quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

De onde quer que se viesse...


Arquivos IBGE. Vista do Cais do Ver-o-Peso. T. Jablonski

"A Santa Maria de Belém chegava-se pelo rio. Pelo rio ia-se embora. Se fosse para muito longe, passava-se pelo Farol do Atalaia em Salinas e depois era o mar verde-sujo, verde-esmeralda, à noite negras-negras parecendo as águas. O navio rompia caminho no mar tenebroso. Os medrosos rezavam e jejuavam de estômago embrulhado, esperando que o sol se abrisse para sossegarem um pouco.
Leves eram os baques da água na borda do cais. Não se tinha lembrança de que pelas cercanias da cidade, pelo Rio Pará, pela Baía do Guajará, tivesse acontecido uma pororoca, que é o rio com raiva. Calma era a correnteza do rio. As canoas passavam transbordando frutas. O Ver-o-Peso era um porto de lama sujo cujo cheiro podre os nativos nem sentiam mais. Sentiam os adventistas, não entendendo o perfume de lodo e caranguejo, de pupunha e piquiá, do mugunzá fumaçando nas cuiapitingas. Apuravam o nariz. Olhavam a paisagem de urubus e de tupinambás vestidos de sunga que saltavam de canoa em canoa, rápido deslocando-se de convés em convés como se os conveses fossem tábuas machetadas, um piso igual, chão superposto sobre as águas espessadas de lama, encardidas águas mas alegradas pelas velas amarelas, vermelhas, azuis, enroladas agora no mastro. As canoas carregavam ou descarregavam. A " Viajante II". A "Miss Macapá". A "Lindo Mar". A "Suprema". A "Flor do Cajari". A "Santa Providência". A "Rosflandina". A "Muanense". A " Vespertina do Cocal". A "Deusa Esperança". A "Cantora de Afuá". A "Lírio de Nazaré". "
(Rio de Raivas - Haroldo Maranhão. Ed. Francisco Alves, 1987)

Nenhum comentário: