sábado, 4 de novembro de 2006

Resposta ao NYT

Circula pela internet um texto em resposta ao jornalista Joe Sharkey do New York Times, feito pelo advogado Gustavo Lessa Neto. Joe Sharkey, para quem não se lembra, estava no jato Legacy que se chocou com o vôo Gol 1907. Dias após o acidente, o jornalista publicou um polêmico artigo no NYT, comemorando o fato de ter sobrevivido ao acidente e inocentando os pilotos do Legacy. Isto sem aguardar nenhuma investigação oficial sobre o acidente.
Naquela oportunidade, o blog chegou a publicar 3 posts sobre o polêmico artigo disponíveis em:
Depoimento importante e polêmico
Reportagem do New York Times é criticada
Jornalista do New York Times continua sua patriotada
E agora, o advogado paranaense Gustavo Lessa Neto faz circular pela internet um texto de resposta ao jornalista americano, igualmente traduzido para o inglês e encaminhado à chefia de redação do New York Times.
Após checar em mensagem pessoal ao advogado Gustavo Lessa Neto, recebemos a seguinte resposta:

Prezado Carlos:

O texto é, de fato, de minha autoria.
Fico satisfeito e lisonjeado com seus comentários e com sua intenção de incluí-lo no seu blog. Obviamente, tem minha autorização e agradecimento.Realmente, os emails recebidos já passam de 700, o que me deixa cada vez mais espantado com o poder de comunicação dessa internet.
Um grande abraço.

Gustavo Lessa Neto
Londrina/PR

Sendo assim, checada a fonte e veracidade de sua autoria, autorizada a sua republicação neste blog, reproduzo abaixo o texto produzido por Gustavo em resposta ao jornalista Joe Sharkey do NYT.

Carta ao jornalista do Legacy

Carta de um advogado brasileiro a Joe Sharkey, jornalista do NYT, que estava no vôo do Legacy que colidiu com o Boeing da Gol.

Prezado jornalista Joe Sharkey

Tenho lido o que você fala e escreve desde que se envolveu no triste desastre aéreo amplamente noticiado. Tenho lido e não tenho gostado.
Resumo dos fatos: o avião em que você viajava colidiu com um Boeing 737, que caiu na selva, interrompendo a vida de 154 seres humanos produtivos e inocentes em sua maioria, gente de alta qualificação técnica e humana, o que agrava a perda e a estende a toda a sociedade brasileira.
O seu avião, produzido no Brasil, resistiu ao impacto e aterrissou numa base da Força Aérea Brasileira, na qual, até onde se sabe, você e os demais sobreviventes foram acolhidos, assistidos, bem tratados e respeitados.
Tiveram que depor perante a polícia e a Aeronáutica mais de uma vez. Nada mais natural. Não há notícias de que você tenha sido ofendido, pressionado ou desrespeitado.
No entanto, sua primeira preocupação após ser liberado foi voltar aos Estados Unidos. Você sabia que, em casa, poderia desempenhar o seu papel: contar aos conterrâneos sua aventura na selva. Dar a sua versão precipitada dos fatos, supérflua e desprovida de fundamento técnico. Compartilhar o cinismo simplista do cidadão ignaro, sugerindo que os pobres pilotos do primeiro mundo estariam nas mãos sujas da polícia cucaracha.
Construiu uma imagem dos pilotos norte-americanos como se eles fossem presos políticos numa republiqueta da América do Sul, sujeitos a prisões fétidas e dependentes de um expresso da meia-noite que os salvasse da selvageria.
Gostaria de imaginar que você não está faturando com o episódio. Gostaria de saber que você não está cobrando para dar entrevistas, não pôs à venda a sua história e não pretende publicar um livro sobre o ocorrido.
Como você mesmo disse, você está tendo seus quinze minutos de fama. Vende uma história facilmente digerível ao americano comum, cheia de insinuações de tortura, atos de bravura à Indiana Jones e suspense policial. Tratou rapidamente de inocentar os pilotos e acusar a ineficiência dos radares brasileiros.
Temos nossos graves defeitos, Joe. Nossa sociedade é quase tão injusta quanto a sua. Nosso presidente, quase tão ignorante quanto o seu. Mas entre nossos defeitos, não está o de maltratar os estrangeiros.
Seria mais útil e honrado de sua parte contar um pouco sobre as vidas que se perderam na tragédia. Contar que no vôo 1907 estavam cientistas e voluntários brasileiros que defendiam a preservação da Amazônia. Gente que lutava contra a prostituição infantil, professores, estudantes de medicina e crianças. Contar sobre o antropólogo estrangeiro, casado com uma brasileira, que trabalhava com comunidades indígenas. Poderia até contar a história do cidadão norte-americano que viajava sobre a selva.
Poderia ter ficado aqui e narrado ao seu público o tratamento que a empresa Gol está dando à tragédia, um exemplo de postura que eu nunca tinha visto em situações semelhantes, aqui ou no assim chamado primeiro mundo.
Poderia ter descrito o trabalho sobre-humano dos valentes "marines" brasileiros, que até hoje estão enfrentando corajosamente a violenta mata amazônica; no início, na busca de sobreviventes e, agora, na remoção dos corpos encontrados, enfrentando um inferno que nunca será suficientemente descrito.
Poderia ter se contido no julgamento dos culpados. Nem você, Joe, sabe quem são eles. E não estou condenando os pilotos. Não incorrerei no seu erro.
Os fatos têm que ser apurados. Pilotos, fabricantes das aeronaves, companhias aéreas, fabricante do transponder, controle de tráfego aérero. Temos que aprender com a tragédia e evitar que outras semelhantes ocorram. Em respeito às vítimas do 1907.
Os culpados têm que ser punidos, independentemente de sua intenção. Deus queira que não sejam os pilotos, porque nenhum cidadão da Terra merece carregar esse peso para o resto da vida.
Quanto a você, Joe, perdeu uma grande oportunidade de ser útil à humanidade. De fazer valer a vontade divina de salvar a sua vida. De escrever seu nome na história do jornalismo. De ter um pouco mais do que seus quinze minutos de fama.

Gustavo Lessa Neto
Advogado brasileiro

2 comentários:

Ivan Daniel disse...

Parabéns pela atitude! O blog Flanar está provando cada vez mais sua seriedade e que veio pra ficar!

Carlos Barretto  disse...

Obrigado, Navi.
E leitores como vc, só estimulam nosso projeto. Na concordância ou na discordância, sempre discutindo nossos ideais, sonhos e a realidade em torno.
Abs