quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Ironias da História

Na Guerra Fria, os estados ocidentais não socialistas foram na maioria influenciados pela doutrina da Segurança Nacional. Com base nela direitos e garantias constitucionais e pessoas consideradas inimigos de estado foram literalmente para o saco e desintegrados. Quando os ditatores e seus apaniguados sustentados pelos países manda-chuvas da Otan foram enfraquecendo, na medida lenta, gradual e segura com que o colapso do mastodonte soviético se organizava, vez por outra surgiam na imprensa internacional ecos da espionagem ocidental com alvo em figuras famosas, especialmente ligadas às artes.
Então era o caso de Jane Fonda, que a menção do nome em telefones da Europa ativaria um sistema de rastreamento e gravação da comunicação, em virtude de sua militância política contra a Guerra do Vietnã ser considerada de alta periculosidade pelo estado norte-americano. Ou de Vanessa Redgrave até hoje ligada ao movimento trotkista inglês e por aí vai, até incluir o Brasil com exemplos nacionais representados por Chico Buarque, Geraldo Vandré, o quarteto Gil-Caetano-Bethânia-Gal e até o Chacrinha, este suspeito pelo formato anárquico do seu programa televisivo, uso de chavões com jeito de serem palavras de ordem e, claro, por usar o apelido de Velho Guerreiro sem ter sido alistado em nenhuma força policial e militar reconhecida. Claro que nesse cipoal aconteciam alguns fatos razoavelmente justificados para serem investigados, mas de permeio a maioria de outros francamente anedóticos, expressões preciosas da neurose de estamentos conservadores da sociedade brasileira esclerosados pela idéia de que qualquer pessoa poderia ser um inimigo interno.
Nesta semana, outro exemplo de como se gasta o dinheiro público com espionagem, foi dado na Europa com a revelação de que o roteirista dos filmes de James Bond - um dos três responsáveis pelo personagem ter se tornado um fenômeno cinematográfico mundial-, foi investigado durante décadas pelo MI5 em razão de suspeitarem dele como agente da KGB, o serviço secreto soviético no qual o atual presidente russo, Vladimir Putin, foi funcionário e chefe maioral. Não deixa de ser irônico sabermos que o homem responsável pelas aventuras do super-espião de Sua Majestade Britânica, com licença para matar quem fosse inimigo do Estado, estivesse sob suspeita de espionar para a URSS na Guerra Fria. Imagino na sequência uma sala no subsolo de um vetusto prédio de tijolos vermelhos, onde um inglês gordinho, ruivo e sardento está assistindo filmes de Bond. Enquanto ele esmiuçava imagens e diálogos atrás de mensagens subliminares perigossísimas que passassem segredos para Moscou, a centenas de milhas dali, as esquerdas do chamado Terceiro Mundo, no lado de baixo do Equador, abriam fogo contra os filmes da série, patrulhando-os como armas da guerra cultural movida pelos países imperialistas. Se não tivesse acontecido como tragédia, por certo até seria engraçado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ótimo post!
Não sei se já leste, mas lembrei de um livro do John Steinbeck com o Robert Capa(Fotógrafo), chamado 'Um Diário Russo'. A dupla embarca pra URSS em 1948, com o intuito de conhecer o lugar, sem grandes fins políticos. Em Moscou, onde acabam passando a maior parte do tempo, ficam num quarto de hotel de frente pra rua, e, no outro lado da rua, tem um cidadão que faz manutenção de câmeras, tá lá sempre limpando umas lentes e tal. Anos depois descobre-se que o sujeito era um espião da KGB, designado para "acompanhá-los" na sua estada; e que tinham ficha na CIA, na KGB...tudo por causa de uma "mísera" viagem!
Abs,
Lucas Câmara

Itajaí disse...

Lucas, li sim. O livro é simplesmente sensacional e foi editado numa edição bem acabada!
Abs.
Itajaí