domingo, 30 de setembro de 2012

Domingueira

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Bom, antes que o Domingo acabe, e que a segunda-feira traga todas as artimanhas de volta, quero comentar  a capa do Diário do Pará de hoje, 30/09. É tradição nos jornais impressos - principalmente em período eleitoral - divulgar pesquisa de Opinião sobre as intenções de voto dos eleitores. Ainda mais quando o jornal apoia um candidato. E por incrível que pareça o Diário do Pará não trouxe nenhuma pesquisa neste domingo.  A Manchete foi a seguinte: Indústria Tem Emprego Para 104 mil. Pode? E foi assim! Sem tirar nem botar.


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Notícia relevante

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A coluna de Elias Pinto no Diário do Pará de hoje, domingo, 30/09, traz informações das mais relevantes sobre o Benedito Nunes. Ela foi dedicada ao lançamento de um novo livro com coletâneas de escritos de Benedito Nunes, nas mais diversas modalidades das artes; e na cultura. E como  escreve Elias Pinto: "Este livro não pode faltar na sua estante." Na minha não vai faltar,  tratarei de comprá-lo assim que o dia amanhecer. O nome da edição é Do Marajó ao Arquivo: Breve Panorama da Cultura no Pará. O lançamento é da SECULT e da UFPA. Segundo Elias, "O livro é uma coletânea de textos sobre as diversas manifestações culturais no Pará, escritos ao longo de mais de 50 anos de atividade crítica e ensaística do autor." Na minha estante ele já está, só falta comprar. A organização do livro é do filósofo paraense Victor Sales Pinheiro. Os pontos de venda são a Loja da editora da UFPA, no Campus da UFPA; e nos pontos de venda da Secult.


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O Surrealismo do Iphan


Vila Ceará - Salvaterra, Marajó, 2001: 
panelas de barro sendo feitas por moradores, com a ajuda de Oliva e Mariella. Agora, essas panelas viraram "vasilhames cerâmicos arqueológicos"  para o Iphan. 
Fotos: Oliva Van Eeghem Coutinho

Brasil continua surreal e não adianta a nossa pose de país de primeiro ranking quando as instituições públicas refletem um nível de amadorismo surreal. O que relato aqui está sendo vivido por  minha esposa, Oliva, tendo como protagonista principal uma instituição que nós, até então, considerávamos séria e comprometida com o interesse maior da preservação da memória, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan. Em agosto passado, Edinea da Conecição dos Santos, a senhora que se cuida da nossa casa e pousada na vila de Joanes, Marajó, recebeu um comunicado assinado pela superintendente do Iphan no Pará, Maria Dorotéa de Lima. Citando "a legislação maior pertinente à proteção do patrimônio arqueológico, Lei Federal n° 3.924/1961 e a Constituição Federal arts. 23, 215 e 216 cujas cópias seguem em anexo",  a superintende aponta que, durante vistoria realizada pelo Iphan nas ruínas da Vila de Joanes,  identificou na pousada "o uso de vasilhames cerâmicos arqueológicos como utilitários no local". Em seguida, a superintendente do Iphan avisa que, "para coibir tal procedimento", solicita "a retirada deste material de locais de constante circulação de pessoas para não sujeitá-lo a quebras ou aplicações indevidas de uso". E ainda alerta: "a compra e venda de objetos arqueológicos é crime federal e não deve ser praticada ou estimulada. Portanto, orientamos para que ofertas nesse sentidos sejam direcionadas ao Iphan, ou que os objetos sejam doados à centros de pesquisas ou museus, onde serão tratados e identificados, bem como ficarão acessíveis a uma maior quantidade de pessoas". Bem, se doarmos esses três vasilhames para um instituição de pesquisa científica, a conclusão será: artefatos cerâmicos, datados de 2001 AD, da fase belgo-argentina-marajoara  iniciada pela presença de Oliva Van Eeghem Coutinho, belga de origem flamenga, e da argentina Mariella Boschetti, na ilha do Marajó. 

A origem dos vasilhames
Reproduzo aqui, a carta que Oliva enviou na semana passada à "super-intendente" Maria Dorotéa de Lima:
En 2001, eu soube que uma família da Vila Ceará – localidade entre Joanes e a sede do município de Salvaterra – fazia e usava ainda panelas cerâmicas segundo a tradição dos seus antepassados.
Como eu mesma tinha seguido uma formação de ceramista, resolvi contatar esse grupo de moradores. Passei alguns dias, em companhia de uma amiga argentina,  artista plástica e também ceramista,  Mariella Boschetti,junto à comunidade da Vila Ceará. Com a famìlia, fomos ao mangue, buscamos o barro, acompanhamos e a ajudamos na confecção desse tipo de panela que a família ainda usava para cozinhar e também para  preparar a tiborna – água ardente de mandioca. Fizemos fotos e trocamos conhecimentos sobre as técnicas cerâmicas das pessoas da família, e depois de terminar o processo dividimos entre nós as panalas. Assim surgiram o que Vossa Senhoria identifica como  “vasilhames cerâmicos arqueológicos”. Eu mesma  nunca me arrisquei a utilizar as panelas para cozinhar algo porque vi que não resultaram fortes. Preferi  utilizá-las para depósito de guarda-chuvas molhados e sinalização de um desnível no chão, como peça decorativa e como vasilha de lixo de mesa. Em anexo,  envio  as poucas fotos que guardei  do trabalho coletivo com a família  da Vila Ceará, em 2001.
 
