If didn’t kill you, surgical training made you stronger
Paul Riggieri, cirurgião e escritor em:”Confessions of a
surgeon”
Coisas
das que mais gosto é flanar por livrarias - ou bookstores para os amantes de viagens internacionais. Tenho
predileção pela livraria da Travessa, em Botafogo, quando visito parentes no Rio de Janeiro. É difícil sair dali sem deixar uns dinheiros por
lá.
Há as
bookstores, e a minha turma do “Urubooks
do Ver-O-Peso” bem sabe disso. Numa dessa viagens, no aeroporto de Quebec cujo
nome não vou lembrar agora - mas também não vou consultar o Google-, deparei-me
com o Medicine Walk, de Richard
Wagamese, escritor canadense. Era um quiosque comum. Acheguei-me pelo título, mas
comprei após biopsias retinográficas de algumas páginas - como sempre faço. Ademais,
gosto de autores desconhecidos. Nesta
ida, estava aventurando-me pelo Institut Universitaire De Cardiologie Et
De Pneumologie - Québec.
Por circunstâncias
outras, voltei a ler o bendito “Medicine Walk” (sem tradução para o português) recentemente e me vi num
fragmento que bem descreve as trincheiras de cirurgião.
No romance o jovem Franklin Starlight, 16 anos, sai em busca de seu
pai, perdido na floresta. Caminha montado num cavalo, por trilhas
estreitas. Numa delas depara-se com um urso. Percebe ameaça a uns oito passos. Para e fica no dilema entre voltar
para casa ou enfrentar a fera e tentar salvar o pai. Foi quando o animal rosnou forte à sua frente, obstruindo
toda a trilha. Ele manteve a posição, apesar de estar tenso. O cavalo, por sua vez, tremia. Resolveu lentamente se
achegar, a ponto de começar a sentir o pixé do urso. A primeira coisa que pensou foi
que suas costelas seriam esmisgalhadas e seu sonho de
achar seu pai ficaria ali. Manteve-se teso. O urso segurou o olhar e elevou o
focinho para farejar. O coração do garoto batia mais forte; ameaçava
sair pela boca. Entrou em outro plano e avançou pouco mais. De repente o garoto
exalou o ar pela boca, colocando pra fora o máximo de volume residual pulmonar,
ao mesmo tempo que levantou os braços. O urso “quebrou”. Virou-se e saiu andando lentamente para o interior da
floresta. O menino viu o caminho livre e seguiu mais aliviado. Olhou para trás
mais uma vez, de soslaio, mas com receio.
Continuou, mas ainda com a sensação de ameaça. O cavalo
permanecia assustado e aparentava estafa. O cheiro amargo do urso permaneceu em
suas narinas por toda a caminhada. Ao fim, ele encontra seu
pai desnorteado e saem dali. A primeira coisa que fizeram foi ir até um centro religioso
para agadecer.
A versão da literatura realista de Waganese realça a filigrana
do gesto, principalmente quando há adversidades. A palavra, por
vezes vira razão, por vezes salvação; vira
agressão, por vezes fracasso. O gesto não. Não há
dúvida que, se o jovem, em apuros, estivesse com uma bereta, ou mesmo um
estilingue, lançaria mão da arma para aniquilar aquela ameaça e salvar
seu pai. Não tendo arma e não podendo se comunicar
com palavras para explicar o seu objetivo, ele lançou mão de
gestos ameaçadores. Só assim viu seu caminho aberto.
Não
há dúvida que o jovem Franklin Starlight foi sobre-humano e já carregava luz e
estrela no próprio nome. Se o comum seria recuar, ele usou a força dos pulmões
para mostrar sua grandeza, mesmo sabendo dos riscos de expor suas costelas e,
por conseguinte, a respiração parar.
Cirurgiões
de trincheira são sobre-humanos? Têm luz e estrela no nome? Nada disso. Apenas aparentem super-homens, a despeito do ofício. Têm seus dias
que precisam decidir mais fora do que dentro do campo cirúrgico. Há dias em que precisam
explicar a uma família que o câncer está disseminado e não tem como erradicar a
doença com as mãos da cirurgia. Por outro lado, existem as decisões acertadas. Todos os dias enfrentam seus inimigos, sejam moinhos de
ventos ou um ser humano vestido de urso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário