quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Acorda, amor!

Imagem: Telesur

“Acorda, amor / Eu tive um pesadelo agora / Sonhei que tinha gente lá fora / batendo no portão / que aflição!”

Sim, acho que posso dizer que tenho sido acometida pela aflição nestas últimas semanas. Essa aflição que é tida por alguns dicionários como “1 Padecimento físico; tormento, tristeza pungente. 2 Desassossego, indisposição, inquietação” e que seria ainda o oposto de “alegria, contentamento”. Assim que estou aqui a desabafar, mas aproveito a oportunidade do espaço no blog, felizmente coletivo, para citar duas das principais razões para o que me levou a ler sobre comunidades e experiências que desconhecia, a ir para as ruas de Buenos Aires protestar, para compartilhar informações nas redes sociais e, por fim (ou não), a me deparar comigo mesma prostrada a chorar.

Colegas mexicanas tratam de conversar e mobilizar os mais próximos para a dramática situação que vive o país mais conhecido por ser pátria da encantadora Frida Kahlo; mas elas querem dar visibilidade especialmente à violenta ação policial na comunidade de Ayotzinapa, estado de Guerreiro. Há mais de um mês, além de torturados, mortos e feridos, há 43 jovens desaparecidos. Ninguém sabe, ninguém viu. E desde então, apenas as mídias alternativas ou as mais ligadas a linhas editoriais de esquerda prosseguem com a cobertura do caso.

Devo abrir um parêntese para dizer que fiquei emocionada em não só me engajar nessa luta pela busca que pede justiça aos culpados e o aparecimento com vida, dos que com vida foram levados. Fiquei emocionada em estar literalmente de mãos dadas a mulheres que, pra mim, representam um grande exemplo de resistência por direitos humanos, as Mães da Praça de Maio. Travestida de Catrina, participei da ronda em frente à Casa Rosada, uma ação que essas mulheres realizam há mais de 30 anos, desde o último dos seis golpes militares na Argentina. A cobertura midiática não mudou muito de cara, mas tem sido importante para pressionar o governo mexicano a tomar providências. Vale lembrar que o México é considerado pela ONU o país mais perigoso para o exercício do jornalismo nas Américas, onde operários da informação que se detém principalmente em temas como o narcotráfico vivem como se estivessem em cobertura de guerra entre países.

Como muitos dos desaparecidos pelo terrorismo de estado na Argentina, os jovens mexicanos que têm entre 16 e 18 anos eram estudantes que se encaminhavam de ônibus a um encontro tradicional de campesinos que lutam por seus direitos quando foram interceptados pela polícia.

Reafirmava então meu sentimento de solidariedade como algo que não deve ter fronteiras na humanidade. Mas não esperava por tamanha brutalidade na minha cidade natal, Belém, e quase no mesmo dia da ação global pelos jovens de Ayotzinapa, dia 5. A semelhança? A força do Estado atuando contra a própria população. Pra falar o mínimo!

Em tempos de demandas pela desmilitarização, vê-se a brutalidade da polícia em ambos os países. Em tempos de difusão de informações e mobilização pelas mídias sociais, vê-se a criminalização de quem utiliza os meios disponíveis e alguns chegam a menosprezar o uso das ferramentas, classificando os ativistas – por ignorância e por má fé – de “oposição de facebook”.

Como efeito reverso depois de tanta adrenalina, restou o choro e o desânimo. Pela manhã, comprei flores para sacada de casa. Margaridas e jasmins agora fazem par à pimenteira. Que os dias venham mais suaves para todos. De preferência, sem a verborragia estúpida pedindo a volta da ditadura militar no Brasil.

Aos que desejarem algumas sugestões de link para mais informações tanto sobre o caso mexicano como o de Belém, aqui enumero uma pequena lista:

Documentário sobre violência no Mèxico

Reportagens especiais sobre o caso Guerreiro

Site da rede venezuelana Telesur TV

Carta da SDDH sobre caso da #ChacinaEmBelém

Um comentário:

Unknown disse...

Erika, não estás só. A aflição é feminina. São inúmeras as mulheres a sofrer as mais graves violências. Mas as mulheres da América Latina e da África são nossas irmãs e por isso sentimos mais por elas, com elas. Estamos juntas.