Na carta, Oliva ainda escreve:
O ofício de Vossa Senhoria nos causou espanto absoluto porque:
1) não é de agora que  Vossa Senhoria a e os técnicos do Iphan vão à Joanes  e passam pela Pousada. Lembro das primeiras escavações da fase mais recente  do Projeto de preservação do sítio arqueológico, que documentei com fotos em fevereiro de 2006. E eu garanto: esses vasilhames estavam lá então,  nos mesmos locais que Vossa Senhoria os viu somente em julho deste ano; 2)  Vossa Senhoria nos conhece e com certeza deve se lembrar da luta que  nós travamos em Joanes pela preservação do Patrimônio Histórico – embate  esse que nos causou situações de confronto com as forças mais obscuras da Vila e que,  em determinados momentos nos colocou em risco de integridade física tanto a mim quanto  ao meu marido, Edvan Coutinho, então presidente da Associação de Moradores de Joanes entre 2005 e 2007.  Eu poderia entrar num embate  com o Iphan sobre esses vasilhames.  Poderia pedir um laudo técnico que esclarecesse a origem,  datação e fase arqueológica
a qual pertencem.  Mas, não o farei porque acho que seria desperdício de tempo e dinheiro público.
Faço, então, o relato sobre a origem dos “vasilhames cerâmicos arqueológicos”,
relato este que, se Vossa senhoria tivesse nos contatado,  antes da comunicação enviada, ouviria e assim poderia evitar o constrangimento atual que, lamento, coloca em dúvida a competência técnica do Iphan, representado, infelizmente, por Vossa Senhoria.


Lembrei-me do personagem de Jô Soares, Sebastião, o último exilado, que telefonava da França no final dos anos 70  e ouvia da mulher, Madalena, relatos surreais do Brasil dos tempos da Abertura e dizia, incrédulo: "Madá, tu não queres que eu volte!!! Chose de loc!!!"


Veja como foi o debate da RBA com os candidatos à Prefeitura de Marabá



Para quem, por algum motivo, não assistiu o debate da RBA com os candidatos à Prefeitura de Marabá. Eis o vídeo, para você, eleitor indeciso, tomar a sua própria decisão.

sábado, 29 de setembro de 2012

Opinião

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Para  o instituto de pesquisa Vox Populi a trajetória da Curva de Intenção de Voto mudou. Pelo menos é o que está em  O Liberal deste Domingo, 30 de outubro. O instituto afirma que as  eleições municipais de 2012, em Belém, mudaram de trajetória; e que teremos segundo turno em Belém entre Edmilson Rodrigues e Zenaldo Coutinho. O que explica a queda tão acentuada de Edmilson Rodrigues? O que explica a súbita escalada de Zenaldo Coutinho? Não foi dito. O que sei dizer é que torço para que tenhamos um segundo turno em Belém. Julgo uma temeridade tirar uma maioria no primeiro turno. Vamos olhar mais as opções que temos; mesmo que para mim nenhum deles seja opção.


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Collorgate

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Vinte anos do Collorgate e o que mudou? Muita coisa mudou. E na corrupção mudou prá pior. E isto é incrível. Pois bem, de hoje para a última vez em que você viu a Rosane Collor, - surtada, saindo da Casa  da Dinda, de vestido florido e sapatos vermelhos -,  passaram-se vinte anos. Vinte anos meus camaradas. Se você não se lembra: logo atrás vinha Collor de Mello travado, de olhos em sobressalto. Oh! Quanta tristeza me dá na alma. Sei não. Essa cena - sem a Rosane Collor, é claro - se repetiu muitas vezes envolvendo todos os escalões do Executivo nacional. Em Brasília não faltou ninguém no Escândalo do DEM: nem do Executivo, nem do Legislativo. Foi comovente; quase fui às lágrimas. Não faltou ninguém: Foi o Governador, o Deputado Federal, o Deputado Estadual, os assessores parlamentares: Foi tudo quanto existe na representação política. Foi uma  festa da corrupção!

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Brasília não tem prefeito, nem vereadores; corrigi meu post pois usei a figura do vereador; era só para reforçar a cadeia de corruptos; mas pode confundir os que não sabem. No Distrito Federal, o governador e o prefeito estão na mesma função.
-Também corrigi a saída triunfal de Rosane Collor de vestido florido: não foi do Palácio da Alvorada: foi da Casa da Dinda.

Socos preenchendo o vazio


Ontem à noite revi em DVD o cultuado e polêmico filme Clube da Luta (1999), de David Fincher.
O thriller, com Edward Norton e Brad Pitt, foi um fracasso (relativo) nas telas, obtendo, no entanto, enorme sucesso após o seu lançamento em DVD, tendo inclusive gerado uma enxurrada de teses e dissertações nos meios acadêmicos americanos.
Por surfar no perigoso e violento tema da crítica de costumes da geração consumista e hiper-conectada do final do século passado, tema este, por sinal, ainda atualíssimo, a película inspirou atentados pelo mundo, inclusive no Brasil (um estudante de medicina metralhou a platéia que assistia ao filme em São Paulo, em 2002, matando três pessoas e ferindo mais quatro).
Nesta minha segunda incursão ao filme, talvez por ter lido recentemente o livro homônimo que o inspirou, de Chuck Palahniuk, não consegui identificar sequer traços de uma suposta apologia franca à violência e à intolerância, tão criticada pelos detratores da obra.
Clube da Luta põe um dedo direto na ferida ocidental, seja como filme ou como livro, atingindo em cheio o psiquismo dos mais variados tipos de pessoas. 
Comprar itens desnecessários, usar drogas lícitas ou ilícitas, frequentar grupos de auto-ajuda, bater e/ou apanhar, ou mesmo pagar para assistir lutas de MMA na televisão por assinatura, podem ser sinais e sintomas de uma síndrome psicossocial degenerativa tão poderosa, e ainda assim imperceptível para a maioria de nós. Seria algo como a "Síndrome do Vazio Ocidental Progressivo", num neologismo improvisado, e Clube da Luta nos mostra que somos vítimas reais ou virtuais desta "doença".
Mas filme cult é cult: ame-o ou odeie-o, com fervor e paixão, mas sinta algo forte por ele!

PS1: a atuação do cantor/ator Meat Loaf neste filme é extraordinária.
PS2: até hoje grupos de homens de cabeça raspada e vestidos de preto entoam em bares americanos o mantra do Projeto Caos, mencionado no filme: "his name is Robert Paulson!".
PS3: filme e livro têm finais totalmente distintos - vale a pena conferir.

Hebe Camargo

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Hoje é um dia triste para a minha mãe: morreu Hebe Camargo. Aos 83 anos de idade...... é o que dizem! Quando criança ficava sentada no sofá, com meus irmãos, assistindo ao Programa da Hebe. Minha mãe era fã, como toda a geração de mulheres que, como ela,  foram iniciadas nos programas de auditório. Hebe Camargo embalava as aspirações da geração de minha mãe. A moda e as opiniões: passavam pela Hebe. Dona de uma vitalidade impressionante, a apresentadora de televisão foi um marco na televisão brasileira. Direitosa, alegre e conservadora, representava o ideário das classes médias paulistanas como ninguém. É, lá se foi a Hebe Camargo! Minha mãe vai presenteá-la com algumas lágrimas: mesmo que às escondidas.

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O Presidente

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Quem viveu em São Paulo uma boa parte da infância - como eu -  tem alguns emblemas na memória. Um deles foi reformado e repaginado por módicos R$ 55 milhões de reais: a Praça Franklin Roosevelt. Incrível a força do ex-presidente norte-americano na memória dos brasileiros. Tinha eu um tio com este nome: e que já foi a viagem como o presidente americano.Franklin Delano Roosevelt foi o 32º presidente norte-americano. Enfrentou a Grande Depressão Americana e a Segunda Guerra Mundial;  foi ovacionado pelas multidões em todo o mundo. A foto da folhaonline é da Praça Roosevelt em 1954. Como São Paulo cresceu: ufa! Fico feliz com a reforma; mas sempre me perguntando: Por que deixam os equipamentos públicos degradarem a tal ponto?




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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Os 70 anos do Tim


1942 foi certamente um annus mirabilis da música popular brasileira. Naquele ano nasceram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola e Tim Maia. Esse, em especial, faz aniversário hoje.

Transgressor, doidão, intragável e irresponsável: Tim Maia era tudo isso. Mas mais que qualquer adjetivação pejorativa, Tim era talentosíssimo, genial no que melhor sabia fazer. Marcou com um estilo próprio e inigualável o cancioneiro brasileiro, com pérolas como Você, Azul da Cor do Mar e Não Quero Dinheiro. Ainda na adolescência, montou uma banda (um "conjunto", como se dizia na época) com nada menos que Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Jorge Ben - antes de ter o americanizado "Jor" apensado ao seu nome. Flertou com o misticismo abilolado e aproveitador, ganhou muito dinheiro, perdeu mais ainda, mergulhou no álcool e nas drogas. Foi um autêntico bad boy avant la lettre - não daqueles musculosos e porradeiros, mas um gordo maluco e debochado, que ganhava as brigas no grito.

Tim viveu em uma gangorra emocional, de saúde e financeira, consequência própria do desregramento com que pautou sua vida. Deixou, porém, uma obra de importância imensurável para a música brasileira. De herança para o soul, por exemplo, deixou a maravilhosa Gostava Tanto de Você, para mim a jóia da coroa de seu repertório.

