A volubilidade do rio
contagia o homem.
A adaptação exercita-se pelo
nomadismo;
Euclides da Cunha em: Amazônia – um paraíso perdido
Confesso: fui preparado para trilhas científicas,
não para letras, mas aceitei o convite para esta “apresentação” por admirar o
bom verbo. Como gentileza gera gentileza, debrucei-me sobre estas páginas que, no
bojo, desvelam no tempo presente a relação híbrida de homem-espaço-linguagem: o
Homo scribere e seu ethos.
Inicialmente, tal como cartógrafo, tracei
o meridiano de Sodré no mapa-múndi. Vi nele, até chegar aqui, trajetória nômade
em correnteza de rio. Os rios, na mesma tez de sua pele, infiltram seus poros e
os barrancos tonificam suas veias até brotar palavras que sobranceiam cidades.
Da margem onde tudo começou está o
mundo do rio Acre: Xapuri. De lá, Sodré arrumou as malas e, rio-acima-rio-abaixo,
montou em proa de batelão e dobrou o Purus no rumo leste do Amazonas, prumo da
Aurora. De permeio, andou por Rondônia admirando o estuário do Madeira; também
pelo Xingu para ver encanto de gente, corredeira e diversidade do solo. Depois
veio Macapá, onde degustou gengibirra ao ritmo do marabaixo até ficar taludo das
ideias. Por fim aportou em Belém ao contornar, vento em popa, a Ilha do Marajó.
Depois de arriar as malas nesta última margem, bateu sentimento. Viu ali sua aldeia
e recostou a orelha para sentir o Ver-o-Peso arfar. Escutou sopro de vida. Por
fim subiu no coletivo e parou em lugar onde casas e homens humildes deixam braços
de rio escorrer por leitos de muitas pedras. Assim é a sua Pedreira, bairro.
De sulcar rio até sua aldeia, onde
Sodré enterrou seu coração, nasceu “O rio do meu lugar”. A obra tem um narrador
comum, de cidade, transmutado de DNA amazônico, cujo gene literário é incrustado
de rio, cais e paragens. A partir desse mote, Sodré passa a conviver com seu locus carregando uma narrativa
desamparada do vazio comum. Tal como nosso inverno, ora se vê rajadas polifônicas
de Dalcídio Jurandir e Guimarães Rosa, ora é chuvisco prosificado repleto de
tiradas ao modo de Rubem Braga e García Márquez, ilustres moradores de sua estante.
Para se ler “O rio do meu...”, vista-se
então de garimpeiro. No giro da bateia, a cada fitada de olho reluzirá uma pepita:
o áureo verbo nativo. O livro deixa boiando o linguajar de um povo entregue ao vernáculo
que parece impingir personalidade às palavras. Lembra um código filogenético baseado nas relações entre os
habitantes do interior e da capital; de outrora e de hoje, cada qual com suas intervenções.
Sem bulir e ainda respeitar o estereótipo alheio - o cabano-, a obra,
repito, veio bem a calhar homem-linguagem-lugar como se fosse junção de rios,
ou melhor, a própria Baia do Guajará como metáfora de “aprender novas palavras
e tornar outras mais belas”, diria nosso Drummond. É a própria flor do grão petalada
de linguagem jeitosa que se lambuza de domingo em plenas manhãs de sábado e sai
encenando uma cidade em reconstrução arquitetônica, artística e lexicográfica.
Portanto, só me resta esperar que os
leitores sintam-se beneficiados, a modo de também permear pela simplicidade de
um autor achegado à filologia diletante, dado o chamegoso realismo urbano bem-humorado.
Mergulhem fundo e se banhem dessa
leitura. Lê-lo é afirmar que a
palavra - distante da invenção da roda e próxima da descoberta do fogo - é a
maior criação, recriação e recreação do homem. É magia, alumbramento.
Da série Créditos
Produção: Edir Gaya
Capa: Eduardo Alves e Natacha Barros
Coordenação: Agência + 3 Comunicação Integrada
Ilustrações: JBosco Azevedo
Prefácio: da jornalista Valeria Nascimento
Apresentação : do médico-escritor Roger Normando
texto capa: do poeta Edson Coelho
O livro está disponível no Estande dos Escritores Paraenses, na Feira do Livro
Da série Créditos
Produção: Edir Gaya
Capa: Eduardo Alves e Natacha Barros
Coordenação: Agência + 3 Comunicação Integrada
Ilustrações: JBosco Azevedo
Prefácio: da jornalista Valeria Nascimento
Apresentação : do médico-escritor Roger Normando
texto capa: do poeta Edson Coelho
O livro está disponível no Estande dos Escritores Paraenses, na Feira do Livro
5 comentários:
num dia de folga, feriado nacional, este ensaio do Roger Normando é café da manhã dos bons, dos sábados no Mercado Municipal (aqui em Porto Velho).
é de sentar e ouvir boa prosa poética, de um leitor que consegue manipular o bisturi e um médico que sabe auscultar a alma da gente - das gentes amazônicas, é bem dizer.
feliz do Sodré que encontra um Normando pelo caminho!
encomendarei e esperarei o livro chegar à minha choupana, aqui do outro lado da Amazônia.
Muito bom médico-escritor! Pela sua descrição da obra, estou preparada para lê-la.
Marise, Raimundo Sodré é um desses escritores e blogueiros que te contamina com o modo de escrever. Vá lá e megulhe sua colher no prato da boa leitura. Ficarás saciada.
Abel, essa Amazõnia nos revela. Se ela espantou Euclides da Cunha, "avali" nós... Quanto ao livro, nada que um bom Sedex não resolva ou, quem sabe: E/M, desde que se comnpartilhe um café de feira.
Belíssimo comentário. Vou buscar urgentemente o livro para me deleitar numa tarde chuvosa, no embalo de uma rede.
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