terça-feira, 12 de novembro de 2019

Uma colher de chá aos chineses


A china de outrora traduz o selo da longevidade na pintura “Grande tio-avô Yizhai na idade de 85”, período da dinastia Ming (1368 a 1644) – pós-queda dos Mongóis. A obra em pergaminho é citada como autoria de Ruan Zude (1561 ou 1621), exposta no MMA, Nova York. 
Não obstante, durante a visita à Cidade Proibida, em Beijing, encontra-se a escultura de uma tartaruga com cabeça de dragão fincada na entrada de uma das tantas edificações. Representa a longevidade que os chineses d’antanho já se preocupavam. Está na alimentação o ponto-chave, tendo o chá como a melhor inferência. 
Quem visita a China percebe a quantidade de idosos nas calçadas e alguns até escalando a Grande Muralha, mesmo em passos de cágado. Num país em que a prevalência de cânceres de pulmão é alta e onde vive a maior população do planeta, a arte Ming vale como referência milenar aos bons hábitos alimentares, e isso pode superar o contrapeso das doenças cancerígenas numa população geneticamente desfavorável, que vive num bioma nocivo por conta de agentes carcinogênicos inalatórios (poluição). 
Se arregalarmos um dos olhos e vislumbrarmos os asiáticos, um sachê de chá todos os dias poderá acrescentar uns passinhos a mais nos degraus do tempo. Com o outro olho, atiçado pela ciência, a gente começa a ver que ômega-3 versus radicais livres precisam ser bem entendidos para nos alimentarmos de forma serena e oxigenada.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O lusco-fosco

Fotografia de Adriana Varejão
Quem visita o Museu de arte de Lima, Peru, pode se defrontar com esta peça em cerâmica, datada de 1400-1532 d.C. A imagem transporta-nos à figura de um crustáceo, no centro de um alguidar, com os olhos esbugalhados, prestes a dar um salto no colo da mira. A imagem ficou consagrada na medicina como uma representação do mal, o Câncer, considerada doença clandestina, a qual se fala sussurando, por representar malfeitura da natureza (uma tradução simbólica da mutação - o crustáceo - no núcleo celular - o alguidar). Pergunta-se se a morte por Câncer pode ser evitada. Não é possível considerar todas as variantes como factíveis de controle - ou mesmo cura-, mas o que mais se faz é lutar contra essa avassaladora doença, desde a sua raiz genética até a extirpação. O de pulmão, o mais avassalador de todos, representa preocupação pelo silêncio dos sintomas, e que nos assusta pela imagética que abeira o cotidiano de cirurgião. Portanto, se virem três, ou uma multidão de médicos agrupados por idéias e vontades, saibam que eles estão envolvidos no objetivo de tirar do fosso o fosco olhar a este universo desvairado.
Tirar do fosso o olhar fosco é deixá-lo bandear por aí em busca de outras luzes, mais sutis, mas não menos potentes. É o mesmo que interpretar as estrelas do céu, ou o Big Bang que a ciência rascunha em seus desenhos, mas que ainda não conseguiu a solidez. Para esta missiva, o olhar poético é sempre farol na escuridão, em meio às tormentas. O seu combustível é a fé e a imaginação, a experiência e a ousadia de buscar a cicatrização. 
É um olhar modesto, acolhedor, que sabe que não pode tudo sozinho, daí a busca do auxílio de mãos e ombros, para erguer e acolher - ao que chamamos de board
É um olhar de instante, que relampeia na escuridão, mas ilumina caminhos. Nem que o caminho seja estreito, curto, sem a luz do sol para o amanhã, sem a perspectiva de sanar a dor ou recuperar fôlego. Um passo a mais pode ser a distância entre a desistência ou a vitória. Um olhar desses, firme na tempestade, é sempre inspirador, não importa o que aconteça depois - neste tempo ao alcance das mãos -, mas que nos foge às rédeas.