Bom final de semana a todos, com a alegria do síndico da MPB.

Mapinguari

Um Mapinguari desacreditado de sua existência vestiu-se de Onça-Pintada e saiu pela mata do Utinga. Encontrou um homem e leu para ele três fábulas: da Matinta- Perera, da Cobra-Grande e a do Boto. Esse homem cruzou com outro-homem e releu as fábulas. O outro-homem desferiu-lhe três dentadas. Mais tarde a Onça reencontrou o homem ferido, agonizando. Lambeu-lhe o sangue, raspou os ossos, mastigou os músculos e cuspiu a alma. Enterrou o que ficou com três pazadas de terra. Até hoje o Mapinguari se alimenta de fábulas.

Friday!!!!



I don't care if Monday's blue
Tuesday's grey and Wednesday too
Thursday I don't care about you
It's Friday I'm in love


Monday you can fall apart
Tuesday, Wednesday break my heart
Thursday doesn't even start
It's Friday I'm in love

Saturday wait
And Sunday always comes too late
But Friday never hesitate

I don't care if Monday's black
Tuesday, Wednesday heart attack
Thursday never looking back
It's Friday I'm in love

Monday you can hold your head
Tuesday, Wednesday stay in bed
Oh Thursday watch the walls instead
It's Friday I'm in love

Saturday wait
And Sunday always comes too late
But Friday never hesitate

Dressed up to the eyes
It's a wonderful surprise
To see your shoes and your spirits rise
Throwing out your frown
And just smiling at the sound

And as sleek as a shriek
Spinning round and round
Always take a big bite
It's such a gorgeous sight
To see you eat in the middle of the night

You can never get enough
Enough of this stuff
It's Friday I'm in love


I don't care if Monday's blue
Tuesday's gray and Wednesday too
Thursday I don't care about you
It's Friday I'm in love


Mondays you can fall apart
Tuesday Wednesday break my heart
Thusrday doesn't even start
It's Friday I'm in love

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Simplesmente excelente!

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O 'mensalão' e o prático inerte sartriano

Luiz Werneck Vianna



Não andaria com a cabeça nas nuvens quem, meses atrás, imaginasse que o tempo do julgamento dessa Ação Penal 470 jamais chegaria. E se chegasse, supunham outros, caso coincidisse com o período das eleições municipais, traria consigo um clima de exasperação da política e de ruas efervescentes pela participação popular, contra ou em defesa de algumas lideranças de um partido à testa do governo há quase dez anos, ora levadas às barras de um tribunal. Mas, faltando ainda o principal - qual seja, o julgamento do núcleo político que teria sido o ideador da operação dos malfeitos contra a administração pública e instituições republicanas -, o clamor que tem vindo das ruas, até o momento, é de origem distinta, pois procede de movimentos prosaicos dos servidores públicos, inclusive de carreiras estratégicas de Estado, em torno de questões salariais.

Nada de trivial nessa constatação, uma vez que ela pode significar um processo de amadurecimento das instituições da nossa democracia política no exercício do controle do poder político e no culto republicano de obediência e respeito às leis, que a todos, governantes e governados, igualmente deve obrigar. Contudo, se avaliado de uma perspectiva com foco mais reduzido, esse sinal lisonjeiro não pode eclipsar um diagnóstico perturbador, uma vez que o silêncio das ruas estampa a distância existente entre a política e a população, ora reduzida à posição de mera observadora do andamento de um processo que expõe à vista de todos práticas de malfeitos de alguns dos dirigentes do partido hegemônico na coalizão governamental, ele próprio inerme diante da situação.

As razões dessa distância também não são triviais. Se ela, agora, se tornou evidente, suas origens são remotas e não podem ser buscadas exclusivamente numa repentina conversão da multidão às regras do jogo democrático e a uma atitude de reverência diante da autonomia do Poder Judiciário, embora, em algum grau, algo disso possa estar-se fazendo presente. Datam essas razões, longe disso, das cruciais opções assumidas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) imediatamente após sua vitória eleitoral em 2002, conquistada em nome de agendas igualitárias nascidas no campo da esquerda.

Nessa hora, e contrariamente à opinião de importantes próceres do PT, esse partido se recusou a enveredar por uma via de aliança com o PMDB, agremiação partidária congressualmente majoritária, preterida em favor de uma coalizão com partidos de menor representação, quase todos legendas de baixa densidade programática, fundamentalmente preocupados com a reprodução política dos seus quadros dirigentes, para os quais a conquista de posições fortes na administração pública era a chave para o atendimento de suas clientelas locais. Assim, seu programa de mudanças, além de contingenciado pelas reservas da época quanto à sua capacidade de garantir a estabilidade financeira - pedra de toque da conjuntura do primeiro governo Lula -, tornava-se dependente de uma coalizão estranha ou indiferente à agenda política que o tinha conduzido à vitória eleitoral.

