segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Happy New Year!

Feliz Ano Novo a todos os amigos flaneiros! Não posso imaginar melhor maneira de celebrar o fim do ano e o futuro com esta música linda do "Fleet Foxes" sobre a passagem do tempo e o inverno. A letra, que segue abaixo, é interpretada por cada um de maneira diferente, mas para mim, será sempre evocativa do inverno, do tempo, das memórias de criança.

Feliz 2013!

"White Winter Hymnal", Fleet Foxes

I was following the,

I was following the,

I was following the,

I was following the,

I was following the,

I was following the,

I was following the,

I was following the,

I was following the pack,

All swallowed in their coats

With scarves of red tied 'round their throats

To keep their little heads

From fallin' in the snow

And I turned 'round and there you go.

And, Michael, you would fall,

And turn the white snow

Red as strawberries in the summertime.

Contagem regressiva



Feliz ano novo a todos!
E que venha 2013!!!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Esperando Godot, ops, Bono em Dublin


Poucas cidades no mundo tem  música no ar como Dublin. A capital da Irlanda tem uma lista quase interminável de talentos consagrados e ainda por serem descobertos. Mas, a essência dessa cena musical é o cantor de rua, mais precisamente da Grafton Street, a principal rua do comércio. Na véspera de Natal, depois de uma longa caminhada, estavamos no centro de Dublin, quando uma senhora nos perguntou: "Vocês são  turistas? Pois, não deixem de ver o Bono cantar ali na Grafton Street!". Agradecemos a dica e voamos pra lá, no meio da multidão que fazia compras, já por volta das cinco da tarde.
Na frente de uma das lojas,  o aglomerado era grande para ver um desfile de talentos, cantando sem nenhum amplificador. Eram somente voz e violões.
Do lado de nós, um rapaz dublinense nos contou que a iniciativa do "concerto" de rua é do compositor Glen Hansard. O artista  começou a carreira na Grafton Street e  ganhou o Oscar de Melhor Canção, em 2007 com Falling Slowlytema do file Once, onde  atua como o personagem principal, um músico de rua. "Ele chama todos os músicos de Dublin e a gente nunca sabe quem pode aparecer, normalmente  Bono vem", conta nosso vizinho.

Glen Hansard e Lisa Hannigan - uma descoberta e a surpresa de ver a nova musa indie de Dublin. (Foto: Edvan F. Coutinho)

Bem, à espera de Bono, a gente descobre Hansard (ou redescobre: depois soube que ele era o guitarrista do grupo de soul music no fantástico filme de Alan Parker, The Commitments, em 1991). E ao lado de Hansard, quem sobe o banquinho é  ninguém menos que Lisa Hannigan, a mais nova voz dublinense que invadiu as paradas indies na Europa, no verão passado. Eles cantaram a linda Falling Slowly. Depois, quem aparece  e solta a voz é Sinéad O'Connor. A mais rebelde e atormentada cantora pop da Irlanda, mandou ver com Nothing Compares to U

Sinéad O'Connor solta a voz em plena Grafton Street em Dublin. (foto: Edvan F Coutinho) 

Depois disso, apareceram alguns  policiais que, super educadamente, pediram que mudassem o banquinho para outra parte da Grafton Street. A gente acompanhou a mudança de lugar com a multidão, mas à essa hora, exaustos, preferimos seguir para nossa ceia natalina num tradicional fish and chips irlandês. Depois, a gente soube que Bono apareceu já por volta das oito da noite. Vimos os vídeos. A melhor seleção das performances na rua de Dublin, vocês podem ver aqui, no site do The Telegraph Belfast.
Aliás, este e outros sites dizem que Bono e os cantores se apresentaram numa ação beneficente, o que não acreditamos. Em nennhum momento passaram o chapéu pedindo algo. Prefiro acreditar na palavra do rapaz dublinense ao nosso lado. "Eles querem é mesmo valorizar quem canta na Grafton Street, e nas outras ruas de Dublin".




quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Cérebros e mapas


O século 16 foi o período da nossa história mais sulcado por embarcações que tinham a missão de reconhecer o mundo e de mapeá-lo para o nosso entendimento e deleite.
Naquele tempo os oceanos eram (e ainda permanecem) fontes inesgotáveis de surpresas, e começaram a confirmar uma forte suspeita de que a complexidade do mundo é tal que não devemos ousar nos aproximar dos seus fundamentos.
Séculos se passaram e nos arriscamos, mesmo sem ainda conhecermos sequer o fundo dos mesmos oceanos singrados pelos nosso antepassados, a romper essa ilha de trevas, de desconhecimento e de inércia na qual não nos conformamos em viver.
E, com todo o respeito à física quântica e à astrofísica, dissecar o cérebro humano nos seus aspectos morfológicos, neuro-bioquímicos e fisiológicos, me parece ser a tarefa mais importante a ser executada pelo homem neste momento histórico.
Os potenciais de exploração cerebral só não são maiores do que os riscos envolvidos em se arranhar profundamente a ética e a moral. Afinal, manipular cirúrgica- e/ou quimicamente o córtex normal apenas para angariar informações para a nossa espécie, não é um ato isento de pesadas críticas.
Mas e se houver uma patologia envolvida? Podemos explorar um pouquinho além do propósito inicial da cirurgia, estimulando áreas próximas?
Vou ilustrar com um fato do cenário neurocirúrgico contemporâneo, publicado em periódico idôneo e reverberado mundo afora em congressos específicos na área da Neurocirurgia Funcional.
Há poucos anos, durante procedimento de Neuromodulação (implante de eletrodos no cérebro para posterior estímulo elétrico), visando tratar descargas elétricas anômalas em um paciente portador de um tipo de epilepsia do lobo temporal, houve um pequeno desvio do alvo (região a ser estimulada) e os neurocirurgiões canadenses se depararam com algo inusitado.
Ao se estimular as áreas “erradas” durante a cirurgia (que é feita em grande parte em vigília plena), o paciente relatou lembranças extremamente vívidas de um episódio ocorrido em sua infância, o qual aparentemente era destituído de importância. Houve então uma descrição meticulosa de odores, de cores de objetos, de frases longas ditas por parentes e até de sentimentos experimentados naquele momento  “esquecido” antes do estímulo.
Tudo foi documentado e publicado, e desde então o mesmo grupo passou a ampliar a área de pesquisa, tendo havido relato verbal em um congresso recente de mais seis procedimentos semelhantes, sempre aproveitando cirurgias para epilepsia, e, é claro com o consentimento dos pacientes.
Podemos concluir, leigos ou não, que tudo relacionado à memória está lá, guardado no cérebro. Absolutamente tudo registrado durante as nossas vidas. O problema é como acessar essas informações.
Fica então a pergunta final no ar: se, na fronteira do saber, nem tudo estará dentro de possíveis inteligibilidades, até onde nos levará um punhado de conhecimento que até poucos anos repousava nos braços da ficção científica? Teremos capacidade de compreender o mapa cerebral que apenas começamos a traçar?
O século 16 parece não ter acabado.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

"Nas favelas, no Senado..."

Só não direi que o Brasil é mesmo o país da piada pronta, como diz o Simão, porque é trágico demais para ser engraçado.
Vinha me perguntando se José Sarney deixaria, enfim, a sua presidência vitalícia do Senado ou se ele faria, mais uma vez, contra a própria vontade, o sacrifício cívico de assumir esse encargo. Segundo se está anunciando, ele deve levantar da cadeira, mas deixando no lugar ninguém menos que Renan Calheiros, que dispensa apresentações. Pode ficar pior? Claro que pode: a Câmara também ficaria sob o comando do pior partido deste país, o PMDB, um tal de Henrique Eduardo Alves.
Reza a lenda que Dilma Rousseff não vai com as fuças nem de um, nem de outro. Mas tem a tal da governabilidade, sabe como é. E os governos sempre necessitam negociar mundos e fundos com sua base de sustentação. E se há um nome para negociar vantagens, esse nome é PMDB.
Dane-se o Brasil.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Papai Noel no Amazonas

