domingo, 27 de novembro de 2022

A dor no tornozelo e a dor de cotovelo

         Neste domingo fiz uma provocação em diversos grupos de futebol, ao postar um texto de Walter Casagrande Júnior: "Um verdadeiro ídolo do futebol". O texto merece algumas críticas, mas não deixa de ser autêntico e de conteúdo valioso. Ele já havia deixado claro, em entrevista outra, sua admiração dentro e fora de campo por Richarlison, que fez dois gols na estreia do Brasil no Catar. Outrossim, dedicou parte de seu verbo apimentado a Neymar, que saiu de campo com tornozelo inchado e sem jogar o futebol que tantos esperávamos.

Não sou crítico literário, longe de mim ter essa petulância, mas passei boa tarde de minha adolescência entre Armando Nogueira, Tostão e Eduardo Galeano, que me dão estofo para entender um pouco de futebol, afora os chutes que dei nos jambeiros dos campos de pelada. Mas se Casagrande pede passagem, por que não abrirmos as portas que abrigam nossas leituras?

O texto de Casagrande é corajoso, diante da mídia que endeusa Neymar. Ao mesmo tempo é ranzinza, tanto quanto milhares de outros textos jornalísticos que deverão surgir daqui para frente, ante a um país ferozmente politizado. Parece que o nosso jornalismo está a zumbizar, diria Raul Seixas. Ou seja, parece que ficou escravo de pensamento político polarizado e, por conseguinte, maneta. A raiva do autor em relação ao atual presidente deixou o texto pichado, dado os motivos enfezados que regem a maioria dos brasileiros, tanto de um lado, quanto de outro. O texto ficaria bem melhor se ele esquecesse a política e focasse na arte futebolística. Ou faltou-lhe tutano para completar milimetricamente a coluna, ao aferir que Neymar “declarou voto ao candidato fascista e golpista...”. Precisa zum-zum-zumbizar tanto? Confesso que ultimamente tenho apertado o botão "detox" para a política, mas esse texto me deixa eufórico por ter contraponto de grande valor, pois o que se vê é uma mídia que endeusa um craque que ainda deve aos nossos corações, pleuras e pulmões.

Adiante, ao final do texto, tentando caetanear no que há de bom, pisou na bola e enterrou a poesia de Djavan, apesar da permissão. Pobre Djavan, que viu toda sua musicalidade esvanecer-se numa página que poderia ficar em silêncio. A homenagem a Caetano Veloso foi enterrada. Caetano é total influência em Djavan, assim como em tantos outros artistas da música, por isso a homenagem.

E o autor, querendo ser exemplo de comportamento social, escorrega na casca de seu discurso, e cai feito banana. Sabe-se publicamente que o Casão andou fora das quatro linhas por longos anos e agora resolve entrar de carrinho no tornozelo do Neymar. Menos, Casão! Poderias ter ficado na tua casinha, ou mesmo no quintal, tomando banho de cacimba, com a água benta que lhe retirou do fundo poço. 

Estaria então, o ex-craque ainda vivendo sua enfermidade neuronal? Segundo o filósofo coreano Byung-Chul Han, se já tivemos uma época bacteriológica, que chegou ao seu fim com a descoberta dos antibióticos, estamos agora vivendo o medo imenso de uma pandemia gripal, mas não parece vivermos uma época virulência, mas de violência. Graças à técnica imunológica, já deixamos para trás esse momento, em que pese perdas. Visto a partir da perspectiva patológica, o começo do século XXI não é definido como bacteriológico nem viral, mas neuronal. Doenças como a depressão, transtorno de déficit de atenção com Síndrome de Hiperatividade (TDAH), Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB) determinam o começo do século XXI. Não são infecções, mas enfartos provocados não pela negatividade de algo imunologicamente diverso, mas cravada pelo excesso de positividade - ou de  polaridade.

O texto acima pertence à “Sociedade do Cansaço”, quando me chegou o texto do Casagrande. Han é professor de estudos culturais na universidade de Berlim e sua paixão pela escrita nos deixa essa pérola do pensamento contemporâneo que, a meu ver, embaraça nossa interpretação da vida privada. Até porque fora de campo, mas ainda dentro das quatro linhas, Casagrande foi voz de resistência à política esportiva escravizante, em seus áureos tempo de Corínthians, mas fora das quatro linhas, levou a vida pela rota das drogas.

Se o Casagrande está com dor de cotovelo – e até pode ser -, ele falou suas verdades e isso podemos até concordar, mas não precisava distorcer as preferências políticas do craque, tampouco entrar em devaneios com o Djavan, já que se diz curado das recaídas.