A matéria bruta da Ação Penal 470, o mensalão, foi gestada no interior e a partir dessa decisão política de perseguir objetivos de mudança social desancorada de uma ativa esfera pública democrática, que importava a mobilização dos movimentos sociais, que logo, aliás, seriam postos sob a influência de agências estatais, quando não estatalizados tout court, convertendo-se a política num quase monopólio da chefia do Executivo. Aos partidos dessa bizarra coalizão presidencial, tangidos a ela com a expectativa de extrair recursos públicos para sua reprodução eleitoral, caberia conceder apoio parlamentar às iniciativas governamentais, enquanto ao Executivo, pelas vias decisionistas do direito administrativo, caberia realizar a agenda de mudanças avaliada como compatível com as circunstâncias.

Tal cálculo político, certamente exótico ao campo da esquerda, encontrou seu coroamento na política de massificação da política social com os programas assistenciais, revestindo a sociedade do estatuto do prático inerte de que falava Jean-Paul Sartre, massa passiva a ser conduzida por uma inteligência posta acima dela. Como um prático inerte, politicamente imobilizada, salvo nos períodos eleitorais, quando suas ações eram pautadas pelas legendas partidárias, a sociedade viveu mais um ciclo de modernização econômica, fortemente aparentado com os ciclos que se sucederam a partir dos anos 1930, tendo, de fato, experimentado, pela ação afirmativa de políticas públicas conduzidas pelo Estado, uma significativa incorporação ao mundo dos direitos de parcelas da população até então à sua margem. Mas a sociedade que emerge desse experimento de mudança por cima, se conhece a modernização, não irrompe para o moderno.

Filha de um tipo particular de revolução passiva, na forma tão bem caracterizada pelo sociólogo Francisco de Oliveira em seu ensaio Hegemonia às Avessas (São Paulo, Boitempo, 2010), a sociedade que dela resulta traz em si duas marcas negativas, ambas sáfaras à floração de uma cultura política democrática: a da restauração do poder político das oligarquias tradicionais, às quais se propiciaram os meios para a preservação do seu domínio local; e a valorização sans phrase da dimensão do interesse, numa versão chapada e imune à política. Os sobrenomes e a genealogia de tantos envolvidos na presente sucessão municipal testemunham isso, assim como aí estão os ecos na política dos cultos religiosos centrados na ideologia da prosperidade.

Com esse quadro, não é de espantar que a política pareça ter migrado para o mundo fechado dos tribunais.

Professor-pesquisador da PUC-Rio, é coordenador do Centro de Estudos Direito e sociedade (CEDES)


"Rolls-Royce" dos whiskys lança a terceira edição da coleção Masters of Photography







O famoso whisky escocês The Macallan, conhecido como o melhor malte do mundo, lança a terceira edição da coleção Masters of Photography. Dessa vez, a convidada especial para criar a linha foi a cultuada fotógrafa de moda Annie Leibovitz. O motivo da escolha, segundo os organizadores, é dar maior destaque para a arte da produção de maltes e elevar o status da marca

Norte americana e extremamente talentosa, a fotógrafa Annie Leibovitz consagrou-se por realizar retratos com maestria incomparável. Parte do excelente resultado é fruto de uma íntima colaboração entre Annie e a pessoa a ser retratada. Sua facilidade em fotografar celebridades teve início quando passou a trabalhar na revista Rolling Stone, em 1970, tornando-se chefe de fotografia da publicação três anos depois. Foi o seu estilo único e original que transformou o visual da revista em algo mais despojado e descontraído. Dentre seus maiores trabalhos, estão o retrato de John Lennon e Yoko Ono feito na manhã do dia em que o astro foi assassinado, da atriz Whoopi Goldberg dentro de uma banheira cheia de leite, de Jennifer Hudson, primeira cantora negra a ilustrar a capa da revista Vogue, entre outros.

Masters of Photography

Annie foi chamada pela equipe do The Macallan para ter a honra de criar a terceira edição do Masters of Photography. Ela fotografou o ator escocês Kevin McKidd ("Grey's Anatomy", "Roma" e "Trainspotting"). As coleções anteriores ficaram a cargo dos badalados fotógrafos Albert Watson e Rankin. A série especial trata da produção de 1000 garrafas em edição limitada do melhor whisky do mundo, em quatro versões de envelhecimento (1989, 1991, 1995 e 1996). A embalagem preza pela simplicidade e sofisticação. O box contém uma garrafa de The Macallan, uma fotografia da campanha e a assinatura de Annie Leibovitz na caixa. A ideia principal da campanha é elevar o status da marca escocesa e destacar a arte de produzir esse whisky tão especial.


"Rolls-Royce" dos whiskys

O especialíssimo The Macallan é o "Rolls-Royce" dos whiskys. Com quase 200 anos de tradição, é extremamente cobiçado pelos amantes dos maltes escoceses. A maioria dos scotches da marca possuem notas apimentadas, cítricas, amadeiradas ou florais. No aroma, notas adocicadas, vibrantes e intensas, garantindo uma experiência inigualável. 

