sábado, 11 de março de 2017

Namoro de portão

Um belo dia saí sem preocupação, 
sozinho, 
com três a quatro peças de roupa 
- não lembro bem. 

Embriagado de liberdade, 
tracei meu rumo, 
com exatidão, 
no indefinido sem olhar pra trás. 
Minha atenção foi sequestrada 
pelos raios de sol 
que pulavam à minha frente feito criança. 
Ali eram seis e o pouco da tarde 
que faltava 
me seduzia e mudava meu rumo; 
parecia querer me namoriscar à beira mar. 

Lentamente me aproximava, 
e comigo, a noite. 
Quanto mais o tempo passava, 
menos olhava o relógio, 
precisava valorizar muito 
aquele “namoro de portão", 
mostrei a ela 
que era peculiar e, 
até hoje, 
ela me mostra suas peculiaridades 
todo dia 
antes de mergulhar 
de volta ao mar.

Danilo Normando

quinta-feira, 2 de março de 2017

Minha mãe chorava – ainda

Gosto de lembrar dos momentos em que nos divertíamos, eu e minha mãe. Seu sorriso me fazia bem (menos as gargalhadas, que às vezes pareciam altas demais e eu tinha vergonha quando todos olhavam à volta). Eu me sentia leve e segura, mas se me detivesse só um pouquinho no seu rosto, bastavam alguns instantes...pronto, ali estava o seu choro, nítido e cristalino. Era como um membro do seu corpo: estava com ela em qualquer circunstância.

Certa vez, intrigada com essa mãe que tanto chorava, comecei a me perguntar se o choro não era dos meus olhos, se não estavam em mim tantas lágrimas. Esse diálogo meu comigo era sério, perdurava, se desdobrava. Eu não conseguia me conformar com uma mãe que chorava tanto, mas tampouco entendia o que poderia me levar a construir uma imagem tão triste de minha mãe dentro de mim mesma. Será mesmo que então eu desejava isso? Viraria outro imbróglio.

Eu ruminava esta mãe, não qualquer mãe, a minha mãe que chorava. Era como se eu sempre estivesse olhando pra ela debaixo pra cima, me aproximando entre nossos silêncios pra segurar sua mão e observar a reação da sua face. Cumplicidade e cuidado. Me sentia miúda e minha mãe parecia saber disso. Ela se mantinha calada e ainda chorava.