domingo, 15 de janeiro de 2023

Quando eu tentei assassinar o Tasy

Para Helena Brígido 

    Ontem uma coruja me acordou às cinco, crocitando Edgar Alan Poe. Nos contos de Poe, quando isso acontece, a morte violenta é prenúncio. Então, com o azar lançado, empunhei meu parabelo num lado da cintura e uma adaga do outro e saí para trabalhar, como faço todos os dias. Vai que alguém queira me tirar do sério... 

    Dei partida na ignição. Na primeira parada já havia risco de luz no céu do Guamá. Foi numa casa de saúde cujo nome tem contorno de modernidade. À primeira vista não consegui falar correto, mas uma enfermeira me disse que tinha que dobrar a letra I, de ignorante, para "ai", mas sem se contorcer de dor. Era o segundo prenúncio de morte: a dor. Fui consultar uma obra de Sheakspeare, o usuário da palavra que dava nome ao hospital e, estava lá, a morte rondando as cortinas de Hamlet (todo mundo antes de morrer grita ai). Por um átimo de segundo, tive uma disritmia. Percebi que algo terrível estaria por romper a trava de segurança de meu parabelo ou de minha adaga. Eu sentia o gosto salubre de sangue. Lembrei da época militar, quando tínhamos que chupar o sangue do pescoço da galinha esgorjada.

    Pois agora, depois de passada a pandemia e felizmente após a quarta dose da vacina, e eu ter me intoxicado de cloroquina e Ivermectina, esse esses dois arquitetos das palavras resolveram se encher de intimidade comigo. 

    Foi batata! Sentei meio indisposto na cadeira em frente ao computador, encarando o Tasy e uma puta dor me abateu: cólica cerebral. Além do gosto, agora sentia o cheiro de pólvora no ar. Ou melhor, do sabonete Phebo. Amofinei. Mesmo de máscara, cheguei a ouvir o vírus dizer: "Perdeu, Mané!". Quase solto o barro, ou melhor, o barroso. Não consegui trancar, pois nada estava tranquilo.

    Mas não me rendo facilmente. Afinal, a turma que acorda cedo só se entrega após teclar imprimir e depois ouvir o zunido silencioso da máquina de impressão. Não deu. Deu foi barro. Nem entrei no programa, sequer. Por 20 minutos teclei a senha e... nada. Era a sétima em sete meses ali, naquele hospital pomposo. Ontem mesmo eu fizera a última troca. Mas nada. De repente, uma voz sai da tela: "você é um idiota"... A voz que ouvia saía com um timbre que me fez lembrar "O último tango em Paris", ao pomo de Marlon Brando. Era chamamento. Era a hora. Então,  antes que me derrotassem, saquei a adaga e esfolei a tela do computador, como se estivesse à frente de um Di Cavalcanti. Fiz o mesmo em mais outras duas, três, quatro...

    Saí do hospital algemado. No dia seguinte vi a reportagem na TV. Fui preso pela PF e quem me algemava era o Japonês da Federal. É impossível resistir a um complô. O xilindró era meu destino certo. Minha alimentação tem sido à base de brioches, salmão na brasa com manteiga de laranja, bacalhau a todas as modas, pirarucu de camiseta, ovas de tainha, aves ribeirinhas ao tucupi, como dizia o meu Coach. Por sobremesa alfajores argentinos e cannoli italianos, ou musse de cupuaçu. por opção. Poderia até estar pegando o rango da Papuda, sem reclamar. Ao contrário dos briosos "patriotas", "anarquistas do bem", que tantos sacrifícios fazem pra nos livrar do comunismo, esse mal terrível deve ser a Covid dos sistemas de saúde que nos encarcera. 

    Creio que, mesmo após eu ter sido enjaulado por tentar destruir o sistema do sistema, azucrinado por Marlon Brando, Poe e Hamlet, o sistema ainda respirará pela pele e eu ficarei o resto da vida sendo chamado de otário.

Labareda do bando de Corisco

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