quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O lusco-fosco

Fotografia de Adriana Varejão
Quem visita o Museu de arte de Lima, Peru, pode se defrontar com esta peça em cerâmica, datada de 1400-1532 d.C. A imagem transporta-nos à figura de um crustáceo, no centro de um alguidar, com os olhos esbugalhados, prestes a dar um salto no colo da mira. A imagem ficou consagrada na medicina como uma representação do mal, o Câncer, considerada doença clandestina, a qual se fala sussurando, por representar malfeitura da natureza (uma tradução simbólica da mutação - o crustáceo - no núcleo celular - o alguidar). Pergunta-se se a morte por Câncer pode ser evitada. Não é possível considerar todas as variantes como factíveis de controle - ou mesmo cura-, mas o que mais se faz é lutar contra essa avassaladora doença, desde a sua raiz genética até a extirpação. O de pulmão, o mais avassalador de todos, representa preocupação pelo silêncio dos sintomas, e que nos assusta pela imagética que abeira o cotidiano de cirurgião. Portanto, se virem três, ou uma multidão de médicos agrupados por idéias e vontades, saibam que eles estão envolvidos no objetivo de tirar do fosso o fosco olhar a este universo desvairado.
Tirar do fosso o olhar fosco é deixá-lo bandear por aí em busca de outras luzes, mais sutis, mas não menos potentes. É o mesmo que interpretar as estrelas do céu, ou o Big Bang que a ciência rascunha em seus desenhos, mas que ainda não conseguiu a solidez. Para esta missiva, o olhar poético é sempre farol na escuridão, em meio às tormentas. O seu combustível é a fé e a imaginação, a experiência e a ousadia de buscar a cicatrização. 
É um olhar modesto, acolhedor, que sabe que não pode tudo sozinho, daí a busca do auxílio de mãos e ombros, para erguer e acolher - ao que chamamos de board
É um olhar de instante, que relampeia na escuridão, mas ilumina caminhos. Nem que o caminho seja estreito, curto, sem a luz do sol para o amanhã, sem a perspectiva de sanar a dor ou recuperar fôlego. Um passo a mais pode ser a distância entre a desistência ou a vitória. Um olhar desses, firme na tempestade, é sempre inspirador, não importa o que aconteça depois - neste tempo ao alcance das mãos -, mas que nos foge às rédeas. 

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