Imagem: Greenpeace

Aproveitando o momento natalino, a organização Greenpeace desencadeou este mês a campanha Santa Relocation Project, que visa achar um local para a nova casa do bom velhinho.
Afinal, com o pólo norte derretendo, onde morará Papai Noel?
Dentre centenas de respostas sugeridas, o Rio Amazonas foi um dos destaques.
Até que não seria má ideia - o problema é que o estado do Amazonas ganharia fácil esta licitação.
De novo...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Tucumanduba entre Berê e Bené




Ontem Berê chorou quando singrou aquele rio. Lembrou as agruras do ano. Vinha tomando um vinho de açaí na hora em que a lágrima choveu para dentro da cuia. Salgou a bebida.  Salgou feito as lágrimas do Mar de Portugal. Ninguém viu. Só eu, escrivão de causas inúteis e Fernando Pessoa, dono de Liceu e do “Mar de Portugal”. A partir daí Berê começou a beber o rio - doce mar amazônico. Passou a lamber rimas, dilatar os pulmões no vento e tocar no arco-íris - a 15 palmos do nariz. Sorriu que nem menino em tempo de Natal. Abandonou a tristeza de Jeca.
Ao sorrir, virou poeta de passarinho engruvinhado no bico das Garças em plaino, a cruzar o horizonte verde no rio de águas. O pomo ficou doce para dizer: Tucumanduba: terra a vista! E a palavra Cabral voou e se assentou em ninho do Japiim, logo que o motor deixou de estalar nos tímpanos. De fora, Pessoa espiou feito olho de Neruda. Emboletou-se na fala: “A-ba-e-te-tu-ba”. A língua dobrava. Berê resolveu se embrulhar nos versos de Paes Loureiro. Querem ouvir? Quianduba, Piramanha, Sirituba. Salve o Nheengatu, disse tio Bené, o tapuio com os olhos da cor da aurora.
Berê dormiu em paz. Roncou com o ranger da baladeira que embalança o mundo.
Noutro dia, no bafo do almoço, entornado na salga do camarão, se lambuzou com o rio feito Mapará, encolherando açaí com farinnha de tapioca. Os dentes toldaram na cor chão-mangue.
Lá, no mergulho da beira, caiu no equilíbrio da vida com os pirralhos: adocicado espanto de ser criança que ri. - Xô, Candiru! Xô, Candiru! Gritavam as crianças, em coro com Berê. A voz subia junto com o pulo e sumia no mergulho para ver o fundo das águas. Quando “buiavam” lá pelas tantas da noite, as estrelas, experientes, ouviram o brado retumbante prá lá das nuvens e mandaram os bichinhos se achegaram, em bando, para enxotar a pissica. A pissica se foi.  Os candirus ululavam. Berê sorria.
-Agora posso começar o ano, dizia.
Disse mais: -Feliz hoje, tio Bené!
-Feliz hoje, seu Berê. Até, então! E não se esqueça de continuar embrulhando os sonhos dos curumins daqui, vestido desse unzinho das bandas do polo Norte, que tem a barba da cor alegria e o coração que se inteira com a solidariedade.
-Deixa estar, tio Bené... Feliz Natal!!! 
- Feliz Natal. Inté, então!

sábado, 22 de dezembro de 2012

Oscar pré-colombiano



Junto com a notícia da exclusão do filme brasileiro O Palhaço da disputa pelo Oscar de melhor  filme estrangeiro (já esperada, segundo Ana Maria Bahiana), veio ontem a confirmação da indicação da produção norueguesa Kon Tiki, cuja pré-produção eu vinha seguindo atentamente.
Quem gosta de literatura náutica ou de aventura certamente já leu o memorável livro homônimo, cujo nome homenageia a jangada da épica expedição feita por Thor Heyerdahl em 1947, que lançou-se no Oceano Pacífico da costa do Peru em direção à Polinésia.
Talvez esta tenha sido uma das últimas viagens científicas de uma era "romântica" e acabou por comprovar a tese de que o homo sapiens chegou às ilhas do oeste do Pacífico via América do Sul, cerca de 1000 anos antes da chegada de Colombo ao continente americano.
Espero que o filme (que dificilmente passará aqui em Belém) traduza bem as reflexões de vida tão cristalinas no livro.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Um Natal Animal

Super fã dos Muppets, encontrei essa jóia de interpretação natalina e com ela desejo um Animal Christmas para todos que acompanham o Flanar e aos meus queridos que fazem  este blog.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Espírito natalino? Espírito portenho?

