quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

A CADEIRA QUE NOS SUPORTA

            Era sexta-feira ensolarada na cidade de Prestino, perto do Lago Como, na Lombardia, norte da Itália. Giacomo passa acelerado para ir almoçar em casa e matar a fome que lhe perturba. Nota que a árvore no jardim do sobrado daquela senhorinha esquisita está preste a cair. Se acontecer, um grande galho pode quebrar parte do telhado do lado esquerdo da casa. Seria melhor avisar alguém sobre isso. Mas, já faz algum tempo que ele não via aquela pequena senhora, cujo nome nem lembrava mais. Provavelmente, nem estivesse em casa, saído junto com parentes, fugindo da pandemia que castigou tanto esta parte do país, nos últimos dois anos. 

        Ao entrar em casa, o jovem pega o telefone e liga para o atual proprietário da casa, pois sabia que a senhora havia vendido esta para o Sr. Allan, mantendo o direito de usufruto. O cidadão suíço abastardo também era o proprietário da casa onde Giacomo morava de aluguel, por isso a lógica para conectar os fatos.

        O Sr. Allan conta para Giacomo que já havia um tempo que não falava com a Sra. Marinella Beretta. Ele informou que entraria em contato com a polícia local, para ver se notificavam a sua inquilina. 

    No mesmo dia, uma viatura dos bombeiros foi ao local de residência da senhora Beretta, para verificar a situação e programar o corte da árvore, que sofria com os ventos fortes desta época do ano na região Lombarda. 

        Bateram à porta por 15 minutos, sem sucesso. Tomaram a decisão de entrar no recinto. Ao abrirem a porta à força e depararam-se com uma sala arrumada, porém com ar de abandono. Chamando o nome da senhorinha foram adentrando cômodo a cômodo, até chegarem à cozinha. Lá viram a senhora sentada em uma cadeira de cabeça baixa apoiada na mesa, totalmente imóvel. Ao tocá-la, o sargento Guiseppe toma pé da verdadeira situação. A Sra. Marinella Beretta estava rígida como se fosse parte da mobília. Ela estava mumificada em sua solidão. 

        O seu corpo, já há muito sem vida, jazia no seu trono de reclusão e esquecimento. Pelo estado de mumificação, a morte foi calculada como ocorrida há dois anos. O que coincide com as últimas datas de contato visual com seus vizinhos, pois não era afeita a prosa. Essa aversão ao contato não passava de uma inferência, uma vez que não se tem um costume local de interagir com os anciões solitários.

        Marillena Beretta esperou por dois anos para que uma árvore lhe fizesse ser notada. Era uma sombra a existir. Uma figura sem importância. Mais uma vítima da solidão que assola 40% dos idosos italianos, esquecidos pelos parentes e amigos do passado. 

        Não foi situação exclusiva dos filhos de Romulo e Remo. Existem inúmeras vidas esquecidas, com suas cabeças prateadas e suas mãos enrugadas. 

        Como estão os seus velhos? Estão sentados esperando uma árvore cair? Não espere muito para revê-los. Pois nem todos tem um jardim com árvores.


Jader Leite, jardineiro de espírito e de alma