segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Tucumanduba entre Berê e Bené




Ontem Berê chorou quando singrou aquele rio. Lembrou as agruras do ano. Vinha tomando um vinho de açaí na hora em que a lágrima choveu para dentro da cuia. Salgou a bebida.  Salgou feito as lágrimas do Mar de Portugal. Ninguém viu. Só eu, escrivão de causas inúteis e Fernando Pessoa, dono de Liceu e do “Mar de Portugal”. A partir daí Berê começou a beber o rio - doce mar amazônico. Passou a lamber rimas, dilatar os pulmões no vento e tocar no arco-íris - a 15 palmos do nariz. Sorriu que nem menino em tempo de Natal. Abandonou a tristeza de Jeca.
Ao sorrir, virou poeta de passarinho engruvinhado no bico das Garças em plaino, a cruzar o horizonte verde no rio de águas. O pomo ficou doce para dizer: Tucumanduba: terra a vista! E a palavra Cabral voou e se assentou em ninho do Japiim, logo que o motor deixou de estalar nos tímpanos. De fora, Pessoa espiou feito olho de Neruda. Emboletou-se na fala: “A-ba-e-te-tu-ba”. A língua dobrava. Berê resolveu se embrulhar nos versos de Paes Loureiro. Querem ouvir? Quianduba, Piramanha, Sirituba. Salve o Nheengatu, disse tio Bené, o tapuio com os olhos da cor da aurora.
Berê dormiu em paz. Roncou com o ranger da baladeira que embalança o mundo.
Noutro dia, no bafo do almoço, entornado na salga do camarão, se lambuzou com o rio feito Mapará, encolherando açaí com farinnha de tapioca. Os dentes toldaram na cor chão-mangue.
Lá, no mergulho da beira, caiu no equilíbrio da vida com os pirralhos: adocicado espanto de ser criança que ri. - Xô, Candiru! Xô, Candiru! Gritavam as crianças, em coro com Berê. A voz subia junto com o pulo e sumia no mergulho para ver o fundo das águas. Quando “buiavam” lá pelas tantas da noite, as estrelas, experientes, ouviram o brado retumbante prá lá das nuvens e mandaram os bichinhos se achegaram, em bando, para enxotar a pissica. A pissica se foi.  Os candirus ululavam. Berê sorria.
-Agora posso começar o ano, dizia.
Disse mais: -Feliz hoje, tio Bené!
-Feliz hoje, seu Berê. Até, então! E não se esqueça de continuar embrulhando os sonhos dos curumins daqui, vestido desse unzinho das bandas do polo Norte, que tem a barba da cor alegria e o coração que se inteira com a solidariedade.
-Deixa estar, tio Bené... Feliz Natal!!! 
- Feliz Natal. Inté, então!

4 comentários:

Marise Rocha Morbach disse...

Bonito! Feliz Natal, Roger.

Unknown disse...

Lindo , criativo e com o gosto da terra e da justiça aos verdadeiros titulares da oportunidade única que me foi dada. Vou guardar estas palavras e esses versos que carregam mais beleza e emoção que qualquer foto ou vídeo. Muito obrigado Roger !!

Walter Pinto

Geraldo Roger Normando Jr disse...

São reminiscências de uma viagem (natalina) que fazemos todos os anos a esta ilha, que fica na ilharga de Abaetetuba, nos comichões dessa Amazônia desvairada. Obrigado Marise. Feliz Natal!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Walter, a mama Amazônia não tem só o histórico leite da Seringueira. Hoje nos deleitamos com o açaí e as companhias fraternais como a sua e a do Berê, esse personagem de lampejos de convívio e o tio Bené. Volte, Walter, mas volte sempre com um pedaço desse Berê no interior dessa floresta eternizada. Berê é "nóis", todos nós. Bené é aquele Filósofo que bate palma com os olhos verdes da floresta...