Não foi a primeira vez que o ônibus mudou de percurso sem nenhum aviso aos navegantes. O que é muito, muito desagradável. Em especial porque, aqui, dizemos nosso destino final ao motorista, que nos cobra a passagem no valor correspondente à distância que vamos percorrer juntos. Ou seja, se ele não passaria pelo destino informado, já devia avisar antes. E se houve um imprevisto, devia avisar em seguida. No mínimo. O fato é que, desta vez, o caldo engrossou. O que é rápido pra acontecer pelas bandas de cá. O povo não engole qualquer coisa assim, não. Reclama pra valer! Mas desta vez... foi puxado. Quando o coletivo saiu da rota, imediatamente um senhor de meia idade golpeou a porta, pedindo para descer, e xingou, esbravejou contra o motorista. Avançou nos termos, é bem verdade. Mas exigiu o que eu nunca tive coragem de exigir. Desci no mesmo ponto que ele. E pra nossa surpresa... o motorista também. Cara a cara com o então passageiro indignado, perguntou com que direito ele lhe xingava naqueles modos; mandou que o senhor experimentasse avançar contra ele, usando seu guarda-chuva. E não poupou as palavras torpes. Cuspiu-as uma por uma. Ambos estavam nervosos. Eu estava nervosa e paralisada olhando aquela cena com os detalhes que a luz do dia permite. Os dois senhores – sim, o motorista também carregava sinais dos tempos, desde os cabelos brancos a uma pança em estado avançado – ficavam cada vez mais vermelhos a ser olhar e esbravejar um contra o outro. Até alguém resolver desapartar um possível final muito mais infeliz e levar o motorista de volta ao seu labor. Enquanto o senhor passageiro sentava-se em um suporte de cimento que havia na calçada, a mover seu celular.
 
Um taxista me disse outro dia que o Natal também coloca as pessoas em estado mais agitado. E, por outro lado, os argentinos, “principalmente as mulheres”, são gente histérica, não leva as coisas de modo leve, como os brasileiros.

Se a cena fez parte do espírito natalino ou de uma “genética” própria dos argentinos, eu não estou muito certa. O fato é que a cena me deixou bastante encucada.

Trilha sonora natalina

 

Neste natal não há Jingle Bells que consiga penetrar na minha mente, pois todos os neurônios disponíveis estão ocupados com o último disco de Steve Hackett, Genesis Revisited II, lançado há apenas 2 meses.
Recebi a bolacha dupla há 10 dias, presente do meu amigo E. Neto (companheiro de inúmeras expedições imaginárias ao Himalaia e à Antártica) e desde então não mais desgrudei das versões revisitadas de músicas clássicas do Genesis, como Supper's Ready e The Musical Box.
Dentre os inúmeros músicos convidados, destaco John Wetton, um dos meus baixistas favoritos e Simmon Collins (filho de Phil Collins), nos teclados e vocais.
É inevitável a comparação com o disco Genesis Revisited, de 1996, e acho que acaba dando empate...
Genesis no natal? Nada mais apropriado!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A respeito do Largo de Nazaré

Imagem: acervo digital de Antonio Sales

Reproduzo abaixo comentário feito por uma leitora do blog a respeito da postagem 1978: Largo de Nazaré, a qual solicita ajuda para um trabalho na faculdade.

"Olá, eu sou estudante da UEPA do curso de Pedagogia e estou fazendo um trabalho sobre história oral e pesquisando sobre o Largo de Nazaré, eu e minhas amigas estamos fazendo entrevistas com pessoas que moraram no local ou próximo para falar sobre o local, como era antigamente, as transformações ocorridas, estamos encontrado um certa dificuldade de encontrar entrevistados. Bom, vi que vocês conhecem bem o lugar, quem poder me ajudar ficarei muito agradecida, de verdade, não precisa se identificar, é um entrevista informal, podem ficar seguros. entrem em contato no meu email aline.uepa@gmail.com"

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Festas

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Bom, Natal chegando. Final de Ano; chegando! Muitas coisas ainda para colocar um ponto final. Muitas outras para abrir dois pontos. Melhor assim. Bom ter planos para 2013. Bom, também, é ver a alegria das crianças, no Natal. Elas são as grandes merecedoras do encontro com os brinquedos e a alegria do nascimento. Adorei os que vivi na infância. Os irmãos, os pais, a casa cheia, e a ceia muito esperada.....Os brinquedos? Acordar muito cedo e ir exíbí-los aos amigos da rua. Foram ótimos. Tenho as melhores recordações do Natal! Bom,  o final do Ano está logo ali. O corpo pede descanso e alegria. A cabeça segue em saudável deriva. Aposto na sorte e na fortuna, em 2013. Por que menos? Como escreveu Drummond: Merecestes viver mais um ano! É isto! Foi ótimo escrever por aqui neste, ainda, 2012. Foi ótimo dialogar com os comentaristas e os parceiros do Flanar. Só gente boa! Acreditem! Eu vou pendurar a chuteira do blog por alguns dias. Vou morrer de saudades. Mas vou me dar um castigo! Muito bom escrever por  aqui! Muito bom compartilhar ideias e emoções. Desejo aos leitores do Flanar um ótimo Natal: repleto das crianças de hoje, e das que fomos: Ou somos? O Novo Ano? Bom, estendo os meus desejos de sorte e fortuna, mesmo sabendo que não dá para todos; rsrs. Acrescento grande dose de bom humor, e muita esperança: ainda que tarde! Divirtam-se.......


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Próximo!

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O urbano selvagem
Tenho a sensação de que a maioria que me atende preferia desabafar: "Não estou aqui porque quero, mas porque pre-ci-so".
E quanto maior a cidade, mais indiferente fica o morador. Como uma defesa. Mais indiferente a problemas que "não são da minha esfera". Como há milhões circulando diariamente, se você reclama atenção exclusiva num guichê, uma fila de gente que aceita as regras se forma atrás. Portanto, se você acredita que há problemas no serviço oferecido, nem vem, pois quem fica do outro lado do balcão, porque pre-ci-sa, não porque adora, grita sem muita consideração: "Próximo!"
Como aprendemos na infância, a expressão precisa de um reacionário, os incomodados que se retirem.
Parece uma contradição, afinal, os sumérios inventaram as cidades, os gregos as transformaram em Estado, os romanos as aperfeiçoaram e popularizaram soluções engenhosas de engenharia para civilizar tribos e antigos aldeões selvagens. A burocracia estatal se firmou como solução para problemas criados pelo convívio em massa em espaços apertados. Problemas que não tínhamos quando morávamos em cavernas, tribos, aldeias.
No ambiente labiríntico da burocracia estatal, a relação atendente & nós é tensa, ele está lá porque pre-ci-sa e ganha direitos específicos, imunidades, uma aposentadoria infinitamente mais justa que a nossa, privilégios do monopólio e estabilidade questionada do serviço público.
Muita gente não está onde está porque quer é um paradoxo urbano com que somos obrigados a conviver - a não ser que nos mudemos de chapéu e cuia para a casa do mesmo, onde Judas perdeu as botas, para plantar batatas, bananeiras e vermos se tem alguém na esquina.
A maioria gostaria de estar numa praia, numa rede, numa ilha deserta, num resort luxuoso, ou numa rede de uma praia de um resort luxuoso de uma ilha deserta a que só se chega de navio, ou até numa espaçonave, não num balcão atendendo às queixas de sujeitos que desconhecem leis, protocolos, imprevistos.
Estou aqui, pre-ci-so deste emprego, fiz concurso, fui indicado, escuto amigavelmente suas reclamações despropositais, para apontar com toda paciência e precisão o guichê correto, documento que falta, formulário a ser preenchido. E chego em casa afônico de tanto: "Próximo!"
No metrô, instalaram novas, como chamam aquilo, catracas? Mas não fazem "cá-tra-cá" quando acionadas. São duas lâminas de vidro verticais muito ameaçadoras, nada onomatopeicas. O sujeito enfia o bilhete. Elas abrem. Se não passar rápido, elas fecham, como uma tesoura, cortam você em dois. Não fazem "cá-tra-cá", mas "vupt". Intimidação que começa na entrada. "Tente me enganar, que te quebro!" O vupt pode virar crau!
Hora do rush. Depois de ultrapassarmos dentes afiados que excluem não pagantes, descemos pelo esôfago do transporte nada acolhedor, nos apertamos na plataforma até chegar nosso trem, o duodeno. Com movimentos peristálticos, viajamos pelos canais do intestino delgado, baldeação para o grosso, para sairmos do outro lado, noutra estação, no orifício de outro bairro, passando pelo esfíncter que dessa vez parece mais amigável e faz um vupt suave como um pum.  Andar e ser tratado diariamente como um toco de fezes deixa qualquer um abominavelmente selvagem.  Como em Londres, que tem o notório "mind the gap" (atente ao vão), o sistema de som dos metrôs daqui deveria, entre um quarteto de Mozart e uma ária de Bach, nos acalmar com uma voz doce, frases positivas e de cunho social, "quem espera sempre alcança", "seja justo e dê passagem", "calma, você vai chegar em tempo", "feche os olhos e pense numa rede de uma praia duma ilha deserta", "conte até dez, respire fundo", "acabamos de ouvir Concerto de Brandenburgo, allegro".
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Marcelo Rubens Paiva

Cérebro e alfabetização

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O que diriam os neurocientistas e estudiosos da Ciência Cognitiva da Leitura se o Ministério da Educação (MEC) lhes pedisse para opinarem sobre o recém-lançado programa Alfabetização na Idade Certa? Embora essa parcela da comunidade científica não tenha sido convidada a opinar, é justo que a sociedade saiba o que a ciência do cérebro tem a dizer sobre essa questão.
O maior problema, parece-nos, reside na definição e, no caso em questão, na falta dela. O que é alfabetizar? No sentido etimológico, é ensinar o alfabeto. No psicológico, apropriar-se das regras de funcionamento do código alfabético. E, no neurológico, ensinar o cérebro a ler, a estabelecer as conexões entre fonemas e grafemas de forma consistente com o respectivo código da cada língua.
A clareza da definição permite avançar. Sua falta prejudica todo o resto. O conceito é de Aristóteles. Em nenhum documento do referido programa existe uma definição de alfabetização, que é, neste caso, confundida com várias outras coisas.
Uma das confusões está na compreensão dos textos. Em A Arte de Ler, publicado em 1994 pela Universidade de São Paulo (USP), o professor José Morais, da Universidade de Bruxelas, já fazia com clareza a distinção entre ler e compreender. A neurociência comprova que indivíduos são capazes de ler sem compreender, o que demonstra a especificidade dessa aprendizagem. E aí reside a raiz dos demais problemas desse programa. Há mais de 30 anos os psicólogos que estudam a alfabetização vêm demonstrando que as dificuldades de compreensão são independentes das da leitura: quem tem dificuldade de compreensão oral também tem de entender o que lê. Os problemas são diferentes.
A recíproca - compreender sem ler - é verdadeira, mas é mais óbvia. No caso do programa governamental, fala-se não apenas numa capacidade não definida de compreensão de textos, mas também aí se incluem conhecimentos matemáticos. Falar em alfabetização matemática pode ser até uma metáfora interessante, mas só seria útil se ajudasse a reforçar o sentido próprio da palavra alfabetização, e não para confundir o País.
A falta de clareza na definição da alfabetização leva a outros problemas. Sem ela não é possível especificar as competências necessárias para ensinar o cérebro a aprender a ler. Se consultada, a comunidade científica certamente poderia contribuir com seus conhecimentos acumulados por meio de estudos de laboratório, experimentais e empíricos e cujos resultados apresentam elevado grau de convergência.
A comunidade acadêmica poderia ter apresentado as conclusões convergentes dos achados acumulados a respeito da importância dos métodos na alfabetização, inclusive explicando que os fônicos são mais eficazes não apenas porque há evidências empíricas sobre isso, mas porque eles são consistentes com a forma de funcionamento do cérebro.
Os especialistas também diriam que os métodos de alfabetização propostos pelo MEC, que preconizam o contexto, tiram o foco do objeto da aprendizagem e criam sobrecarga cognitiva, prejudicando não apenas a aprendizagem da leitura, mas, posteriormente, a capacidade de compreensão.
Não paira dúvida sobre a importância de desenvolver competências de fluência de leitura como parte integrante do processo da alfabetização. Leitura fluente está fortemente associada ao domínio prévio das competências de decodificação e seu desenvolvimento depende dos tipos e gradação de textos e das técnicas de exposição repetida e espaçada. Fluência de leitura, isto é, a capacidade de reconhecimento de palavras independentemente do contexto, é uma das marcas que melhor diferenciam os bons dos maus leitores. Nada disso consta das propostas do MEC nem dos materiais que oferece.