A qualidade incomparável é oriunda de vários detalhes que, unidos, conferem o merecido título de melhor whisky do mundo aos dos The Macallan. A produção do delicioso malte ocorre em pequenos alambiques de cobre em um formato exclusivo, responsáveis por concentrar o sabor especial. A destilaria utiliza os melhores barris de carvalho, que garantem um toque diferenciado. Outro detalhe é a utilização da parte denominada "cut" do whisky, aquela que é a recém-produzida. Simplesmente incomparável. 

Mais sobre o escocês:  www.themastersofphotography.com e www.themacallan.com

Bela foto!

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Hotel em Pyongyang/Coreia do Norte
Vicente Yu/ Associated Press

Um pombo impossível (ou 007 pombos)



O curta-metragem americano Pigeon: Impossible é de 2009, mas ainda diverte adultos e crianças (com a ressalva de que os pequeninos não curtem muito o final).
Anyway, merece uma espiada sem compromisso.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"Data venia"


 Fernando Morais, jornalista e escritor, é um dos que subescrevem a Carata Aberta. 
Foto: Carta Aberta

Com todo respeito ao direito que cada um tem de se organizar em grupos para expressar sua indignação, neste caso, em carta aberta contra a “espetacularização do julgamento” que o STF faz do caso mais conhecido por Mensalão – a Ação Penal 470 -, valho-me também do meu de colocar em questão um aspecto que está um pouco mais além da mera exposição demasiada deste julgamento. Aliás, ele por si só já é uma consequência de um escândalo anterior e também espetacularizado.

Ora, nada é assim tão por acaso. Nem a mídia pauta pura e simplesmente por interesse público, nem os cidadãos se mobilizam por mera preocupação com a moral e os bons costumes, digamos. Cada ponta deste novelo tem lá seus nós políticos partidários e econômicos. E obviamente os juízes não estão imunes a tudo isso. Não são heróis, como cita a Carta Aberta, mesmo que, mais à frente, coloque nas mãos deles a espada do perdão [interpretação minha e outro ponto debatido ao final da sessão: sou juíza, não psicanalítica!].

Há, portanto, muitas paixões em questão – e ponha-se nesse bolo também a indignação dos que se vêem excluídos de benesses bizarras, para usar um termo aplicado pelo ministro Joaquim Barbosa à viagem de três dos réus a Portugal.

O que há é disputa de poder. Data vênia. Nõ que justifique, apenas espero que ninguém se valha do descuido de alguns para faze-los de "massa de manobra". Que fique claro: é disputa de poder! E pronto. Se é bom, se é mau... este é outro caso. E não me venham com churumelas.

Virada ou segundo turno?

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Valor Econômico - 26/09/2012

GOVERNANTE QUE ACUMULA 40 PROCESSOS APOSTA EM VIRADA
 
O prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB), como dizem seus aliados e adversários, é mesmo um "fenômeno". Acumulou nos seus oito anos de mandato mais de 40 processos movidos pelo Ministério Público Federal e estadual, o que não impede seu candidato na eleição de outubro, o vice-prefeito Anivaldo Vale (PR), com 5% nas intenções de voto, ser apontado como um dos que mais podem surpreender e vencer a disputa.

Há 24 anos ininterruptos na vida pública - foi deputado estadual entre 1988 e 2002, senador entre 2002 e 2004, e prefeito desde 2005 - Duciomar é conhecido por vitórias e viradas inesperadas. Foi assim em 2002, quando saltou da Assembleia Legislativa para o Senado Federal, na maior votação da história do Estado. E em 2004, onde superou os candidatos das máquinas municipais e estadual para se tornar prefeito. Quatro anos depois, a mesma coisa. Partiu do quarto lugar nas pesquisas para uma vitória no primeiro e, depois, no segundo turno.

Isso tudo fazendo coligações com poucos partidos, considerando-se que está à frente do Executivo desde 2005. A coligação do seu candidato é formada por seu partido, o PTB, o de Vale (PR), e PDT e PRB. Juntos somam 12 vereadores dos 35 da Câmara Municipal. Ainda assim, não costuma ter muitos problemas com o Legislativo, graças à garantia de liberação de emendas dos vereadores na ordem de R$ 100 mil anuais.

Sua gestão foi feita à base de grandes e polêmicas obras para a cidade, como o Bus Rapid Transit (BRT), a pavimentação e drenagem de ruas e a revitalização da orla de Belém, todas com grande parte entregue parcialmente e próximo à eleição. O BRT, por exemplo, tem previsão de inauguração em outubro.

Também em praticamente todas elas, assim como grande parte de sua gestão, é apontada pelo Ministério Público como irregular e com alto índice de corrupção. Só a Procuradoria Federal contabiliza 28 ações contra ele. Outras 13 ações correm na Justiça Estadual. Há ainda uma série de investigações internas no órgão. Uma das mais relevantes é a que investiga sua relação com a empresa Belém Ambiental S.A., hoje B. A. Meio Ambiente, que obteve contratos milionários com a prefeitura. Um ex-assessor de Duciomar no Senado e na prefeitura é apontado como procurador da empresa. Os investigadoras o apontam como "laranja" do prefeito. Outras empresas também são suspeitas de ligação com Duciomar e estão sob investigação.

O Valor procurou a B.A. Meio Ambiente, mas no telefone disponibilizado em seu site ninguém atendeu. O prefeito nega irregularidades em sua gestão e avalia que o Ministério Público virou "delegacia", pois a população recorre ao órgão para reclamar. Além disso, afirmou que "o MP cumpre o papel dele e o papel dele é fazer ações judiciais".

Grande parte das obras em Belém foram feitas graças ao trânsito que Duciomar conseguiu em Brasília quando foi senador, no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Lula foi um paizão para mim", afirma o prefeito. O motivo é que a capital paraense vive mais das transferências da União e das operações de crédito que realiza do que de receita própria, que não chegam a um quarto da sua arrecadação.

O trânsito em Brasília foi uma das razões por que escolheu seu vice para sucedê-lo. Anivaldo Vale foi superintendente do Banco do Brasil em quatro Estados e presidiu o Banco da Amazônia, além de ter exercido três mandatos como deputado federal. A campanha patina, tendo em vista Vale ter sido um vice discreto e desconhecido da população. Por isso, na TV Duciomar domina o seu programa para apresentá-lo ao eleitor belenense. (CJ)

Que pena!

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As cidades brasileiras vão de mal a pior. Fiz uma viagem nesta semana que passou a uma das grandes metrópoles do Nordeste. Perto de lá, fui a uma "cidade histórica". As duas na mesma situação: lixo, degradação e abandono. Sistema de transporte precário: e o trânsito infernal! Pensei muito em Belém. Pensei muito no caos em que se encontra a nossa cidade. Reli o Jornal Pessoal de Lúcio Flávio Pinto da segunda quinzena de setembro, ao chegar. Quanto mais eu leio a matéria O lixão do prefeito: desprezo pela vida: mais indignada eu fico! Às vésperas de completar 400 anos: Belém merecia um destino melhor; muito melhor!

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Boa!

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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Reouvindo clássicos


A canção é de Irvin Berlin, escrita em 1923. Aqui interpretada num show de verão do Pink Martini, com participação do clarinetista Norma Leyden, em Seattle, mês passado, mas publicado sexta passada no canal Youtube do grupo do Oregon. Para quem acredita que os clássicos são eternos.

domingo, 23 de setembro de 2012

A moda é fulanizar

-- Ei mano!? Te liguei, passei mensagem, deixei recado no Twitter, Orkut, Facebook... Qual é, heim?!!

Era um convite para o show de aclamação de Gaby Amarantos após o resultado do VMB da MTV Brasil.

Há pelo menos duas décadas, a fulanização de atrações populares, marteladas sem dó nem piedade nas plataformas a serviço da mass media; emburrece, aliena, destrói algumas das construções positivas de política cultural anteriores planejadas, executadas e com o devido processo de prestação de contas ao financiador.

Meus parabéns a Gaby.

Meus pêsames ao atual processo de formação de público que consome cultura.

Querem um exemplo?


Brasileiro Profissão Esperança – 1974 Clara Nunes & Paulo Gracindo

Um trabalho inteligentíssimo de Paulo Pontes. Não é preciso dizer nada sobre o espetáculo: é maravilhoso. Prefiro falar mais às quatro forças deste show, diretamente: Gracindo, Clara, Bibi e Paulinho. Uma beleza.
Antonio Maria (1921 – 1964) e Dolores Duran (1930 – 1959) se tivessem sido irmãos não seriam tão parecidos. Os dois gostavam de viver mais de noite que de dia, os dois faziam canções, os dois precisavam de amor para respirar, eram puxados pra gordo e, mesmo na hora da morte, os dois foram atingidos por um só inimigo: o coração. 

A obra que os dois deixaram, hoje espalhada pelos jornais e gravadoras do País, reflete essa indisfarçável identidade. Mas prestando atenção nas coisas que disseram e escreveram e nas músicas que eles fizeram é que a gente descobre a expressão maior dessa semelhança: os dois se refugiavam do absurdo do mundo, que eles revelaram com humor e amargura, na desesperada aventura afetiva. 

O amor era o último reduto dos dois. A montagem do texto de “Brasileiro Profissão Esperança” se apoia no permanente cruzamento dessas duas vidas, de tal forma que ninguém sabe o que é de Antonio Maria e o que é de Dolores. Uma crônica de Maria vira um dado para explicar a existência de Dolores, assim como uma canção de Dolores exprime e sensibilidade de Maria.

Bibi Ferreira/Paulo Pontes, extraído da contra-capa.
Brasileiro Profissão Esperança
Clara Nunes & Paulo Gracindo

Lado 1
Ternura Antiga (J. Ribamar – Dolores Duran)
Ninguém me ama (Fernando Lobo – Antonio Maria)
Valsa de uma cidade (Ismael Neto – Antonio Maria)
Menino grande (Antonio Maria)
Estrada do sol (Antonio C. Jobim – Dolores Duran)
A noite do meu bem (Dolores Duran)
Manhã de carnaval (Luiz Bonfá – Antonio Maria)
Frevo número dois do Recife (Antonio Maria)
Castigo (Dolores Duran)
Fim de caso (Dolores Duran)
Por causa de você (Antonio C. Jobim – Dolores Duran)
Lado 2
Pela rua (J. Ribamar – Dolores Duran)
Canção da volta (Ismael Neto – Antonio Maria)
Suas mãos (Antonio Maria – Pernambuco)
Solidão (Dolores Duran)
Se eu morresse amanhã (Antonio Maria)
Noite de paz (Durando)
Brasileiro Profissão Esperança – 1974
Clara Nunes (1943 – 1983) & Paulo Gracindo (1911 – 1995)
Texto de Paulo Pontes (1940 – 1976)
Direção: de Bibi Ferreira
-- Conhecem esse show?
Foi no Canecão, Rio de Janeiro, no ano de 1974. Estréia da baiana e novata Clara Nunes, cuja carreira foi interrompida precocemente devido a um grosseiro erro médico.

Meus caríssimos leitores. Dá pra comparar com a porcaria que hoje nos oferecem?




















Amazônia revisitada


Para aqueles que perderam o lançamento, em 2011, o Guia Histórico AMAZÔNIA EXÓTICA será relançado na Feira do Livro, na próxima quarta-feira, com a presença dos autores Olímpia Resque e Daniel Giese.
Considero a obra essencial para os apaixonados pela nossa região, e certamente flanarei por lá, uma vez que a segunda edição do caderno de anotações Os Viajantes será lançada simultaneamente.
Anotem!

Uma velha grotesca




A medicina, como eu disse, começa pelo ato de contar histórias.
Pacientes contam histórias para descrever doenças;
médicos contam histórias para compreendê-las.
Siddartha Mukherjee, médico e escritor, em: “O imperador de todos os males (2011).”

Passei um lustro no Acre, entre os rios Juruá e Purus. Em batidas de remo dista dias-luz da esquina do Solimões. Tinha entre oito e 12 anos, sem direito a televisão. Era cidade pacata, ideal para se viver a infância de rua, de praça e de juntar manga do chão. A luz findava dez, depois era pira-esconde ou 31 alerta. 
Certa manhã, ao ver uma pequena fila na vizinhança, arrisquei adentrar para bisbilhotar. Bem se sabe: criança fura fila. Num dos cubículos da tosca casa de madeira havia uma baladeira atada com uma velha grotesca. Deitada com as pernas para fora, pés rés ao chão, ela estava arrumada num vestido fino, azul claro, floral; tinha a pele morena e o rosto engelhado pelo tempo, que bem lembra aquela pintura do renascentista Quinten Metsys ("Uma velha grotesca"). Ela urrava de dor. Envolta, umas cinco pessoas em revezamento para fazer o humano carrossel - era o que cabia naquele cômodo. Todos a acalentavam com olhos piedosos e gestos de caridade.
Eu tentava entender o cenário, mas a dor visceral uníssona zombava da minha ignorância. Franzino, permaneci em pé, descalço, encostando o ombro na porta do quarto totalmente aberto. Assistia àquela imagem e ouvia impotente aquele pesar: nada sabem fazer, nada podem fazer. Rostos mergulhados no vazio absoluto; silêncio enclausurado na fé. E eu, acabrunhado, querendo conhecer a verdade com os pés descalços da meninice.
Deu-se então um cochicho: “fumava porronca e agora não tem força para sair da rede. Já cuspiu sangue, tem fôlego curto, pele fria e úmida e toda dor do mundo. Não deve durar muito”.
Em minha puída lembrança a casa não tinha mais que cem metros da nossa e, quando minha mãe soube que eu estava lá, por fofocaria da irmã, mandou um “passa-pra-dentro”, além de esculachos. Dizia ser doença de pegar.
Não durou mesmo. O cortejo se deu na mesma rede, como o nativo faz: içada num pau estirado de ombro a ombro de uns poucos, entre os que restaram daquela sessão de oração à finitude. Rumaram pro cemitério, que ficava além da pista de pouso, num trecho de areia margeado por capim e mato seco. Entoavam ladainhas. Enterraram-na sem atestado de óbito, pois não havia doutor na cidade. Acompanhei o cortejo na mutuca, sem minha mãe saber.
Esta cena, que invadiu minha infância feito procissão de velas, perfila até hoje num canto morno da minha memória. Vez por outra, sem quê nem pra quê, a velha, feito vela, se acende no meio da minha jornada soturna com o Câncer. Digladio com esse fantasma sem máscara e DNA.
Talvez a "causa mortis" fosse Cancro, talvez Tísica. Sucede que este quadro ficou pintado na minha janela durante longos anos e só agora varro o pó do esquecimento.
Diz-se que se abandona a infância quando se vê a fome ou a morte. Aquele interior me estampou a morte... Foi a pré-coisa dentro de mim.