domingo, 30 de agosto de 2020

Coisas do Éden (Corisco)

Espero que todos se divirtam. 

Não há muito mais o que fazer nesse mundo.

Leminski 


Benquerença é minha sina, meu destino, meu benquerer. Tenho quase certeza que lá se situava o Jardim do Éden original e só mudou quando os franceses invadiram o paraíso e comeram o abricó proibido que a cobra grande, que mora no rio Caeté, ofereceu pra eles.

Não fosse isso, o que explicaria a profusão de figuras absolutamente especiais que pontificaram naquelas plagas? Como: Fogo na Roupa, Tarabian, Bocage, Hesse Garcia, Zé  do Óculos, O Nosso, Dr.Heráclito, a Para Grande, a Barba Cresce, e mais uma infinidade de artistas que não cabem em tão curto espaço. 

Isso tudo voltou ao recordar a passagem do Ponce de Leon por Benquerença.

Ele chegou com a pompa de quem descobriu a Fonte da Juventude e anunciou que ficaria fechado em um caixão durante cinco dias sem comer nem beber nada, nadica de nada.

Vocês, leitores, podem imaginar o rebuliço em Benquerença. 

A cidade se dividiu em 3: os que acreditaram, os incrédulos e os que foram pra zona discutir o assunto, entre esses o tal de Ponce de Leon.

Meu informante era Otxoa Dila que jurava pros moleques que Ponce era uma agente franquista incumbido de solapar o crescente movimento em apoio à república espanhola que florescia naquela cidadela banhada de espanhóis, contrários ao franquismo.

E Otxoa Dila bradava: "No passará".

Nós não entendíamos nada. O que era franquismo, solapar, república espanhola... em compensação acreditávamos em Otxoa e "No passará" significava que Ponce não passaria um dia de fome no caixão.

Os dias passavam e era chegada a hora de Ponce demonstrar sua mágica. 

E assim se fez. Em meio a um foguetório ensurdecedor Ponce foi trancado num caixão, sob o olhar de quase toda a cidade, postado e vigiados na frente do Edf. Heráclito.

Os feirantes da Aldeia, penalizados com a situação, ao fim da feira, deixavam a xepa ao redor do caixão para o caso de extrema necessidade.

Deu-se, então, o milagre que marcaria Benquerença para sempre. Da xepa deixada ao lado do caixão nem rastro aparecia no dia seguinte. O que acontecia? Quem usava? O caixão continuava fechado. Os vigias confessaram que davam uma cochilada, muito breve.

Bem, cinco dias depois o caixão foi aberto e Ponce de Leon surgiu mais gordo e tranquilo do que havia entrado e ao levantar deu um arroto de satisfação. 

Ponce havia redescoberto a Fonte da Juventude: a crendice popular.

Corisco

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