Também caberia a cientistas e pesquisadores nas áreas aplicadas opinar sobre programas de ensino, materiais didáticos ou até mesmo quanto à idade mais propícia para ensinar o cérebro a ler. Se consultados, poderiam dizer, com confiança e segurança, que as habilidades fonológicas afloram e se desenvolvem ao longo dos anos que precedem a escolarização formal, por volta dos 4 e 5 anos de idade. E que aos 6 anos as crianças, em sua esmagadora maioria, já possuem todas as condições necessárias e suficientes para se alfabetizarem.
Estudos rigorosos também demonstram os efeitos negativos sobre aqueles que não se alfabetizam na idade certa. E estudos comparativos mostram que, mesmo em países em que o código alfabético é mais opaco do que o nosso, as crianças se alfabetizam nessa idade.
Assim, uma política de alfabetização que levasse em conta as evidências científicas, ao invés de retardar o processo de alfabetização, delegaria às pré-escolas importantes responsabilidades no desenvolvimento dessas competências, bem como no conhecimento das letras e suas formas.
Se consultados, os estudiosos da matéria teriam igualmente algo fundamentado a dizer a respeito de como devem ser os materiais adequados para ensinar a ler, e que muito diferem do que é oferecido nos livros e cartilhas de alfabetização aprovados pelo MEC.
Infelizmente, o governo federal não julga importante ouvir os que efetivamente dominam essa matéria. Prefere buscar o consenso entre aqueles que, embora militem na área de educação, não participam nem compartilham os critérios acadêmicos adotados pela comunidade internacional.
Conhecimento científico, mesmo quando bem fundamentado, não leva por si só a promover virtudes cívicas, bons comportamentos ou políticas virtuosas. De pouco valem os estudiosos do cérebro, se o cérebro de quem decide prefere ignorar ou desprezar as suas contribuições. Mas o desconhecimento e o desprezo pelo conhecimento certamente deixa vítimas. Os resultados da educação brasileira estão aí como prova.
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Palavras

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Levo as palavras a sério: como uma militante. Escuto? Sim! Mais do que desejaria. E levo as palavras a sério: sou guerrilheira. Sei que exagero; sei que me protejo; sei que faço delas, trincheiras. E como mulheres não usariam das palavras como armas? Faltam-nos músculos? Coragem?  Não creio! Prefiro pensar  como Caetano Veloso - Você diz a verdade, a verdade é seu dom de iludir. Como pode querer que a mulher vá viver sem mentir? - Vivendo o mundo cultivado pelas rudes palavras masculinas: -  É compreensível o discurso feminino do "todos e todas"; e a disputa palmo a palmo pelos espaços das palavras. Entre nós e as coisas: palavras. Eu reconheço o meu exagerado apreço por elas. E não sou psicanalista para deixá-las fluir livremente no arroubo de explicar quem sou, o que sou, e o que faço. Não! As palavras são a sincera projeção do meu desequilíbrio e da minha insensatez. Paciência; meios termos são divinos: mas eis que divindade sou! Daí? Palavras são armas, conquistam territórios, desmantelam nações. Delas não me protejo. Nem as temo. Temo o hiato corriqueiro da falsa alegria, e das tolas temperanças, douradas em  palavras. Temo as palavras que organizam o mundo em perfeito equilíbrio e placidez: o advogado e o impostor. Temo a palavra administrada, que põe em ordem o caos, e enaltece os poderosos. Temo a palavra coringa e sedutora: do jogador no ato de blefar. Sou guerrilheira: palavras são armas.


