domingo, 2 de agosto de 2020

As bombas

Nasci nos anos 1950 e cresci ouvindo falar em bombas atômicas e duma briga do fim do mundo entre uma águia e um urso. 
Enquanto isso nos divertíamos com foguetinhos, estalinhos, pequenas bombas, pés de moleques, fio cheiroso, fogueiras e todo tipo de artefato junino que juntasse crianças e famílias nas ruas de Benquerença. Se o mundo fosse acabar, ou se fosse continuar a guerra, já tínhamos nosso arsenal nuclear. Sim, nuclear, porque em torno desse núcleo junino, entre bombas, fogueiras, foguetes, quadrilhas (juninas)e comida farta, foram gerados amores, namoros, filhos e famílias e o máximo de preocupação que a corrida armamentista causava era saber se a Laika sobreviveria ao passeio espacial, ou que nome iria se formar na bacia onde pingavam as ceras das velas descortinando promessas de união de corpos.
Os países ricos e brigões desenvolveram novas bombas e novas promessas de fim do mundo. Em Benquerença, o maior conflito bélico que eu conhecia era uma promessa contida na frase: "te espero lá fora". 
Fui traído e perdi um dente no Monsenhor Mâncio porque meu desafeto não me esperou lá fora e me emporradou dentro do Grupo.
E assim se deu minha infância em Benquerença. 
A guerra esfriou, outras se travaram, o asfalto e a energia elétrica acabaram com a fogueira e a magia das sombras nas ruas; minha namorada não apareceu na bacia das almas e aprendi a conviver com as bombas que insistem em explodir no jardim.

Corisco.

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