quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Vim, vi e venci

Terça-feira, no Rio de Janeiro. Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim, 16:00 horas. Ali, no Galeão, se podia ouvir qualquer coisa menos bossa nova. A situação estava absolutamente caótica, com pessoas no salão de embarque aguardando ordem de embarque desde as 11 horas da manhã, quando lá cheguei para pegar meu vôo.
Com o black out da navegação aérea do país, ali se via de tudo e aquela voz sussurrante, de suprema sacerdotisa da camoniana ilhas dos amores, havia sumido do sistema de som interno do aeroporto. Seria ainda uma octogenária Iris Lettieri a dona daquela voz, interroguei comigo.
Compunham aquela cena vários executivos sentados no chão, matutando problemas guardados em notebooks, crianças as carreiras, velhinhas passando mal de fome, passageiros pedindo sempre a mesma informação no balcão das companhias aéreas e a novidade de evangélicos com a Bíblia em punho imprecando aos gritos contra aquela situação. Um deles, em alto e bom som, percorria o salão de embarque esclarecendo a quem lhe desse ou não o ouvido que tudo não passava de um sinal dos tempos, fruto da vida de descrenças dos homens no reino divino!
Depois de esperar quatro horas, finalmente, a voz da velhota Lettieri ou de alguma cover sua chamou-me para embarque imediato.
Dentro da aeronave, já sentado, novo tumulto na lenta contagem regressiva para chegar em casa. Estavam embarcando passageiros de vôo anterior cancelado, com igual destino, mas desde que estivessem sem bagagem, ou apenas com bagagem de mão.
Ocorre que um cidadão não aceitou a diretriz da companhia e em carreira do finger ao charuto alcançou o primeiro assento que pode alcançar e, zás, afivelou-se, assumindo a posição fetal. Ao seu lado, na janela, uma velhinha mal piscava de pânico.
Aos apelos dos comissários o insurgente dizia com toda calma que dali não sairia, ninguém o tiraria, e a companhia que lhe mandasse a bagagem despachada no outro vôo, que fosse dali a quinze dias, a quinze meses, a quinze anos, ou, se não quizesse, não mandasse, porque naquela situação pouco lhe importava. O que ele queria mesmo era sair dali e logo.
Alguém mais afoito pede que chamem a polícia, quem sabe ansioso por algum apelo de lincha, tão comum a maldade nessas situações limites. Felizmente um e outro apelo não foram atendidos em razão da solidariedade dos demais passageiros, que poderavam que aquela situação estava fora da rotina, e, como tal, obrigava que se usasse de bom senso para solucionar o problema.
Depois de idas e vindas, finalmente a companhia aérea aquiesceu ao óbvio e o insurgente pode ser deixado em paz, sem que fosse necessária a concorrência de qualquer medida extrema.
Enquanto isso, ao meu lado, a garota de pouco mais de vinte anos enviava ao namorado um torpedo, quando foi interrompida pela comissária com o aviso de que as portas da aeronave logo seriam fechadas e, em razão das normas de segurança, deveria desligar o equipamento de imediato.Com ar contrariado pela interrupção, a dona da gargantilha Ana Lídia desligou o aparelho não sem antes beijá-lo, como complemento de um ritual que a levaria o mais depressa possível para os braços do amado, decerto impacientíssimo em algum saguão de aeroporto brasileiro, com olhos fixos no monitor de chegadas/ arrivals, todas em situação de atraso técnico ou canceladas.
Quando o comandante informava que alcançáramos altitude de cruzeiro, ouço na fileira ao lado o insurgente explicar a velhinha que o avião é o meio
de transporte mais seguro no mundo, e que decidira agir rápido, daquele modo, porque se não deixaria de ser padrinho no casamento do tio mais novo, que aconteceria na manhã seguinte, em Santo Antonio do Descoberto, interiorzão de Goiás. Tinha razão a turma do deixa disso. Solidariedade está acima de tudo.

5 comentários:

Anônimo disse...

Ok, ok, muito engraçado mesmo.

Pelo menos até o dia em que ocorrer mais algum problema mais grave (espero sinceramente que jamais ocorra novamente - se é que isso é possível).

Mas e as causas do problema? E os culpados? E as soluções adequadas? Por que ninguém até o momento se preocupou em mudar os planos de vôos da companhia aéreas? Por que ninguém reduz o número de vôos nos horários de pico? E quanto as rotas alternativas criadas para "desafogar" o Cindacta I, elas possuem todas as condições de segurança necessárias e adequadas? E quanto ao tal do apagão dos rádios (inclusive os das frequências reservadas ao uso exclusivo da segurança nacional)? O que está sendo feito para que isso não ocorra mais? Não existia equipamento de backup?

Essas são apenas algumas das perguntas que brasileiros com alguma coisa na cabeça estão se fazendo!

Carlos Barretto  disse...

Existem muitas outras perguntas, caro leitor.
1)Uma que, por exemplo, não me sai da cabeça, e que foi formulada por outro leitor no post "Gol 1907 - peia na galera" é a seguinte:
Se existe de fato o tal "buraco negro" nos céus da amazônia como afirmam os controladores (que aliás também existe nos imensos oceanos atlântico, pacífico, entre outros), porque é que NUNCA ninguém abriu o bico para falar? Só agora, aparecem todos estes questionamentos?
2)Será que a estrutura de Controle de Tráfego Aéreo, essencialmente exercida por militares da aeronáutica desde os tempos da ditadura, não precisaria ser revista? E talvez profissionalizada a exemplo de outros países?
3) A mera substituição do Ministro da Defesa (que certamente está em curso no âmbito da reforma ministerial posterior ao período eleitoral) e de outros que poderão vir , mudaria este cenário?
Se formos pensar de fato a situação, poderemos encontrar muitas outras perguntas sem resposta.
Sinal de que talvez existe(m) peixe(s) grande(s)no caminho. Ou quem sabe, uma grande caixa preta, há muito escondida, trazida à tona pelo lamentável acidente da GOL. Sinal de que a solução, a exemplo da multicausalidade dos acidentes aéreos, possa ser bem mais complexa do que as simplificações que vemos todos os dias na mídia.
E as vezes nas cabeças justificadamente estressadas dos usuários do sistema aeroportuário.

Anônimo disse...

Possivelmente deve existir a tal da caixa preta, mas o que fazer com ela? A saída é mantê-la onde está? Mantê-la exatamente como está?

Será mais fácil se passar por "coitadinho" assumindo definitivamente uma postura de incompetente, de quem apenas culpa seus antecessores por tudo que dá errado e não faz nada faz de concreto, definitivo ou corajoso para mudar uma situação?

Afinal de contas por qual motivo mesmo re-elegemos o Sr. Luis Inácio como presidente da República?

Carlos Barretto  disse...

Ora, anônimo. A "caixa preta" é a área militar, amigo. Aquela que deixou tanto FHC como Lula cheio de dedos para resolver o problema. Afinal, os problemas vem desde 2000, não é verdade. Exige cuidados especiais. Mas estou com vc na cobrança das soluções. E o Waldir vai sair já, já.

Itajaí disse...

Não só engraçado, mas real. Nenhuma das situações aqui relatadas deixaram de ocorrer, emolduradas por essa crise grave da aviação brasileira.