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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Tempo rei.

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Pensando sobre os seres comuns como Eu e duas questões vem à tona. A primeira que emerge diz-me que a mudança dos tempos, dos anos, dos meses: estão mais rápidas. Depois, a segunda, diz-me que são problemas da reflexão que acontece por que o mundo é mundo; o diabo é o diabo; e as coisas continuam mundanas. De qualquer foma, diz-me - a tal reflexão - que isto é o produto dos fatos: Existe meios de comunicação, tecnologias da comunicação e falta de comunicação: entre os seres, e destes com as coisas! Pois bem; como ser comum digo que os tempos estão voando..... Tempos mais do que tresloucados - ou apenas loucos? -; tempos de velocidade pura; fatal; boçal; esnobe! Tempo rei.



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Para se ler no ritmo da chuva



“Uma nuvem mais pesada de chuva cresceu no céu. É chover. É chover, Cachoeira fica encharcada e ele encharcado com esta doença do osso, da alma, já no outro mundo. Os campos da Cachoeira vinham de longe olhar as casa da beira do rio, com desejo de partir com aquelas águas. Quando chovia, mesmo verão, quanta chuva grande, os campos ficavam alagados. Eutanázio gostava um bocado de passear pelos campos. De atravessar os campos para chegar à casa de seu Cristovão que ficava na ponta da rua para os lavrados. Às vezes para ver Irene chegava com a roupa escorrendo, os cabelos pin­gando. Irene ria... “
Dalcídio Jurandir em: “Chove nos campos de Cachoeira.”


É o tempo “dela”, costuma dizer o paraense quando o inverno amazônico chega sem dar trela. Nessa estação de chuvas carregadas e nuvens turvas, qualquer local friozinho onde se ouve ou sente os respingos “dela” é um bom lugar para se ler um livro. Não digo pelo dito de Djavan (“Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro...”), mas por sentir que o frescor da chuva é um tempero azeitado para se harmonizar com a leitura, da mesma forma que se harmonizam prato e vinho - ou vice-versa.

Para esse novo ingrediente neuroquímico, leitura e chuva, tive a seguinte idéia: toda vez que chover neste inverno abrirei as páginas de um livro. Não um livro qualquer, mas “Chove nos campos de Cachoeira”, de Dalcídio Jurandir (reeditado em 2011, pois andou fora de catálogo desde 1976). Assim que acabar a chuvarada jejuarei da leitura e retornarei ao trabalho ou Blog, até que nuvens ressurjam em seus 256 tons de cinza e anunciem outra borrifada.

Nas primeiras chuvas das primeiras páginas do livro, a premiada obra recita um aguaceiro daqueles (epígrafe acima). Nas páginas seguintes se percebe os tradicionais burburinhos da tarde e céu claro. Depois volta o aguaceiro. Entre um pingo mais forte e outro mais fraco tem-se a impressão que Dalcídio escrevia sentado, acompanhando o ritmo das águas: ou por uma janela entreaberta, ou entre as gretas da casa de madeira ou ainda ouvindo o tilintar “dela” no telhado. Por isso  a ideia de ler a obra acompanhando a ambientação do autor.

É fato que levarei alguns meses nessa valsa. Em ritmo de aconchego com a natureza dalcidiana, me espicharei numa rede de varanda defronte para a baia, e lerei como se estivesse em Ponta de Pedras, terra do autor. Pretendo terminar a leitura quando as chuvas findarem, lá para março ou abril. Como gasto cerca de três minutos para ler cada página, 735 minutos de chuva seriam suficientes para ler toda a obra, composta de 245 páginas. Isso equivale a doze horas e 15 minutos de viagem literária pelos campos marajoaras, entre búfalos e cavalos baios. Nada mal. Vale chuva forte, vale chuvisco, vale alagado. O importante é djavaniar, ou melhor, com chuva é: dalcidiar.