quinta-feira, 26 de junho de 2008

Santo Sujo

Aprendi modinha dele - Azulão -, nas aulas de canto orfeônico da professora Iolanda, no Instituto de Educação "Deodoro de Mendonça". Pela beleza, sempre tive imensa curiosidade de saber a história de quem compusera a música, o que, agora, foi enfim satisfeita pelo jornalista mineiro Humberto Werneck .
Da biografia*, estranha ao perfil de consumo desses tempos - publicada pela corajosa editora Cosac & Naif , que a lançou na Feira Literária Internacional de Parati -, transcrevo-lhes o prefácio do autor, a um só tempo provocativo, esclarecedor... em si, comovente:
Paraense que foi uma encarnação esplêndida do melhor espírito carioca, Jayme Ovalle (1894-1955), produziu obra pequena, desproporcional à riqueza de quem trazia dentro (de ) si um mundo de arte, sem que tivesse, porém, ferramentas para desvelá-lo. Poeta, não deixou livro, e, do pouco que escreveu, a maior parte precisou de ajuda alheia, de mulheres que amaram esse homem sedutor e de estranha beleza, para baixar ao papel em inglês - língua que Ovalle mesmo tendo passado oito anos em Londres e Nova York, jamais chegou a dominar. Sua Nova Gnomonia, engenhosa divisão da humanidade em cinco categorias, teria sido apenas em divertido papo de boteco se um dos presentes, Manuel Bandeira, não a tivesse registrado. Ovalle anunciava o projeto, jamais concretizado, de escrever um livro que se chamava Historia de São Sujo - e que, essencialmente, seria a história dele próprio, ser especialíssimo em que se realizava a síntese improvável do boêmio em estado puro e do místico que discutia com Deus de igual para igual. Músico, Jayme Ovalle não foi além de 33 composições, pois acreditava que a idade de Cristo crucificado era "o número da perfeição". Sua obra-prima "Azulão", universalmente conhedida, com letra de Manuel Bandeira, é uma coruscante miniatura (de ) não mais dezesseis compassos. Artista praticamente sem obra, é espantoso que Jayme Ovalle tenha deixado marca tão profunda e tão reconhecível na criação de outros - Bandeira, Vinicius de Moraes, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schimidt, Fernando Sabino - não só pelos achados poéticos e espirituosos que cravejaram sua conversação, como por simplesmente existir, extraordinário personagem que era. "De tal homem bastava a presença", disse dele o poeta Dante Milano. Habitante dos subúrbios da arte e da cultura brasileira ao longo da primeira metade do século XX, figura mitológica de quem até agora tão pouco se sabe, Jayme Ovalle ficaria sendo uma luz refletida nos outros. Buscar a fonte dessa luz foi o que me propus fazer neste livro.
HW. Maio de 2008.


* Werneck, H. Santo Sujo. A vida de Jayme Ovalle. Cosac & Naif, 2008.

Um comentário:

morenocris disse...

Oliver, boa noite. Estou indicando o seu post no morenocris. Obrigada.

Beijos.