segunda-feira, 31 de março de 2014

É muito denso pra Ela. San Telmo, tranqui!

Aquelas ruas frias. Frias e nuas. Mas nuas de gente. Prenhes de segredos. Que sedutoras pareciam. Como era bom caminhar por elas e sentir os pelos do corpo se arrepiarem um a um. Como era bom não ter medo. Ainda repugnava a frase “eu não mereço ser estuprada”. Repugnava, porque estava certa e segura que ninguém merecia. Ninguém! Aliás, é crime. Nem mesmo para fazer alusão a uma pesquisa, por mais asqueroso que parecesse o resultado.

A madrugada sempre surpreende e fascina. E ela queria seguir. Mas lembrava da dor da frustração ao perceber esperanças que escorrem pelo ralo. Não é por um partido. Não é pelo PT se subjugar ao PMDB, no Pará. De 249 a 100. É por amor à justiça e repulsa ao desejo alheio de simplesmente ter algumas migalhas de poder.

Ela caminhava. Ainda incrédula com a segurança solitária que lhe acompanhava. Podia seguir, com frio e pensamentos, até não se sabe quanto e onde. Apreciava caminhar. Caminhar só e sob poucas luzes. Por entre lixeiras e arquiteturas de diferentes matizes. Por entre carros estacionados que lha causavam riso e indiferença.

Um país que viveu seis golpes de estado. Seis. Por esse motivo ou por esse e outros mais, sabe a importância de valorizar sua história. Argentina. Liberdade. Liberdade. Liberdade. E o Brasil? A mais longa ditadura da América Latina terminou mesmo? Cinquenta anos e ... fim? Nem memória, muito menos justiça se vê. Menos ainda um governo e uma sociedade que honre sua trajetória de dores e amores.

Paredes grafitadas no caminho fazem lembrar que as tentativas de uma imposição espúria de soberbos ainda querem se manter. Ah, Venezuela! Chaves como Evita. Mitos. E ambos têm o que ensinar. Cada um em seu quadrado. Têm!

Os raros que vagavam nas ruas não sinalizaram com um possível atentado violento ao pudor àquela moribunda. E ela pode se dar ao luxo de escrever, depois de um bonito aconchego à amiga que regressava ao país hermano. Ela pode se dar ao luxo de compartilhar duas garrafas de vinho e voltar para casa. Assim, como se... nada...

Parece que San Telmo ainda fará parte de sua vida por um bom tempo...

segunda-feira, 24 de março de 2014

Poucos foram às ruas defender novo golpe. Mas quantos mandam em nós?

Seria mesmo assustador ver manifestações pró-golpe em todo país com um número exuberante de adesões. Seria. Por outro lado, quantos mesmo detém o poder no Brasil? E quantos, dos que detém cargos e posições de mando, estão engajados na defesa da maioria da população e dos tradicionalmente excluídos? Quem são os “cabeças” do Executivo, Legislativo, Judiciário e Mídia? 

Acredito que faz sentido terem sido tão poucos os que foram às ruas defender mais um golpe no Brasil. É simbólico. E se for isso mesmo... é também um péssimo sinal.

terça-feira, 18 de março de 2014

Do verbo estribuchar

Nós, brasileiros, temos grandes semelhanças com nossos vizinhos latinos. A despeito das diferenças, obviamente. E me dou conta disso com mais ênfase a cada dia mais que passo aqui na Argentina, país que expõe, aparentemente, muito mais seu incômodo com esse distanciamento a que fazemos questão de manter, assim como também mantém lá seus preconceitos, é bem verdade. Faço este “nariz de cera”, como se poderia dizer jornalisticamente, instigada por uma série de encartes do jornal Página | 12 – quem é leitor do Flanar e de alguns dos meus textos já deve ter percebido meu chamego com o periódico. Pois bem, eles oferecem agora oito encartes intitulados “Pensadores de la Patria Grande”. E a justificativa é inspiradora. Eis uma pequena parte dela: “nossas escolas e universidades nos ensinam enfaticamente a história da Espanha, Inglaterra ou França e nos mantém ignorantes da história do Brasil, da Colômbia ou do México”. Foi para fazer frente a esta cultura que o jornal argumentou a série de publicações.

Essa ladainha vem muito ao encontro de uma inquietação minha desde as primeiras semanas que cheguei aqui. Por que nos mantivemos na tradição de estudar o inglês e não o espanhol, se o Brasil é vizinho de quase todos os países da América Latina? À exceção de Chile e Equador, temos limites geográficos com todos os demais. E temos muito em comum para compartilhar, aprender e lutar juntos.

A proposta do jornal é proporcionar aos leitores informações sobre líderes que empunharam bandeiras da liberdade, da autonomia dos povos, dos direitos humanos, da união entre os hermanos. Mal sabemos quem foi Quintino Lira, no Pará, quanto mais quem foi o “bandido sublime, Augusto César Sandino”. As machetes dos jornais são incapazes de nominar a "mulher arrastada", quando se chama Cláudia da Silva Ferreira, quanto mais falar mais do que aquilo que seja conveniente sobre Venezuela, Argentina e Bolívia, por exemplo.

O certo é que, a despeito da ignorância da maioria de nós sobre a história Latino-Americana, há quem saiba de nós e há quem pretenda saber. Outro dia, quando disse a um norte-americano que eu sou de Belém do Pará, ele me perguntou certeiro: ah, perto das Guianas e Suriname, não é? Por outro lado, nenhum dos portenhos sabe o que é a região Norte do Brasil; sabem talvez tanto quanto muitos dos próprios brasileiros. No máximo, mais ou menos onde está a Bahia. E é daí pra baixo do país.

Pra completar minha angústia e surpresa, dou de cara com um artigo publicado pelo jornal espanhol El País, em que o jornalista diz o que eu considero barbaridades sobre o Brasil. Juan Arias tem a coragem de afirmar que o “Brasil está bem curado das feridas da ditadura militar e hoje os quartéis não assustam ninguém”. Só eu que pasmo com uma declaração desta? As pérolas são muitas e deste nível pra pior. Querem outra?

“Desde que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso colocou o Ministério do Exército nas mãos de um civil, as Forças Armadas passaram a ser no país uma instituição democrática como as outras. Não existem no Brasil ruídos de sabres”.

E quando ele louva nossos três poderes? Uma beleza! Executivo, Legislativo e Judiciário numa perfeita sintonia. Bem de fato estão, mas para nossa desgraça, não para o bem geral da nação canarinho. "Pena" que escreveu em parágrafo distante sobre a liberdade de imprensa que temos, porque, afinal não existem os donos da mídia no país a Copa de 2014.

Será uma escola? A mesma do Diogo Mainardi? Como se diz tudo isso impunemente? Como se diz isso à revelia de tantos protestos contra todo tipo de violações aos direitos humanos no país? Ainda que estejamos em outro contexto, que não mais o de uma ditadura militar e que, sim, podemos reconhecer alguns avanços – forçados pela sociedade civil organizada - na direção de uma sociedade menos desigual e menos injusta – não vivemos nesse país das maravilhas que este senhor articulista pretende difundir como verdade.

Ah! Já falei demais. Já estou estribuchando. Já é praticamente quase a bem dizer um pedido de socorro, nobres leitores.

segunda-feira, 17 de março de 2014

O Mais Médico: fantasia da saúde

Por Lúcio Flávio Pinto, jornalista

Arthur Chiara, com menos de um mês no cargo de ministro da Saúde, já se imortalizou. Será lembrado para sempre como o autor de uma das frases mais debochadas da história da saúde pública no Brasil. Ele disse que o Mais Médicos é o "maior programa de provimento de médicos da história da humanidade". É um
rompante que pode ser comparado ao do deputado Francelino Pereira. No auge da ditadura militar, ele disse que o partido que presidia, a Arena (Aliança Renovadora Nacional), cuja passividade a fez merecer o título de "partido do sim, senhor", era, na verdade, "o maior partido  político do Ocidente".
O novo ministro de Dima Rousseff recorreu à grandiloquência para esconder a nudez do rei. Negou que a fuga de médicos cubanos, a insubmissão de um deles, Ramona Rodriguez, que entrou na justiça contra o programa, a iminência de uma ação do Ministério Público Trabalhista e as críticas políticas tivessem influído na decisão do governo de mudar a remuneração dos médicos cubanos. Eles recebiam, no Brasil, 10 vezes menos do que os demais médicos estrangeiros, além de sofrerem diversas limitações e constrangimentos exclusivos, que jamais um país independente (e decente) imporia a estrangeiros em seu território.
     O reajuste será de 300% a partir deste mês. Além dos 400 dólares que recebiam no Brasil, os médicos cubano passarão a ter direito aos US$ 600 que eram  depositados em nome deles em Cuba acrescido de US$ 245. O novo valor nivelará à bolsa à bolsa paga pelo governo a um médico residente nacional.
Os profissionais brasileiros mal (ou pessimamente) remunerados pelo mesmo governo podiam valer-se desses precedentes para suas campanhas de melhorias de sua remuneração e de suas condições de trabalho. A grandiosidade e a generosidade expressas pelo ministro da saúde são raríssimas nos gestores públicos. Se bem que o novo pagamento feito aos médicos cubanos apenas equivalerá aos gastos com sua hospedagem e alimentação. Esse item é bancado pelas prefeituras dos municípios onde os médicos atuam.
Com suas lentes de aumento (cor de rosa), o ministro Chioro encheu a boca para declarar o programa, com 9,4 mil médicos, dos quais apenas dois mil não são cubanos, como o maior da história da humanidade. Logo depois de ter dado um toque de humanidade ao Mais Médicos, por sua brutal desumanidade, agora retocada e atualizada às péssimas condições da saúde no Brasil. Tão ruins, por fatores endógenos, que fizeram os brilhantes estrategistas conceberem a importação de médicos como a única solução, embora externa.
Mas há um detalhe importante que subsiste a todas as tentativas feitas para corrigir o programa. Por que os médicos cubanos não foram inscritos diretamente no Mais Médicos, como todos os outros estrangeiros que aceitaram o chamado do governo brasileiro? Por que tiveram que aderir ao acordo assinado pelo Brasil com a Organização Pan-Americana de Saúde e esta com a Mercantil Cubana de Serviços Médicos Cubanos S/A, uma obscura empresa privada?
A justificativa é de que esse modo adotado por Cuba em todos os países para qual enviou seu esculápios. A parcela do médico depositada em Cuba, junto com todas as medidas restritivas que lhe foram impostas e a vigilância de um observador (a "máxima direção da missão cubana no Brasil”; talvez um agente do eficiente serviço secreto cubano?), seria a garantia do retorno dessas pessoas não seu país de origem. Como grande parte do que o país hospedeiro paga é retida pelo governo cubano, a exportação de médicos se tornou uma das maiores fontes de renda do país.
É mais rentável do que exportar minério de ferro, soja ou carne animal. Mas, nas condições do acerto, equivale a exportar carne humana qualificada, como se a escravidão ainda subsistisse.
O governo tentou retocar o impacto negativo que a revelação do conteúdo do "acordo" provocou. Alegou que os médicos cubanos estavam recebendo bolsas, conforme lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela presidente da república. Médicos formados há muito tempo e atuando diretamente nos municípios recebendo bolsas, como iniciantes?
O Brasil, que foi o país que por mais tempo adotou a escravidão africana, suprimindo-a meio século depois da gigante Inglaterra, não pode-se permitir servir de instrumento para essa nova ignomínia, ainda que maquilada e de serventia nacional.

Lucio Flavio Pinto é jornalista e editor do “Jornal Pessoal”.

Festa das cores na Índia celebra fim do inverno

A festa que fazem indianos a cada mês de março - e este ano dia 17 - para celebrar o fim do inverno, é assim, com chuva de água e pó colorido.

Uma bonita celebração, que deixo em homenagem a este blog e a todos que fazem parte dele, sejam como autores de postagens, leitores ou comentaristas.

Completamos oito anos hoje, graças, em especial, à aposta do querido Carlos Barretto.

Escolhamos nossas cores e bailemos, ou não.

Que venham outros anos mais pela frente! Eu quero!

Foto: Reuters/Ahmad Masood


domingo, 16 de março de 2014

João e Maria, filhos de Crimeia

As lágrima da Princesa Crimeia sustentam o choro,
A Guerra fria reaquece o quintal dos czares,
Stálin levanta do túmulo e prepara seu bodoque para ensaiar um rock para as matinês
Diálogo? Monólogo? Diplomacia?
Quem me dera que o faz-de-conta terminasse assim,
Agora só os batalhões e seus canhões cruzando fronteiras, mares, muros e morros
Morre-se de traumatismo ucraniano.

