quinta-feira, 24 de março de 2016

Tudo está cravado na memória


Tem espaço para repudiar a violência contra as mulheres? Tem, sim!


Tem espaço para criatividade de cada um sair às ruas? Tem, sim!


Tem espaço pra todo mundo.


Todo 24 de Março, desde que estou na Argentina, sinto uma cuíra enorme para participar da marcha pelo dia da memória pela verdade e justiça. É um marco contra a ditadura genocida, que eclodiu há 40 anos aqui. Respeito minha cuíra. Sempre vou. Este ano, houve um clima especialmente raro. Primeiro porque o presidente norte-americano, Barack Obama, deixou seu rastro na capital, onde se concentra o maior número de pessoas nas ruas. Grandes protagonistas dessa luta, representantes das organizações Madres y Abuelas justificadamente repudiaram a presença da autoridade máxima do país yanke, reconhecidamente cúmplice do golpe. Eu também achei um acinte. Mas ele não chegou à toa, afinal, depois de uma década de governo popular, está no poder Mauricio Macri, muito alinhado às políticas norte-americanas. Dias antes da chegada dele já se via cartazes de repúdio nas ruas.

O processo de construção da marcha não contou com o apoio do Estado desta vez. E isso se notou na marcha. E se notou pelo porte dos carros-som, da estrutura de palco e telão, das programações das tv´s Pública e do Ministério da Educação, o canal Encontro. Uma pena. Uma perda. Ainda assim, nenhum passo atrás. É o bordão. E foi seguido criteriosamente. Estavam juntos movimentos da sociedade civil organizada, político-partidários e sindicais. Estavam juntos coletivos que atuam na área dos direitos humanos, de diferentes frentes de batalha. Reconhecia-se cada um. Gente com bebê, com crianças e jovens; gente com mobilidade reduzida. Parece um dia de total cumplicidade, um pacto velado.

Aqueles gritos de guerra que ouvi desde o metrô que usamos para nos deslocar até a Avenida 9 de Julho se repetiram outras vezes nas ruas. E muitos outros também. Cada um a seu tempo. As Madres e Abuelas sempre por primeiro na marcha. Elas são protagonistas desta luta e são reconhecidas como tal.

Minha filha acompanhou um pouco do que já sabia pelo que ouviu de mim e da professora na escola. Observou, perguntou...fez suas leituras. Fomos em busca de um posto do jornal Tiempo Argentino. O diário não sai às ruas desde fevereiro, quando o grupo de comunicação do qual faz parte deu a ordem. O Grupo 23 não paga os mais de cem trabalhadores desde dezembro, nem salário, nem o meio décimo terceiro. Os trabalhadores se mantêm em luta e decidiram fazer uma edição especial sobre os 40 anos do golpe genocida. Fizeram parceria com uma gráfica que também já passou por situação semelhante e hoje é uma empresa recuperada pelos trabalhadores. Foram 30 mil exemplares, em menção aos 30 mil desaparecidos registrados. Quem sabe com a renda os operários da informação não conseguem minimizar suas dívidas acumuladas pela imperícia dos empresários?

O dia também é de felizes encontros. Parece incrível as pessoas encontrarem amigos em meio a multidões. Eu encontrei. E os que eu encontrei também encontraram. “Ela foi uma das seqüestras na ditadura. Foi pra um exílio e teve uma experiência em Cuba que foi retratada para um filme que estréia no próximo dia 7 de abril”, me disse Fábio Oliva.

Eu só tenho a agradecer a oportunidade que sempre alimenta a esperança por um mundo melhor.

Música sugerida: Todo esta guardado en la memoria, de Leon Gieco.

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