sexta-feira, 21 de março de 2008

Ode a Jack London


Sou sempre daqueles

que vão deixando alguém
nunca o alguém
hirto na partida
na melancolia da ausência
amanhã nostalgia insubmissa.
As viagens foram feitas para mim.
Nasci com os mapas.
Os itinerários estão na palma da minha
mão.
Sou sempre um estranho
forasteiro nas praias nunca repetidas
minutos na existência de mulheres
jamais lembradas
nos portos nunca visitados segunda vez.
Nunca me falaram as mãos e os lenços
que permanecem em acalanto, no cais.
Desconheço-lhes o morno do hálito.
Também minhas mãos
uma de sotavento
outra de barlavento
nunca se manifestaram.
Nunca as sacudiu uma saudade futura.
Nunca fui o alguém que fica, sou
sempre o que vai
– o que vai e não retorna, como se fosse
com a morte
existir no olvido.
***
A poesia é gênero extraordinário, inesgotável de mestres. Nesta sexta-feira da Paixão, transcrevo-lhes exemplo emblemático da arte de um autor praticamente desconhecido entre não iniciados. Fernando Ferreira de Loanda; nascido em Angola e naturalizado brasileiro, faleceu no Rio de Janeiro em 2002. Foi editor da famosa revista Orfeu e organizador do primeiro florilégio da geração poética de 45 - Panorama da Nova Poesia Brasileira. Teve admiradores ilustres, como Octávio Paz (1914-1998), que fez questão de encontrá-lo quando em visita ao Brasil.
Brevíssimas palavras sobre o homenageado: Jack London (1876-1916) foi escritor norte-americano - misto de aventureiro - cujos livros trazem uma atmosfera que expressa a tensão entre o individualismo capitalista e a necessidade de reformas sociais possíveis de superar os dramas da segunda revolução industrial. A inquietação metafísica desse prolífico escritor pode ser apreciada na conclusão de seu poema Credo:

The function of the man is to live
not to exist
I shall not waste my days trying to prolong them.
I shall use my time.
Velocidade e transitoriedade permeiam-lhe a obra, inscrita em definitivo na modernidade. Exatamente explorando esse aspecto, Loanda compõe o poema em epígrafe, publicado no livro Equinócio de 1953. Apreciem como fosse vinho de rara safra.

* ensaísta e poeta mexicano, Prêmio Nobel de Literatura (1990).



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