domingo, 14 de março de 2010

Estado da arte, Parte II: Frédéric Chopin

Reprodução



















Retrato realizado pelo célebre pintor Eugène Delacroix, em 1838, amigo íntimo de Chopin



Comemora-se em vários lugares do mundo os 200 anos do nascimento do gênio do piano.
Concertos, festivais e semanas inteiras dedicadas ao imortal compositor e solista, agitam a programação musical de vários países.

Como bem escreveu o crítico musical e maestro Eduardo Rincón, se existe uma figura que sintetize todas as virtudes, e alguns dos muitos defeitos, do romantismo é sem dúvida Frédéric Chopin.

Vida curta, intensa, cheia de triunfos e momentos maus, de sonhos que não chegaram a se realizar e de trabalho intenso, que o levou ao apogeu por mérito próprio.

Nascido em Zelazowa Wola, perto de Varsóvia, em 1.o de março de 1810, revelou muito cedo à família ligada à música, sua precocidade e aptidão para essa arte logo nas primeiras aulas que recebeu da mãe desde os seis anos de idade.

Aos sete anos começou a compor suas primeiras obras. Uma polonaise e uma marcha militar, que tiveram um resultado notável.

Em 17 de outubro de 1849, com a saúde extremamente debilitada, Chopin chama sua irmã Luisa a Paris – a França era a sua segunda pátria – sentido a proximidade da morte. Falece em aos 39 anos.

Foi uma força única, um compositor de uma personalidade tão singular que jamais teve de lutar para ser reconhecido: qualquer ouvinte, mesmo com pouco preparo, exclamava, ao ouvir qualquer uma de suas obras: “Esta música é de Chopin”. Essa personalidade dominadora fez com que deixasse um séqüito de imitadores, uma influência – quando não era imitação – que se fez sentir em toda a música européia. Se o leitor quiser compreender até que ponto sua personalidade musical se transmitiu já em vida ou depois do seu desaparecimento, basta citar alguns nomes famosos: Liszt, Scribian, Rachmaninov, Tchaikovski, Fauré, Debussy...

Sobre este especial
O que se conhece como “Primeiro Concerto para piano em mi menor” é na realidade o que foi composto em segundo lugar. Escrito durante o verão de 1830 na Polônia, estreou em 11 de novembro em Varsóvia, interpretado pelo próprio compositor. Este concerto gerou várias polêmicas, das quais, como sempre, participaram inúmeros “sábios” e “conhecedores”, especialistas na música do compositor polonês, que falaram da deficiência de sua orquestração, de passagens que deveriam ser revistas para “melhorar” etc. Quando alguém não é capaz de realizar algo digno de mostrar ao público, resta alcançar seu objetivo por meio da arte dos outros. Se julgamos que a obra tem defeitos – ou o que julgamos um defeito –, há que se aceitar a obra tal como o artista a realizou. Se a obra não interessa, ou julgamos que os seus defeitos são graves, é preferível não a ouvir.

Desse primeiro concerto realizaram-se novas orquestrações, fizeram-se intervenções para sanar os defeitos que um ou vários crêem que a obra tem, adulterando-a, ou seja, corrompendo o sagrado pensamento, bom ou mau, de um artista. A versão “com retoques para melhorá-la” que dessa peça fez André Messager é obra de um vampiro, quer se considere o resultado bom ou mau. “Se o senhor Messager quer melhorar algo, que escreva ele próprio; e, se capaz, o melhor que pode fazer é calar-se”, detonou Rincón em artigo sobre os dois consertos apresentados aqui.

O “Primeiro Concerto para piano em mi menor” parece bem menos interessante que o que aparece como numero 2 dos seus concertos para piano, mas isso não quer dizer que não haja nele momentos verdadeiramente felizes, belos, merecedores de uma séria audição “sem retoques”, como esta aqui apresentada em regência de Gilbert Varga, um dos mais solicitados no momento em toda a Europa; com o solista Sequeira Costa em execução da Royal Philharmonic Orchestra, observando e seguindo rigorosamente a partitura original e sem “retoques”.

Os dois concertos
Os naipes da orquestra que Chopin utiliza são os normais de uma orquestra sinfônica, exceto pelo uso um tanto reduzido dos metais: madeiras aos pares, quatro trompas, dois trompetes, um trombone, tímpanos e cordas. Está escrito em três andamentos: “Allegro maestroso”, “Romanza” e “Rondó”.

Apesar do compositor se permitir certas liberdades, o “Allegro maestroso” que abre a partitura é uma clássica forma-sonata, que se desenvolve a partir de dois temas principais e o trabalho de elaboração desses dois temas. A introdução, antes da entrada do piano com o primeira tema, é considerada pela crítica excessivamente longa – voltamos ao mesmo ponto: costuma-se cortar “algo” nos concertos. Não gosto disso e selecionei uma execução da obra original em respeito à memória do compositor.

