“Aumenta o número de mortos em San Salvador”. Era
somente essa notícia que se ouvia no nanico rádio do barco de imigrantes, até
que um pedaço de pedra o atingiu.
- Já estava falhando - disse um passageiro
virando-se para trás procurando sua família.
Outro tripulante levantou-se e seguiu em linha
reta na direção da cabine do piloto. Cambaleou na direção contrária do balanço
do barco e conseguiu alcançar a porta semi-aberta da cabine.
- Quanto tempo ainda falta? - Perguntou o
velho de chapéu de palha rasgado na lateral.
- Não sei,
meu senhor. Não é pouco tempo - respondeu friamente o piloto.
O
barco era hondurenho, e navegava pela costa atlântica de Honduras. Foram dias e
dias, semanas e semanas de exaustão dos passageiros salvadorenhos. Suas casas
rodeadas por soldados lhe pareciam mais confortável que aquele barco
emprestado. Não tinham roupa suficiente para todos os dias, por isso, ou
vestiam as usadas ou trocavam com outros passageiros.
Foram se
aproximando da costa brasileira e já podiam enxergar a terra, mas não
distingui-la plenamente...(*)
O texto acima é parte de uma obra fictícia e totalmente
desconhecida da mídia que retrata a guerra civil de El Salvador (1980-1992), porém
traduz claramente o thriller da America que vive seus desvarios desde quando o
espanhol marcou com suas botas as areias do Caribe.
Quem vai à Espanha e visita Barcelona,
às margens do Mediterrâneo, vê, no final da Ramblas, a estátua de Cristovão
Colombo apontando para determinado destino. Se consultarem o GPS, ou mesmo a
velha bússola, perceberão que aquele dedo aponta para o “Novo Mundo”, a
América. “Mas ninguém suspeitava que o mundo
seria, logo, assombrosamente acrescido por uma vasta terra nova”, recitou
Eduardo Galeano em sua obra “As veias abertas da América Latina”.
Ao se lançar à travessia desse grande vazio
geográfico para transformar sonho em realidade, Colombo e suas naus
enfrentariam tempestades terríveis que arremessariam aquele mundo na bocarra do
capitalismo selvagem europeu.
De fato, a boiúna dos mares tenebrosos,
à espreita de sua próxima vítima, estava ávida por carne humana, e a América
deixava suas veias abertas e o fígado exposto ao europeu sedento e faminto.
Depois vieram os navegantes portugueses ao assegurarem
que os ventos ao sul do equador traziam além de muita terra e pau-brasil, matéria-prima
e pedras preciosas para a sobrevivência e luxo da coroa. Surrupiaram a terra sem
deixar qualquer legado político.
Na América do Norte, no entanto, a maturidade política
os libertou muito cedo das amarras inglesas, e começaram a ditar nova ordem na
América latina, que apesar de ter certidão registrada em cartório, nome e passión, não tinha alma e epiderme.
A América latina cresceu feito rabo de cavalo,
para baixo, explodindo em guerras civis, expandindo o narcotráfico e a corruptela
política. Seguimos sem olhar para o próprio rabo e colocando culpa no fantasma
do imperialismo do tio Sam. Já se passaram 500 e ainda nos faltam, com poucas
excessões, uma carrada de cem anos para que alcancemos
a maturidade política e abandonemos essa Macondo solitária de todos os fãs de Gabo.
E eis que quando definitivamente
nos libertaríamos da última guerra civil, a de El Salvador, e do embargo a
Cuba, nasce, a fórceps, a ideologia - “dizque” - bolivariana, para atolar
definitivamente o galope latino.
Se à Venezuela já
falta papel higiênico nos supermercados para limpar as beiradas, como estará o centro
intelectual desse país, em plena crise? Já Cuba lança-se ao encontro do gigante,
e passa a chave da prisão a Simon Bolívar exumado, que se afoga na solidão da ditadura latina.
(*)"Victor Rivera", de João Pedro Normando, 2011 (produção independente).
(*)"Victor Rivera", de João Pedro Normando, 2011 (produção independente).
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