Para afugentar mosquito e tédio
certo médico, num destes sertões
pôs-se a se imaginar escritor
E para espantar, talvez a própria dor
tratou de aviar receitas poéticas
no desejo vão de encontrar a cura...
Dor alheia torna-se desasossego, tortura
quando o paciente mostra nos olhos
que a esperança toda se lhe esvai
Um verso bem tecido: ei, levantai
a fronte, o rosto, não te deixa abater
pois deves seguir adiante, em frente
Isso mesmo: siga firme, avante, enfrente
todos os teus males, mesmo os ocultos
pois não há doença que não prenuncie cura
Liberta-te dos laços do desengano, da amargura,
viva uma aventura, rompa os laços da tristeza
e lança-te ao mar, ainda que tempestuoso
Somente quem enfrenta das ondas o ímpeto furioso
merece a palma da vitória, o prêmio da alegria
o voltar para casa, triunfante, depois de toda luta
Antes a poeira nos olhos, na terra dura e bruta
do que o naufrágio em meio ao ressentimento
do que deixar-te afundar inerme na amargura
Lava vigorosamente o rosto da alma, enxagua
livra os teus olhos desta fuligem, deste azedume
cuida de reavivar em teu peito todo o vigor
Isso, respira, expira, lança fora todo o horror
das noites de insônia, de todo mal que reténs
e deixa que uma vida nova se instale no peito
Chore, sim! isto é nobre, é vazão, não é defeito
encontrarás novamente, de volta à tua casa,
àquela que se é tormento, é também confeito
É mimo, é feito gengibre, é fruta amarga, azeda
volta, acolha, deixa o peito sangrar de amor
e verás que é melhor que sejas tu o poeta
mesmo que o teu canto esteja mesclado
de insônia, inquietação, de dor...
Aliviado, enfim, depois deste aviamento
o médico sentiu-se mais leve, descansado
...
O tal paciente, voltou, meses depois
com frango, tucumã, macaxeira
e lhe sapecou sem meias palavras
o convite aberto feito flecha certeira:
- te convido, doutor, que sejas meu compadre
pois o menino, dando pontapés, se prenuncia
não deve demorar!
talvez umas horas, um dia...
Foi assim que o médico, agora um completo poeta
conquistou muitos amigos pelas bandas do Envira
amizade - não há maior conquista que se adquira.
Abel Sidney - educador / escritor
Programa de Incentivo à Leitura e Produção Textual Livro-Carta-Mural
facebook: www.facebook.com/ livrocartamuralAbel Sidney - educador / escritor
2 comentários:
"amizade - não há maior conquista que se adquira".
Pura verdade. Compreender e aceitar.
Belo post, dr.
Silvina, Abel Sidney é um poeta que constroi as palavras com as ferramentas da amizade. Ele tem formão, cinzel e muita criatividade no seu roteiro - dá para extravasar potes de tanto sentimento fraterno. Seu comentário entrou na minha veia que dá no rumo certo do coração. Obrigado!!!
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