É precisamente nesse tema que se desenvolve a introdução onde estão expostos, ainda que de uma forma oculta pela utilização de variantes dos dois temas principais e de motivos tirados destes, os elementos que vão gerar esse primeiro andamento. O piano solista entrará com acordes e oitavas em uníssono em forte, baseando-se na anacruse e nos dois compassos seguintes da introdução para realizar uma brilhante entrada que, além disso, contrasta vivamente com a doçura do primeiro tema principal. O desenvolvimento e a elaboração para dar entrada aos segundo tema são uma verdadeira jóia. Esse, por sua vez, é a exposição total do primeiro motivo que aparece na introdução, o que demonstra a inteligência contrapontística de Chopin ao elaborar sua temática com uma economia de meios que só se pode conseguir quando se trabalha seriamente as leis que a regem. Não há dúvida de que este segundo tema está elaborado com o material do tema da introdução. E não se compreende como não se costuma chegar a esta conclusão, que é bastante evidente para qualquer estudioso dessas leis.
Com esse material, as variantes ricas e diversas no seu desenvolvimento e variedade dos acompanhamentos e ornamentos, assim como os jogos contrapontísticos que utiliza.

Nota ao leitor:
Por razões de espaço. Posteriormente introduzirei um link com o texto sobre minhas impressões a cerca do 2. Concerto.

Set List
Concerto para piano N.o 1 em Mi menor, Op.11

1 Allegro Maestroso - Sequeira Costa; Gilbert Varga: Royal Philharmonic Orchestra
2 Romanza: Larghetto - Sequeira Costa; Gilbert Varga: Royal Philharmonic Orchestra
3 Rondó: Vivace - Sequeira Costa; Gilbert Varga: Royal Philharmonic Orchestra

Concerto para piano N.2 em Fá menor, Op.21

4 Maestoso - Sequeira Costa; Gilbert Varga: Royal Philharmonic Orchestra
5 Larghetto - Sequeira Costa; Gilbert Varga: Royal Philharmonic Orchestra
6 Allegro Vivace - Sequeira Costa; Gilbert Varga: Royal Philharmonic Orchestra

4 comentários:

Francisco Rocha Junior disse...

Val,
Acho Chopin genial nas suas obras para piano. Nelas, ele é quase inatingível.
Já os concertos não me agradam muito. Creio que nem aos críticos. Coisa de gosto, evidentemente.
E já que tu estás dando esse show nas eruditas também, além dos rocks e pops, manda aí um especial de Bach - este sim, o maior de todos para mim.
Abraços.

Val-André Mutran  disse...

Certíssimo Francisco. Até mesmo porque Bach e Mozart são a essência de todos os românticos posteriores, após a descontinuidade do Barroco, representados por nomes, ainda hoje, não muito bem reconhecidos como o sensacional Saliere, que o filme que conta a vida de Mozart, pintou de maneira errada e vergonhosa para o grande público, num movimento lamentável de má informação.
Vamos, portanto, à Bach.

Nilson Soares disse...

Prezado Val,

Muito bons seus comentários. Excelente citação de Eduardo Rincon, crítico virtuoso com uma habilidade de expressar impressões sonoras inigualáveis. Já tivemos um maravilhoso que tinha programa semanal na Rádio Mec FM, o falecido e saudoso Arthur da Távola (como político não conheci sua obra).

Os trabalhos prediletos de Chopin para mim são os puramente pianísticas, concordo um pouco com Francisco, mas não ao ponto de dizer que não aprecio as orquestrais.

Na verdade eu até evito de ouvir algumas músicas de Chopin, porque minha veneração por elas é tão grande que acho que só em ocasiões muitíssimo especiais posso ouví-las.

Alguns críticos reclamam muito da escola romantica na música, dizem que não é uma criação elaborada como a altura do barroco de Bach, Vivaldi, Haendel e de outros compositores do período chamado clássico (1750-1810), Beethoven, Mozart, Haydn: E daí?

Prezado Val, permita-me anexar um link para evidenciar que o romantismo de Chopin, tornou justificáveis a melancolia e a contenção do sofrimento, da amargura, pura e simplesmente para rasgá-las em explosão de notas de deslumbramento:

http://www.youtube.com/watch?v=W8Md2-o5OB8&feature=channel

Prezado Val, relativamente ao Salieri, acho que Peter Shaffer, escritor da peça teatral que inspirou Milos Formam a criar um roteiro para o cinema em Amadeus, na verdade queria homenagiar tanto Salieri como Mozart, com uma grande brincadeira, mas infelizmente, concordo, o grande público não entendeu bem a anedota e ficou mal para o italiano, muitos vêem (o "^" não se usa mais não é?) inclusive a história como verdadeira.

Abs,

Nilson

Scylla Lage Neto disse...

Val, adorei seu postagem singular sobre este artista único.
Obrigado!