domingo, 24 de dezembro de 2006

Pra não dizer que não falei de flores

POEMA DE NATAL
Vinicius de Moraes


Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos os braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na terra
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não se esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança do milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos ...
Hoje à noite é jovem; da morte apenas
Nascemos, imensamente.

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