse direto para o hospital, poderia morrer ali mesmo.
            O negão (como o chamou) não pensou duas vezes. Tomou-o praticamente nos braços e desceu com ele os últimos lances do escadão. Parou o primeiro táxi. Ordenou ao motorista que levasse o seu camarada ali para o pronto-socorro. Rápido e de graça, ainda frisou. 
             Bem, o resto da história é de se imaginar. E rir. E de se ver ainda que diante da dor alheia, em certas circunstâncias, se comovem os mais duros corações...
             Ao final da viagem, lembrei quem era o tal personagem: Ferreira Gullar, o grande poeta maranhense. Até hoje não sei se o que conversaríamos teria o mesmo sabor que as histórias daquele outro nordestino. Quem sabe? A conferir, num próximo e incerto encontro...

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Além da prorrogação (Dois países lendários)

A mais desejável comunhão é a quebra das barreiras entre
dois países míticos: Vida e Morte.

Suspeita-se que além da Vida, transposta a fronteira, 
novas paisagens se anunciam.

Contam que os habitantes da Morte se sentem tão plenos de existência
que chegam a zombar dos vizinhos, a quem chamam de "vivos-mortos"...

Talvez seja uma forma de revanche, pois os Vivificados classificam
os "do Além" de fantasmas de assombração!

Histórias e tradições se erguem e separam, isolam mesmo quando 
gente dos dois lados desejam  contato, notícia, comunhão...

Um largo muro nos divide, 
um muro de lamentação no qual se fala de perdas na ausência da fé 
e de pitadas de imaginação!

Pois eu imagino que haja verdes campos logo ali, 
fronteiras além...

Chego a pensar na bola que rola que se improvisa 
e ouço ecos de uma outra torcida!

Sem receio algum eu imagino um comentarista retratando a perplexidade dele próprio ao dizer: "quem diria que o jogo, com breve intervalo, continuaria?!"

Sabá de Abadia, do bando de Corisco