Cinquenta anos são bodas de sangue
Casei com inconstância e o prazer
Perdoo a todos
não peço desculpas
Foi isso que eu quis viver
Acolho o futuro de braços abertos
Citando cartola:
- eu fiz o que pude
Aos cinquenta anos
Insisto na juventude.
Cristovão
Bastos/Aldir Blanc
Vim aqui
prestar contas - como refém dessa poesia de Aldir Blanc.
Ontem
estava lendo o dia pelo buraco da agulha quando inclinei a cabeça para marcar a
distância entre mim e o Sol, tal como fez Aristarco, antes de Cristo nascer. Eu sentado defronte ao
Atlântico, finzinho de tarde, propus-me apenas desafiar esse astrônomo grego. Foi aí
que o Febo nas águas ecoou seu espelho e me fez parecer estar a uns 10 metros
dali conforme meu astrolábio. Ele foi-se em seguida, a leste do horizonte da Praia do Farol
Velho – Salinas, sem deixar pegadas.
Febo mergulhou
no mar e pôs fim à praia, ao dia, ao meu último dia. Eu recuei para dentro do
próprio umbigo, a mercê de marcar o tempo no pulso. Quando dei por mim já era quase
noite e tinha perdido o tic-tac das horas.
O lusco dourado
havia talhado aquele fim de tarde de domingo em minha memória e ali seria (ou
foi) o último pôr-do-sol antes de eu completar idade nova (como a praia fica solitária
sem aquela bola de fogo alumiando o dia, exclamei). Depois, amiúde, vem uma
segunda turma que se delicia com a noite. Nada, porém, substitui aquela imagem
no horizonte, que parece tornar finito o que não tem fim, todos os dias, desde
quando a terra guardava os desenhos ptolomaicos.
Foi aí que
baixei a cabeça para voltar a ler pelo buraco da agulha o que havia se passado naquela
estranha rotina da natureza, após ter vivido mais de 172.500 pores-de-sol. Li com
meu olho esquerdo, pelo lado de dentro, e fui capaz de tecer, com muitas
falhas, o que se passou na minha alma: De poucos acertos/De erros sem fim/ Eu tropecei tanto as
tontas/ Que
acabei chegando no fundo de mim. Com o olho direito, pelo lado de fora, fui
capaz de ver só aquele pôr-do-sol. Chegava, verdadeiramente, ao fundo de mim.
Quando
cheguei em casa, recolhido no meu velho calção de banho, já na cinza das horas,
os irmãos me receberam pela idade e minha mãe pelo espanto. Ela franziu a testa
e esbugalhou os olhos: 50 anos? A mão parou de tremer e a terra parou de gemer
naquele segundo fotográfico. Depois dei as mãos aos filhos e ganhei um beijo da
minha menina. Esse é o fundo de mim e tenho cá nas ideias que a fugacidade dos minutos só pode ser lembrada
se escrevermos. Eis eu aqui - então eu -, como formiguinha, carregando cada letra
para juntar palavras para tornar frase esse momento.
Quando o escurão invadiu a noite, logo me acheguei ao travesseiro e procurei olhar para trás de modo a fazer uma leitura de (quase) tudo, ao silêncio daquele pôr-do-sol. Impossível. Descubro, enfim, que o filme da vida não quer despedida. Foi uma noite em Blanc para chegar a este final. Foi duro tentar ser o que não sei.
11 comentários:
Bem-vindo ao clube, Roger!
Com o intuito de prepará-lo para a nova idade, lhe informo que as poucas semanas que tenho vivido após completar 50 anos têm sido maravilhosas.
Eu me sinto como um jovem de ... 40!
Rss.
Parabéns!
PARABÉNS! Tudo que a vido lhe oferecer de melhor, aproveite... e que sejam muitas ofertas.
Seja feliz!
Cilão, já tinham me dito isso, mas o seu testemunho é forte e tem peso. Só que me falaram em 35...
Obrigadíssimo, Silvina. Continue nos reinventando aqui pelo flanar.
Roger não há peso nos 50 e nem nos que estão por vir, pois são bênçãos. Aproveite cada dia, do amanhecer ao anoitecer, sem contar as horas, nem os dias, nem mesmo os anos. Apenas viva da melhor forma que puder e souber. Cada dia com sua graça. E que venham mais cinquenta. Boa sorte !
Roseanne, temos todo o tempo do mundo, diria Renato Russo, mas vou vivendo sob a razão dos que me escrevem e a bênção dos que rezam por mim... Bom vê-la por aqui. Este é um bom "fórum" para falarmos coisas boas.
Ave Dr. Geraldo Roger Normando Jr.
No passar das horas, mais sábio.
Ao peso dos anos, a destemida convicção da humildade. A paciência para perdoar. O prazer incalculável de estender a mão ao próximo. Consertar, sempre que possível, o que nos parece possível, no que há de errado na rolêta incerta da vida.
Envelhecendo.
Fazendo novos amigos. Cultivando aqueles anteriormente conquistados.
Sentir saudade dos que já se foram, apesar de termos a certeza de que permanecem em nossas lembranças.
Ave! Roger.
Vida longa ao amigo.
Mutran, com suas palavras já me acho até franciscano. Ave!!! No mais, suas palavras se juntam às da Erika, Cilão, Roseanne e Silvina, além de tantas outras belas que vi chegar no meu emeio e nas redes sociais. Não poderia deixar de citar as homenagens que meus dois filhos fizeram, todas emocionantes e meus dois outros irmãos de itinerário. O texto, Mutran, encarcerado nos dizeres do grande Aldir Blanc, acabou caindo bem, por isso publiquei. Obrigadaço.
Ave Roger!
Vamos deixar os entretantos e partir para os finalmentes!! (*)
— Permita-me uma divagação.
Uma hora. Sem tempo marcado. Fórmula escrita. Obediência aos mais velhos... Uma hora… Como por encanto: aceitamos que somos a possibilidade de ser. Ser o que nossos recursos pessoais nos oferecem.
— E como é difícil, desafiador, espetacular…! Quando cada um de nós, conseguimos, finalmente, saber o quê, afinal, queremos ser.
Para alguns, e certamente destes, tenho uma cisma.
— Amigo! Apenas uma cisma, uma vez que a tentação da inveja — irmã cruel e gêmea do fracasso —, é tempo. É a hora de cada um entender o seu real papel na oportunidade de viver.
— E viver não é necessariamente estar vivo.
A escolha do texto do Aldir Blanc, me parece, revela um pouco de sua hora. O momento mágico que você teve ao encontrar-se consigo.
— Eu disse, ainda há pouco, que para alguns é uma cisma. Porque para muitos, e acredito que para a maioria — eu incluso— isso custa muito mais que: apenas uma hora. Custa uma vida inteira. Muito embora, alguns, ainda, tenham uma segunda chance.
Resumindo: precisamos tomar uma cerveja. Aí, Roger: danou-se!!!
Reitero os melhores votos.
Ave Roger!
(*) Frase do personagem Odorico Paraguaçu, interpretado pelo inesquecível Paulo Gracindo, na novela "O Bem Amado", autoria de Dias Gomes, veiculado na TV Globo, em 1973.
Devo ir a Brasília em breve... Eu te aviso. Daí continuamos essa prosa.
Combinado.
Enviarei o cel por e-mail.
Abraços e até breve.
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