sexta-feira, 17 de julho de 2020

Pôs-se o sol

Nisto Febo nas águas encerrou,
Co'o carro de cristal, o claro dia,
Dando cargo à irmã, que alumiasse
O largo mundo, enquanto repousasse.
Camões, em: “Os Lusíadas”

Numa confluência das ilhargas dos Umaris com as beiradas do Reduto, o bairro das estreitadas ruas de Belém, havia uma edificação que desde tempos idos exalava aroma de Pau Rosa. Criatura dos irmãos Santiago, lusos que há 90 anos ousaram pôr a floresta em barra escura e transparente, como as águas do Rio Negro, só para as pessoas se banharem. Deram ao filho o nome do Deus Sol: Phebo, desarquivado no português arcaico; despregado da poesia camoniana.
Encravada na Bocaiúva, esquina com a Ó de Almeida, a Phebo exalava seu aroma de frescor de banho recém tomado, misturando-se às plumas da sumaúma que completavam a atmosfera européia nos domínios do Deus Phebo. A nascente foi após o ciclo da borracha amazônica, 1930. Todo o buquê do bairro, ou fumegava pelos esgotos, deixando uma espuma em cada boca de lobo, ou pelas chaminés, aromatizando boa parte do bairro.
Agora a história é outra. Perdemos parte de nossa identidade olorosa; não teremos mais a memória olfativa do banheiro de nossos pais e avós. Ela não mais nos acompanhará. A Phebo fechou suas portas e nossos esgotos retomarão aos odores da tragédia sanitária inesgotável. Nossa senhora cheirosa nos deixou e os ratos do Reduto voltarão a viver entre garças e urubus ao largo do Ver-O-Peso. 
A marca pegou o Ita no Norte e foi pro Rio morar. Sucumbiu à vontade da Granado, nova detentora de seu destino. O rótulo ficou esmagado pela cidade que lhe espremia entre a nova febre imobiliária de um dos mais valorizados bairros da Flor do Grão-Pará.
Adeus ao Sol e seus odores. Ficamos sob a luz e suas fragrâncias em nossas narinas profundas da memória. Memória que não se esquiva de um passado milagroso, temperado pela aeração do bairro e pelos corredores do passado incólume, farpando o tempo com seus ingredientes de retrospecção em ideias avulsas.
Quem por lá passa e vê os escombros, sente que um oco ecoa dentro das lembranças. Se desaba um pedaço de nossa história a cada tijolo demolido, a anosmia das ervas e lavandas, que no últimos anos esteve ausente da olfação de nossas ruas, agora vira sintoma irremediável.
Se bem que os deuses poderiam, sob o movimento pendular de turíbulos, esfumaçarem incenso pelos ares daquelas encruzilhadas, mesmo que contenha apenas uma gota/quarteirão daqueles vapores, mesmo que nasçam dos esgotos, pois agora são reminiscências que adormecem em nossas pituítas por onde escorriam misturas de perfumes de flores, jasmins e ervas, a céu aberto.

João Celecindo e Labareda, ambos do bando de Corisco

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