Logo após o dia amanhecer, antes do primeiro talho, Ambrósio costumava instalar a mini-caixa de som entre a parede e a pedra. Com a
cumplicidade de seus pares, a benevolência dos enfermeiros e a resiliência dos
enfermos de alma e de carne, Ambrósio se permitia ouvir "Il barbiere di Siviglia"
(O Barbeiro de Sevilha, Rossini, 1816). Assim disfarçava o
tilintar das pinças, o fole da máquina respiratória, o gotejar do soro e
o som do traçado do (próprio) coração. Eram apenas diérese, hemostasia, exérese
e síntese -os fundamentos de sua ciência-, como se fossem acordes, batutas, barítonos e tenores. Era quando o
barbeiro se envergava cirurgião e começava a sentir o peso da própria arte. O talho virou obra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário