domingo, 23 de junho de 2013

Como derrubamos Fernando Collor

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Alan Souza

Fernando Collor de Mello, 32º presidente do Brasil e o único a ser destituído do cargo até hoje, começou a cair em 13 de agosto de 1992. Naquela data, uma quinta-feira, o então presidente da República Fernando Collor foi à TV e pediu às pessoas que fossem às ruas, no próximo domingo, 16 de agosto, vestidas de verde e amarelo (as cores da sua campanha), em apoio ao governo. Collor estava sendo acusado de corrupção e havia uma CPI para apurar as acusações, no Congresso Nacional.

A UNE - União Nacional dos Estudantes, e a UBES - União Brasileira de Estudantes Secundaristas, decidiram realizar na mesma data passeatas de estudantes vestidos de preto, em todas as capitais, pedindo a cabeça de Collor. Saímos às ruas aos milhares, naquele domingo dia 16 de agosto, gritando palavras de ordem contra Collor e a corrupção. Sem arruaça, sem quebra-quebra, junto com partidos políticos e organizações da sociedade civil (sim, eramos politizados, aceitávamos os partidos e até nos filiávamos a eles!).

Detalhe: fizemos isso sem internet e sem celular. Em 72 horas botamos os jovens do país nas ruas, unidos em torno de uma ideia, com as nossas lideranças (sim, aceitávamos lideranças e inclusive gostávamos delas!), na base do panfleto mimeografado e da xerox, e com muito boca-a-boca. Na semana seguinte o movimento cresceu, com a adesão de trabalhadores, donas de casa e servidores públicos. Em 25 de agosto botamos 400 mil pessoas no Vale do Anhangabaú, em Sampa, 100 mil no Marco Zero, em Recife, e 80 mil na avenida Sete, em Salvador. No dia seguinte tomamos a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com 60 mil pessoas.

Derrubamos um presidente sem que nenhum incidente com a polícia fosse registrado, sem depredações e saques, sem destruição de patrimônio público. Os políticos perceberam que se ficassem contra nós perderiam nossos votos para os partidos que nos apoiavam. Collor caiu sufocado pela falta de apoio parlamentar - ninguém queria contrariar o povo nas ruas.

Ao contrário dos movimentos atuais, convocados pelo Facebook, sem lideranças, sem causas centrais, apoiados por gente que mora na Califórnia e vídeos do YouTube em inglês (ué, nós não falamos português?), ou em português com sotaque, nos organizamos em torno de uma ideia e de nossas lideranças - UNE, UBES, OAB e partidos políticos de esquerda, como PT, PDT e PC do B. O pedido de impeachment de Fernando Collor foi assinado por Barbosa Lima Sobrinho, presidente da ABI - Associação Brasileira de Imprensa (à época com 92 anos e nosso ídolo!) e Marcelo Lavenére, presidente da OAB.

Em 29 de setembro de 1992 Collor foi afastado pelo Congresso. Não voltaria mais até 29 de dezembro, quando renunciou pra tentar escapar ao impeachment - o que não funcionou.

Sem internet, sem celular, sem quebra-quebra, com partidos políticos e organizações sociais e com lideranças, nós derrubamos um presidente.

Mostradas essas diferenças, se os protestos atuais não chegarem a algum resultado relevante além da redução de passagens de ônibus, vocês já sabem o motivo.
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4 comentários:

Marise Rocha Morbach disse...

Fiquei lendo o teu relato Alan, e pensando: se estes jovens,das classes médias, são refratários à participação de partidos políticos, estamos diante de uma interrogação nova. Pois o momento em que você narra é de saída de um longo período de regime autoritário. Nós estamos, aproximadamente, na mesma faixa de tempo em um regime democrático. O que explica o desalento destes jovens com os partidos políticos? Do tempo em que o Collor é banido até agora, são 20 anos e uma "fração" de tempo. Ora, é bastante sintomático que os filhos destas classes médias, que saíram do regime autoritário com seus 18 anos, estejam refletindo agora, os valores políticos e cívicos de seus país. Nós pegamos o período inflacionário terrível dos anos 80/90. Pegamos de broa o desmonte do Welfare State; pegamos a onda consumista do final dos anos 90; pegamos o retorno dos oligarcas com a queda do Collor; enfim: não vejo como cobrar destes jovens a ideia de que os partidos organizam a ação coletiva em demandas sociais. As classes médias não são o locus do ativismo político, são os partidos, e estes, por várias razões, não souberam canalizar os ideais desta juventude que está aí. Temos muito o que pensar, refletir e fazer pela juventude brasileira. Nem vou falar aqui de como vejo o sistema educacional e do quanto julgo que ele é responsável por esta "espécie de niilismo" da juventude em relação às instituições democráticas.

Marise Rocha Morbach disse...

Pegamos de "proa" não de broa, rs.

Anônimo disse...

Marise, a minha análise é muito simples, e vou até entender se você a achar simplória:

- Penso que a geração "facebook" esteja muito inebriada com a facilidade de convocar uma manifestação (e com o tamanho destas), e ache que possui muito poder, a ponto de crer ser possível dispensar a própria politização e interlocutores pra atuar no processo político - que é onde se resolvem todas as suas reivindicações.

Marise Rocha Morbach disse...

Alan,

Não é simplória a sua análise: não mesmo!