sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Da surpresa. Do silêncio. Do coito interrompido.
Yayoi Kusama me presenteou com uma boa surpresa. Dessas de ficar ruminando, ruminando... Que por si só já me é uma palavra umbilical, pois que aprendi de uma só golada, quando meu pai me explicava como meu avô bem aproveitava de cada alimento, em cada alimentação. Pois é. Dessas surpresas que já provei um dia. Saboreei, por exemplo, com o documentário sobre os Novos Baianos, que já comentei aqui, já que nunca poderia imaginar tão fluidamente que um músico bossa-novista, tão duro, como João Gilberto, teria sido o pai espiritual do grupo tal qual se tornou mais conhecido, o do Brasil-pandeiro. Como podemos ser tão quadrados, não? Eu me surpreendo comigo mesma. E assim somos inevitavelmente todos os que foram embalados na cultura judaico-cristã. Ainda que alguns lutem bravamente a esculpir essa dramática moldura.
Assim então fui surpreendida mais uma vez. Agora por Yayoi Kusama. Não poderia esperar que uma japonesa me remetesse a práticas africanas e à arte rupestre. Ela me remeteu. Tenho fixadas em minha memória imagens de negros africanos com a pele pintada de pontos e traços brancos. Tenho em minha memória desenhos esculpidos em rocas. A questão de como ela poderia ter tudo isso tão denso em seu trabalho me embasbacou. E não é um trabalho recente dela. Não. Pude ver alguns desses elementos em desenhos e colagens da década de 1950. Em 1977, a artista internou-se voluntariamente em um hospital psiquiátrico. E tampouco parou de produzir intervenções urbanas, pinturas em tela, canções... Peças de exibição. Peças de densa interação. Produz ainda hoje, essa senhora audaciosa. Audaciosamente louca e bela.
Um enjôo ter de enfrentar uma fila gigantesca durante muitas horas para estar dentro de um museu esbarrando em gente que quer ser fotografada junto de uma das obras da artista. É sim. E ser convidada a ir para acompanhar a quinta vez de uma família em uma mesma experiência metafísica de caminhada por um pequeno labirinto de espelho, caminho de madeira, água à volta e luzes dependuradas que mudam de cor em frações de segundos. Ou ainda estudantes que ficam discutindo entre si, tomando notas ruidosamente ou fazendo performances. E crianças que pregam e despregam adesivos nos espaços determinados ou não. Certo! Que bom que a arte reúne tanta gente de diferentes formações. Mas a surpresa não pode ser interrompida, ora, pois. É como... um coito interrompido, sei lá!
Mas a surpresa que Yayoi Kusama já havia metido a frustração e gozo indelével. Sim, porque eu me identifico com esses elementos que jamais poderia imaginar que uma artista japonesa fosse capaz de manipular com tanto domínio. Pontos e traços que se repetem e se comunicam. Os espelhos como ferramentas para reproduzir imagens e fazer saltar a sensação do infinito em espaços tão enxutos, capazes de provocar claustrofobia. Psicodelia fora de hora. Que espírito? Que tempo?
A exposição é uma experiência imperdível. Segue para o Brasil. Que desfrutem!
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