Garota Sucam, que seja. Usemos galochas na chuva!


 Galochas da Havaiana e plataforma que vi aqui

Uma das situações que me surpreenderam quando estive recentemente em Belém foi ver todo mundo, ou quase todos, com sapatos que permitem que os pés fiquem totalmente molhados durante a chuva, isso quando os sapatos não arrebentam. Sim, eu também já fui assim um dia, porque, na verdade, mais surpreendente foi como meus compatriotas me olhavam quando percebiam que nos meus pés havia galocha. Aprendi o valor delas quando passei a morar em Buenos Aires.

Logo que cheguei aqui foram elas que me chamaram atenção. Elas, as galochas. E elas, as mulheres, porque não lembro de ter visto homens usando. É tão mais óbvio usar galochas em tempos de chuva! Mais curtas, mais largas, com ou sem estampas. Não importa. A vantagem é simplesmente não estragar os sapatos e preservar a saúde, ainda que seja só a dos pés. Não, gente, aqui em Buenos Aires não se usa no inverno, para aquecer. As galochas não esquentam assim, como sugeriu minha mãe. E olha que meus pés suam um bocado.

Botas de plástico em Belém é coisa de operário, né? Garota Sucam, chegaram a me dizer na minha terra natal. Mas faz todo sentido usá-las. E o pior é que nem vejo nas lojas da cidade. A não ser algumas menos atrativas, no comércio, e em lojas especializadas em produtos para obras. A despeito desta vantagem das portenhas em apostar nas galochas, elas têm um outro gosto que se parece com o de mulheres de Belém e que não me atraem nadica de nada. Aliás, causam muito estranhamento: os sapatos plataforma.

Caramba, não entra na minha cabeça dura como alguém pode escolher usar esse modelo, que pra mim é quase um trambolho! Certo, gosto não se discute, mas deixo claro que eu acho muito feio. E para além disso, o que convenceria alguém a usar nos pés algo tão pouco anatômico, desconfortável?

Quando olho as garotas usando plataforma, seja em Belém ou Buenos Aires – onde parece que é mais comum - noto fácil, fácil como elas caminham de forma muita estranha, e o caminhar parece bastante com o que os pés – e os sapatos - permitem. Está bem, eu sei das exceções. Estou falando de modo geral, levem sempre em conta.

As indústrias têm que servir à nós, e não o contrário. Não nos “adaptemos” às bestialidades fabricadas por aí.

sábado, 15 de março de 2014

Humpf! Ela voltou...

Ora vejam só! A pequena chorou feito bezerro desmamado depois da apunhalada de quem, em tese, seria seu herói. As horas passaram. Ela desabafou em ombro virtual. O agora anti-herói insiste em alguns contatos, sem receber atenção daquela desolada. E chega uma mensagem muito mais que bem-vinda, ainda que quase lacônica: Oi. Como estás?

Era justo aquele guri! As ideias começaram a debater entre si na cabeça dela. E não é que o corpo meio definhado dela pulsou? Apressou-se: - Um pouco triste, mas tocando a vida. E você?

- Ah, pare tristeza. Eu estou indo aí perto da sua casa.

- Jura? Que tal uma cerveja ou um vinho para esquentar nessa chuva inconsolável? [não podia perder a oportunidade, de jeito nenhum, a gatilheira]

- Que lindo convite! Aceito.

Latejou feito louca com aquela prontidão. Que segurança mais atraente. Era ele, e parecia estar certo do convite que ia receber. Era aquele mocinho que trabalhava na loja próximo à casa dela e quem ela sempre espiava da janela. Uma carinha de bebê, no duro correspondente à idade dele, mas que ela desconfiou ter sido enviado apropriadamente pelos céus naquele dia de tanta dor.

Ela não teve tempo de tomar banho e se aprumar, como seria justo e digno para as intenções dela, e talvez dele também. Garantiu alguns detalhes capazes de inspirar e o recebeu afetuosamente, com a gentileza que ele sempre ofereceu a ela. Mas agora tinha um vinho nas mãos e estavam a sós na casa dela. Diferencial imponente.

Conversas. Goles. Baforadas. Algumas lágrimas desgraçadamente (ou não) acabaram por escapulir dos olhos dela. Nenhum sinal de sedução... Mais uma garrafa de vinho! Dois breves lances na escada, mas eram escuros e ele a surpreendeu com um beijo voraz, interrompendo a fala dela. Alguns bons instantes se passaram, com direito a mãos quentes e carinhos. Ela preferia que não terminassem, tamanha a ansiedade. Seguiu adiante e tentou manter as ideias encadeadas, mas teve de admitir que era... difícil.

Passaram ao documentário, agora não mais sentadinhos cada um na sua cadeira, um de frente pro outro. Já estavam no sofá. Entre comentários e risos, carícias. Que pele mais macia ele tinha! O nariz, a boca e os olhos eram perfeitos! O nariz, em especial, agradava muita a ela. Um encanto. Mais de dez anos de diferença, a menos, faz diferença mesmo.

Foram capazes de ver quase até o finzinho do documentário. O fim seria demais implosivo. Na terceira tentativa, alcançaram a cumplicidade. Um grau de experiência. Mas alguns mais de pressa. Equação que não fechou redondinha. Noves fora? Foi um bom começo. Depois dormiram.

O despertar foi gostoso, cheio de dengos, mimos compartilhados entre conversas saborosas. Humpf! Ela gostou. Humpf! Ela quer mais. Ela tem "calafrios" até agora. Humpf! Ela voltou.

quarta-feira, 12 de março de 2014

O susto. O surto

Pra ela, transar com aquele cara nunca foi mais importante que a admiração mútua que sentiam; que a parceria deles em projetos apaixonantes, inusitados ou banais que fossem; que as risadas cúmplices e que as instabilidades pessoais ultrapassadas juntos.

Mas que companheiro aceita que sua garota transe com outra pessoa? Que ex-companheira aceita que seu amor passe a compartilhar com outra criatura tudo o que era especialmente para ela? Era passado, como se tivesse sido ultrapassado. Mas ela ruminava isso diante da afronta recente. Sentiu-se mais que traída. Nem isso, na verdade. Humilhada, sim. O que não admitiria jamais.

Ele dormiu na porta da casa; no chão; do lado de fora. Ela sentou no piso de madeira, velho e antigo. Brincou de picotar um tecido esquecido no sofá e que parecia ter importância. Cheirou; nada. Aparecia um olho. Dois. Não conseguia recortar um sorriso. Virava e revirava o pano, feito brincadeira de criança. Depois desistiu.

Por cima e por primeiro, o lixo do banheiro. Depois, os lixos de escritório e do modesto jardim, com um pouco de cinzas e pontas de cigarro que restavam na sacada. Não, calmamente. Nada de gritos ou lágrimas.

Um banho de defumação na casa. Solitariamente. Com solenidade no coração.

domingo, 9 de março de 2014

Programa Mais Médicos em Melgaço (PA) vira tema de documentário




Este é o primeiro vídeo que assisto sobre o programa Mais Médicos, do Governo Federal, com o acompanhamento in loco da atuação de profissionais cubanos - neste caso de duas médicas - junto à população brasileira. A equipe de produção, que realizou o documentário utilizando recursos doados por quem tivesse interesse (crowdfunding), elegeu a cidade com mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no país: Melgaço/Arquipélago do Marajó/Pará. Daí o vídeo se chamar “Dr. Melgaço”.

Além de bem feito - com boa fotografia e roteiro - de cabo a rabo o filme só reitera meu total apoio ao programa, que já mostra os primeiros resultados esperados: prevenir doenças entre as pessoas mais excluídas de assistência à saúde. Taí o documentário pra mostrar.


