terça-feira, 21 de abril de 2015

Façam suas apostas!

Marcha inicia de costas para o monumento a Roca. Foto Erika Morhy

Em uma histórica concentração de centenas de pessoas capitaneadas pela 1ª Marcha de Mulheres Indígenas pelo Bem Viver, na Cidade Autônoma de Buenos Aires, ficou para trás o monumento em homenagem ao polêmico Julio Argentino Roca. Quem vê as notas de cem pesos que ainda circulam na Argentina talvez não tenha ideia dos motivos de povos originários rechaçarem tanto quem foi duas vezes presidente do país, ministro, senador e, sobretudo, o militar responsável por batalhas sangrentas em territórios patagônicos onde habitavam indígenas.

O calor era de outono e por isso talvez não tenha pesado tanto sobre os ombros de quem fez o percurso até o Congresso Nacional no início da tarde desta terça-feira (21). A dirigente mapuche Moira Millán lembra que, desde a segunda metade do século XIX, quando Roca comandou invasões a territórios indígenas e mulheres e crianças que sobreviveram foram distribuídas entre famílias como restos de guerra, populações inteiras continuam a ser massacradas. Ainda que não seja a ferro e fogo, a pressão e a pilhagem contra as nações permanece pela exploração econômica fulminante dos recursos naturais, base da cultura dos povos originários. Moira reitera que atualmente estão de pé 36 nações indígenas, de norte a sul do país.

Várias crianças fizeram parte da manifestação indígena. Foto: Erika Morhy

A tensão entre divergentes permanece, ainda que com outras estratégicas e táticas. As primeiras incursões de Roca à Patagônia eram compostas de militares, para o domínio pela força bruta; de sacerdotes, para o domínio ideológico; e cientistas, para a garantia da qualidade da terra. Desta vez, são indígenas que chegam aos domínios do capital. Chegam de mãos dadas a referentes de causas dos direitos humanos, como Nora de Cortiñas, presidente da organização Mães da Praça de Maio – Linha Fundadora.

Moira Millán anima a marcha ao lado de Nora de Cortiñas. Foto: Erika Morhy

As mulheres indígenas chegam e chegam semanas antes de disputas internas de alguns partidos e num ano onde reinam as negociatas em prol das eleições. Desafiam que cada um mostre a que interesses servem e se têm agora a coragem da aprovar o projeto de lei que elas propõem, a fim de criar o Conselho das Mulheres Indígenas.

Congresso Nacional recebe indígenas e suas bandeiras multicoloridas. Foto: Erika Morhy


Tudo tão semelhante ao Brasil...
Façam suas apostas!

sábado, 18 de abril de 2015

Entre Guamá e o mosteiro de Santa Luzia, um transplante no meio do caminho

Falamos para nos vermos,
para nos ouvirmos, 
para sermos instante e infinito
Abel Sidney, poeta

Estávamos escorados na sombra do mundo, sob a aba de um Jatobá, quando ouvimos o chamado do tio: abandonar aquela vida interiorana e ganhar a imensidão da capital. Justificou que a infância tinha findado e já era tempo de estudo na cidade grande. Não poderíamos ficar mais ali a ver barquinhos, sabendo desse tio que morava em Belém e que estaria disposto a nos albergar por uns tempos, até tomarmos o próprio rumo e passarmos a ver navios.

Pegamos ônibus de Ji-Paraná até Porto Velho, varando a floresta. Lá amanhecemos, fomos para um hotel de trânsito do Basa, descansamos, almoçamos e depois pegamos um DC-3 até Manaus e pousar em Val-de-Cans, ao anoitecer. Tudo numa cipoada só.

No aeroporto tratamos logo de selar amizade com Juarez, hoje anestesiologista, moço que carregava simplicidade e compaixão de doer o dedo mindinho de Cristo. A partir dali nos apresentou para uma patota do Jardim Ipiranga e tudo virou festa, principalmente quando o assunto era futebol.

Depois dessa primeira turma de amigos, outra que marcou foi a da faculdade de Medicina, de 1982-87, que só acabou quando viajei de vez para o Rio de Janeiro.

Desta fase lembro, ainda no ônibus, a descida no Guamá. No caminho me esbarrava com a Anete (que abandonou o curso), Marília, Julinha e tantos outros que a memória definhou e me passou sarrafo. Junto íamos regando amizades como se regássemos crisântemos. Depois dos dois primeiros anos começamos a frequentar o “mosteiro” de Santa Luzia e a Santa Casa, e a relação ficou mais prazerosa até o sexto ano.

Na biblioteca, em torno da cantina ou nas salas do Matadouro buscávamos a pedra filosofal escondida nos segredos hipocráticos, entre as paredes da faculdade. Max, Zé Pedro, João Carlos, Raynaud, Sergio Lima e Humberto foram meus maiores parceiros de livro, mas sempre que podíamos, entre uma aula e outra, programávamos os feriados - desde que o toc-toc das provas não reverberasse na porta da segunda-feira.

Também colecionamos diversas histórias, como por exemplo, o convívio com o jubilado Fernando Arara, que chegava com aquele violão empenado e uma gaita enferrujada cantando Blowing in the Wind, no mesmo tom e harmonia de Bob Dylan. Ainda tinha o Felipe e o Peruquinha, figuras que destoavam no liceu, mas que carregavam paz no fundo de suas retinas.

Mas o que nos fortificou mesmo foi o final, depois daquela noite no teatro da Paz, quando entoamos “Rosa de Hiroshima” e nos despedimos do Prof. Camilo Viana. Depois vieram reencontros, lembranças das greves, abertura política e “diretas já” com Fafá de Belém, Tancredo Neves e todos cantando “Coração de Estudante” pelas soleiras da Generalíssimo.

Hoje somos cinquentões e 1987 ficou na estrada do sentimento amarrado na cordoalha tendinosa daqueles tempos idos. Alguns ficaram pelo caminho e abandonaram o curso, como o Zeca Pimentel e a Anete, outros foram forçados precocemente a ir pro segundo andar, como a Claudia Abe, Haroldo e o Altair.

Afora as avarias do tempo, estamos muito bem vivos e sempre nos encontrando nos embalos das redes sociais. Neste fim de semana, por exemplo, a Fátima resolveu comemorar seus cinquenta tons de vida e convidou a turma. A presença foi massiva. Alguns vieram de longe, como o Mário Rubens e Socorro “Help” Amoras (SP) e Sued (MG). O outro bando foi daqui mesmo. A Fátima, que dia desses recebeu uma medula óssea por transplante, merecia comemorar com essa turma que, durante o tratamento, fez figa e orava na basílica de Nazaré, para que, com muita fé, ela voltasse a viver e nos encontrar... E voltou... e nos reencontrou.

Vez por outra vou ao velho casarão de Santa Luzia e sempre me vem uma passagem machadiana: “Lá não via ninguém, mas é certo que a sala [de aula] estava cheia de espíritos, repimpados em cadeiras abstratas”.
Labareda, do bando de Corisco

Há um lugar de onde não se volta

Sua forma de ser obedece sua origem humilde. Esta palavra, meditei muito para dizer. Inclusive eu a tinha escrito. Tirei. Voltei a escrevê-la. Tirei de novo. Por fim, deixei – Raúl Castro, presidente de Cuba, referindo-se à Barack Obama, dos EUA. Depois dessas palavras, Castro teve um acesso de tosse.

Enquanto indígenas lembram a parlamentares que seus direitos estão sendo violados. Enquanto militantes partidários reclamam a falta de uma justiça equilibrada. Enquanto trabalhadores exigem um tratamento decente por parte de seus patrões. Não mais nem menos importante que os brasileiros e seus ideais, dirigentes de países da América e Caribe exercitam colocar os pingos nos is, como se pode ver, nos dias 10 e 11 de abril, durante a VII Cúpula das Américas, realizada no Panamá.

Eu sinto muito, na verdade lamento profundamente que não seja possível a qualquer cidadão ter acesso à íntegra de reuniões como essas, onde ficam também muito claros os motivos de cenários do nosso combalido cotidiano. A mídia ainda nos deve essa.

Modestamente, posso dizer então que me sinto privilegiada por, minimamente, ter acompanhado parte dessa agenda, ao vivo, da sala de casa. E depois recuperar, pela internet, momentos da agenda que havia perdido. Revi alguns. Consegui escutar o discurso de pelo menos dez presidentes na plenária. Eram em torno de 20, pelas minhas contas. Triste foi ver algumas das repercussões midiáticas. Seletividade mais asquerosa.

Claro que achei ótimo que o presidente Raúl Castro pudesse levantar a bandeira de Cuba pela primeira vez na cúpula. Uma etapa da história que a nação conquistou depois de muitas décadas de luta frente aos que se supõem donos do mundo. E apesar de reconhecer a relevância da aproximação pacífica com os Estados Unidos, não titubeou em fazer as críticas devidas. E elas foram onipresentes. Saíram de quase todos os lados em uma só direção. E isto me regozijou, sim.

Enquanto Raúl Castro falava, por cerca de 50 minutos, Barack Obama, no cume de sua soberbia, mascava chiclete e folheava uma brochura. “Uma coisa é estabelecer relações diplomáticas e outra, é o bloqueio”. Muitas águas ainda vão rolar nessa pauta que virou a menina dos olhos da imprensa internacional.

Na véspera da plenária, o presidente Nicolás Maduro visitou El Chorrillo, bairro panamenho sacrificado pelos testes bélicos dos EUA, em 1989. O sangue já foi derramado e a única manifestação do mandatário norte-americano à época foi dizer que não sabia que o bairro era invisível aos seus radares... Uma aberração. Desculpem ter que contar isso pra vocês. Eu sei que faz um mal danado pro fígado.

E é justamente a Venezuela que agora está na mira dos EUA. Como disse Raúl Castro, passa pelo mesmo que Cuba passou, ou quase o mesmo. Para Evo Morales, presidente da Bolívia, se os Estados Unidos têm tanto poder, poderiam aceitar liderar um processo de paz no continente, ao invés de promover mais atritos nas relações entre os países. Particularmente, não sei se Obama tem interesse. Chegou a oferecer ajuda a Cuba, quando deveria ressarcir os cubanos, como bem disse Evo. Sinal de que continua vendo à sua volta apenas súditos.

Maduro foi incisivo, como não podia deixar de ser: Nunca bombardeamos, nem assassinamos nenhum povo do mundo, por isso temos orgulho de nossa história! Mais um contra-ataque à Obama, que, de tanto ouvir sobre a vilania provocada por seus antecessores e por ele mesmo, chegou a dizer que não queria saber da história, que lhe importava o futuro. Agora encho a boca pra dizer: levou um baile de todos os seguintes mandatários por esse desapreço que manifestou pela história.

Rafael Correa, do Equador, Tabaré Vázquez, do Uruguai, Dilma Rousseff, do Brasil. Estes também partiram pra cima do Obama, contra o decreto do Executivo aprovado no último dia 9 de março, que considera a Venezuela um país ameaçador para os norte-americanos. Mas devo admitir que bonito mesmo foi o discurso de Cristina Kirchner.

Como os demais presidentes, a da Argentina não se limitou a apoiar Maduro. Começou dizendo que era preciso haver sinceridade naquele encontro, ou seriam necessários milhares de outros e não se chegaria a lugar algum. E neste momento começou a questionar, afinada às pautas elencadas pelo próprio evento, o narcotráfico e sua relação de sobrevivência. Cristina enfatizou que este não era um problema apenas dos países consumidores, porque não são esses exatamente os mesmos países que produzem as drogas. Onde se lava o dinheiro do narcotráfico?, perguntou. Concluiu afirmando que é na América Latina que ficam amontoados os mortos e as armas.

Cristina destacou ainda que, assim como Venezuela não é ameaça alguma para EUA, Argentina tampouco o é para a Inglaterra, esta que faz questão, há décadas, de ter seu quinhão na América Latina, tendo domínio sobre as ilhas Malvinas.

Devo concordar com a peronista: há um lugar de onde não se volta, e este lugar é o ridículo.

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Quem compreende espanhol, pode assistir cada discurso e ver uma série de matérias pela internet. Agências como RT e TeleSur dispõem os vídeos integralmente.

Deixo este link pra tentar facilitar a busca.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Um silêncio que reverbera as palavras

Não lembro quando ouvi falar, pela primeira vez, de Eduardo Galeano. Faz tempo... O fato é que nutro por ele uma admiração e um respeito desmedidos, pela sua sabedoria, coragem e dedicação aos direitos humanos. Sim, pra mim, cada letra que escreve e palavra que profere estão prenhas de desejo por justiça, com um apuradíssimo olhar sobre a encantadora e, tantas vezes, vergonhosa América Latina.

No dia de hoje, 13 de abril de 2015, quando é anunciada sua morte, busco na obra Los Hijos de Los Días, de 2012 (Siglo Veitiuno Editores) sua anotação sobre um 13 abril, e a transcrevo aqui, como minha homenagem a quem tanto contribuiu para refletirmos sobre a importância da memória e dos excluídos.

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No supimos verte

En el año 2009, en el atrio del convento de Maní de Yucatán, cuarenta y dos frailes franciscanos cumplieron una ceremonia de desagravio a la cultura indígena:

- Pedimos perdón al pueblo maya, por no haber entendido su cosmovisión, su religión, por negar sus divinidades; por no haber respetado su cultura, por haberle impuesto durante muchos siglos una religión que no entendían, por haber satanizado sus prácticas religiosas y por haber dicho y escrito que eran obra del Demonio y que sus ídolos eran el mismo Santanás materializado.
Cuatro siglos y medio antes, en ese mismo lugar, otro fraile franciscano, Diego de Landa, había quemado los libros mayas, que guardaban ocho siglos de memoria colectiva.

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Vários presidentes latino-americanos tentaram explicar isso a Barack Obama na recente Cúpula das Américas, no Panamá. Aliás, a lição foi enfatizada por um indígena, Evo Morales, que reiterou ao yankee que ele não tinha que oferecer ajuda a Cuba, como disse a Raúl Castro, na ocasião. Obama tinha que ressarcir Cuba. Mas, como aqueles citados franciscanos, Obama também não soube ver; disse que não lhe importa o passado, o que lhe importa é o futuro. E assim demonstra que nada aprendeu até agora, quando assina um decreto afirmando ser a Venezuela um país ameaçador aos Estados Unidos da América. Como disse Raúl Castro, Venezuela vive agora quase o mesmo que viveu Cuba, pelas mãos do mesmo algoz. Sobre isto, aliás, pretendia escrever. Adio para expressar meu pesar.

Posso dizer que sou afortunada por poder acompanhar Galeano tanto por seus livros quanto pelos programas que produz e exibe no canal argentino Encuentro. Num deles, da semana passada, disse que, desde criança, gostava de livros com imagens. E que, quando não há imagens, gosta de pequenos espaços em branco, como se fossem um silêncio. Um silêncio que reverbera as palavras.

sábado, 11 de abril de 2015

Cesta do enfraseamento: "Terapia", com Abel Sidney

Poema exige, assim, ritual de deglutição lento e sem pressa, 
para que após o prazer da mastigação permaneça
algum sustento para a jornada
Abel Sidney, poeta.


Hoje Labareda faz um voo curto em seu enfraseamento e se aninha na poesia de Abel Sidney. Aconselho a lê-la como se tivesse bebendo caldo de cana tirado direto da moagem e depois sair pelas soleiras ouvindo Vinicius de Moraes num fone de ouvido estereofônico usando óculos escuros, fingindo ser rapper e sem pressa de chegar.
 


TERAPIA

A poesia, veículo e recipiente,
púlpito, espelho, travesseiro
serve para isso: terapia.

Não, não é analgésico!

Não suprime sintomas, efeitos.

É mais um buril que lavra,
insculpe, lapida, desbasta.

Nosso rosto fica mais nítido,
pois os arranjos das palavras
criam fundo, suporte, cenário
para o ato sagrado e solitário
de nos desvendarmos...

Lemos poemas alheios apenas para
criarmos nossos próprios unguentos!

Aprendemos a versejar
para que as palavras,
com o seu poder,
ganhem leveza,
força e graça.

Assim, vamos falando dos nós
a destravar dentro de nós...

Falamos da dor da timidez
que não nos deixa cometer
deslizes, atos de insensatez
para que a vergonha não
nos torture e mate...

Falamos do medo de errar,
mesmo de tentar buscar
novos rumos, por não
desejarmos nos revelar
frágeis como somos.

Falamos dos receios de
encontrar o grande amor
e ter que se arriscar a sair
para a grande aventura de
nos agasalhar um ao outro...

Falamos para nos vermos,
para nos ouvirmos, para sermos
instante e infinito.

domingo, 5 de abril de 2015

Cesta de enfraseamento: A jovem America Latina...



“Aumenta o número de mortos em San Salvador”. Era somente essa notícia que se ouvia no nanico rádio do barco de imigrantes, até que um pedaço de pedra o atingiu.

- Já estava falhando - disse um passageiro virando-se para trás procurando sua família.                                            

Outro tripulante levantou-se e seguiu em linha reta na direção da cabine do piloto. Cambaleou na direção contrária do balanço do barco e conseguiu alcançar a porta semi-aberta da cabine.

- Quanto tempo ainda falta? - Perguntou o velho de chapéu de palha rasgado na lateral.

- Não sei, meu senhor. Não é pouco tempo - respondeu friamente o piloto.

O barco era hondurenho, e navegava pela costa atlântica de Honduras. Foram dias e dias, semanas e semanas de exaustão dos passageiros salvadorenhos. Suas casas rodeadas por soldados lhe pareciam mais confortável que aquele barco emprestado. Não tinham roupa suficiente para todos os dias, por isso, ou vestiam as usadas ou trocavam com outros passageiros.

Foram se aproximando da costa brasileira e já podiam enxergar a terra, mas não distingui-la plenamente...(*)

O texto acima é parte de uma obra fictícia e totalmente desconhecida da mídia que retrata a guerra civil de El Salvador (1980-1992), porém traduz claramente o thriller da America que vive seus desvarios desde quando o espanhol marcou com suas botas as areias do Caribe.

Quem vai à Espanha e visita Barcelona, às margens do Mediterrâneo, vê, no final da Ramblas, a estátua de Cristovão Colombo apontando para determinado destino. Se consultarem o GPS, ou mesmo a velha bússola, perceberão que aquele dedo aponta para o “Novo Mundo”, a América. “Mas ninguém suspeitava que o mundo seria, logo, assombrosamente acrescido por uma vasta terra nova”, recitou Eduardo Galeano em sua obra “As veias abertas da América Latina”.

Ao se lançar à travessia desse grande vazio geográfico para transformar sonho em realidade, Colombo e suas naus enfrentariam tempestades terríveis que arremessariam aquele mundo na bocarra do capitalismo selvagem europeu.

De fato, a boiúna dos mares tenebrosos, à espreita de sua próxima vítima, estava ávida por carne humana, e a América deixava suas veias abertas e o fígado exposto ao europeu sedento e faminto.

Depois vieram os navegantes portugueses ao assegurarem que os ventos ao sul do equador traziam além de muita terra e pau-brasil, matéria-prima e pedras preciosas para a sobrevivência e luxo da coroa. Surrupiaram a terra sem deixar qualquer legado político.

Na América do Norte, no entanto, a maturidade política os libertou muito cedo das amarras inglesas, e começaram a ditar nova ordem na América latina, que apesar de ter certidão registrada em cartório, nome e passión, não tinha alma e epiderme.

A América latina cresceu feito rabo de cavalo, para baixo, explodindo em guerras civis, expandindo o narcotráfico e a corruptela política. Seguimos sem olhar para o próprio rabo e colocando culpa no fantasma do imperialismo do tio Sam. Já se passaram 500 e ainda nos faltam, com poucas excessões, uma carrada de cem anos para que alcancemos a maturidade política e abandonemos essa Macondo solitária de todos os fãs de Gabo.

E eis que quando definitivamente nos libertaríamos da última guerra civil, a de El Salvador, e do embargo a Cuba, nasce, a fórceps, a ideologia - “dizque” - bolivariana, para atolar definitivamente o galope latino.

Se à Venezuela já falta papel higiênico nos supermercados para limpar as beiradas, como estará o centro intelectual desse país, em plena crise? Já Cuba lança-se ao encontro do gigante, e passa a chave da prisão a Simon Bolívar exumado, que se afoga na solidão da ditadura latina. 
(*)"Victor Rivera", de João Pedro Normando, 2011 (produção independente).