sábado, 8 de março de 2014

Ora "quem"! Sorvete na testa

É muito provável que boa parte dos leitores do blog já tenha ouvido falar do Café Tortoni quando se trata de passear por Buenos Aires (AR). Coisas do tipo: é o mais antigo; é lindo; e outras coisas do gênero. Endosso. Aliás, eu mesma, quando estive em Buenos Aires com minha família, fui visitá-lo e fiquei bem impressionada. O detalhe é que reconheci - entre os três bonecos de cera (talvez) e em tamanho real que adornam o lugar - as duas figuras masculinas. Ah! Claro! Jorge Luis Borges, que já havia passado pelas minhas leituras um par de vezes; e o solene Carlos Gardel, ainda que não esteja entre minhas vozes prediletas. Mas quem era aquela mulher entre os dois? Uma tal Alfonsina Storni; estava escrito. Não me soou familiar. As três obras de arte, obviamente, estavam ali representando frequentadores ilustres e assíduos, como muitos outros escritores, cantores e jornalistas que passaram por lá. Ainda assim, não me interessei em saber quem havia sido Alfonsina Storni. Eis que, dia desses, alguns anos depois, em um merecido descanso dos estudos e de bubuia diante do meu canal favorito na Argentina, o Encuentro, sou surpreendida por um programa sobre aquela, justo aquela terceira figura a quem dei tão pouca importância. Que dura vida ela teve! E que beleza de audácia para enfrentá-la também. Sempre acho que não vou dar conta quando vejo histórias assim. Se fosse comigo, hummmm. Já até me acostumei com essa minha reação derrotista. O gostoso mesmo foi sentir uma vontade louca de comprar os livros dela citados na tela; ler os poemas e textos que ela escreveu, alguns até assinados com nome masculino. Ainda não consegui. Mas já tenho lido algumas coisas pela internet, pra aliviar a cuíra.

Alfonsina Storni entregou sua carne ao mar, aos 46 anos de idade. E deixo aqui suas últimas letras, escritas poucos dias antes do suicídio, e que foram entregues ao jornal para o qual escrevia à época, sob o título “Vou dormir”.

    Voy a dormir
    Dientes de flores, cofia de rocío,                                 
    manos de hierbas, tú, nodriza fina,   
    tenme prestas las sábanas terrosas   
    y el edredón de musgos escardados.   
       
    Voy a dormir, nodriza mía, acuéstame.   
    Ponme una lámpara a la cabecera;   
    una constelación, la que te guste;   
    todas son buenas, bájala un poquito.   
       
    Déjame sola: oyes romper los brotes...   
    te acuna un pie celeste desde arriba   
    y un pájaro te traza unos compases   
       
    para que olvides... Gracias... Ah, un encargo:   
    si él llama nuevamente por teléfono   
    le dices que no insista, que he salido.   

sábado, 1 de março de 2014

“Não vou mais esquentar o banco da Justiça”



“O Gatilheiro: a história de Quintino da Silva Lira”. Quinze minutos de um belo extrato da participação de um justiceiro diante da luta travada entre colonos e latifundiários no nordeste paraense; da luta travada contra uma justiça que até hoje não garante a democratização da terra e privilegia grileiros, num Pará onde existem, em papéis furados, dois estados.

Gostei muito de como o filme de André Miranda e Cláudia Kahwage percorre depoimentos de quem esteve junto a Quintino Lira e de quem lembra dele com o respeito de uma boa amizade. Há quase uma mitificação do gatilheiro, e me convenceu. Estão ali o companheiro de luta Chico Barbudo; Joaquim, um dos amigos que o acompanhavam quando a polícia fechou-lhe o cerco antes de matá-lo;  o colono Zé Cabelo; entre outros. As cenas do velório e do sepultamento mostram a serviço de quem Quintino estava: populares não lhe pouparam homenagens.

O filme entrelaça aos depoimentos uma série não exaustiva de fotografias de época. Nossa! E mais uma vez se comprova a importância de Miguel Chikaoka para a construção da história do estado. Muitas imagens são dele no filme.


Vinte e nove anos se passaram da morte de Quintino - autor da frase que dá nome à postagem - e o cotidiano fundiário e agrário do Pará não mudou muito. A Justiça? Difícil fazer a defesa dela. Reforma agrária? Companheiros de movimentos como o MST podem contar bem sobre isso.

Como sei que muita gente não vai pular carnaval em nenhuma agrupação momesca e tampouco encontrará espaços públicos, como museus, abertos, por incrível que parece, sim eles fecham, deixo o filme como um agrado a quem puder desfrutar de internet.


E parabéns aos realizadores, pelo trabalho. Certamente penaram um bocado para chegar a esta etapa.