segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Benedito Nunes em: “A Rosa o que é de Rosa”

O romance é um organismo vivo...
Benedito Nunes, em: “A Rosa o que é de Rosa. Literatura e filosofia em Guimarães Rosa”

Quando me enveredei por “Grande sertão: veredas” (Guimarães Rosa, 1957) vivia a árdua missão de escrever um livro médico. Levei dois anos encarapuçado de escritor. Na ilharga das ideias guardava as palavras rosianas no mesmo ritmo daquelas 501 páginas que me renderam algumas láureas científicas.
Enquanto escrevia, lia Guimarães no descanso de tela do computador ou quando me acocorava no banheiro em busca, tal como Proust, de um tempo perdido. E nesse período não trabalhei menos e nem deixei de dar aulas. Eu vivia, para acalmar o aperreio de escritor, uma paixão inebriante por Guimarães Rosa por se tratar de uma linguagem voraz, inventiva, que irrompia com o tradicional escolástico. Isso desopilava meus neurônios e me deixava mais à vontade para escrever aquele livro.
Desde então tudo que existe sobre Guimarães Rosa eu compro, leio e guardo; releio e guardo; ouço e guardo. Até um dicionário já comprei. Livro de suas correspondências: já comprei. Fotografias: já comprei. Discos: já comprei. E venho colecionando Guimarães desde então. Já até me apelidam de Guimarães Roger.
E foi Rosa quem me impulsionou a conhecer o filósofo paraense Benedito Nunes, que já se encontra no segundo andar desde 2011. Certa vez havia lido que, aos sábados, ele fazia leituras filosóficas de Guimarães lá pelas quebradas da BR, num templo católico. Fui bater lá. Era aos sábados. Benedito se debruçava sobre a estética de “Grande Sertão”. Encantava-me sua interpretação. Bené idolatrava o jagunço Riobaldo – e eu também. Esse encontro me levava a uma reflexão dialética sobre o que eu estava lendo e sobre o que eu escrevia sobre cirurgia. Acabou que, remando com Guimarães Rosa, citei-o em alguns capítulos “travosos”, tipo assim: “E até respirar custa dor, e nenhum sossego não se tem”. Esta é a epígrafe do capítulo Fraturas de costelas.
As reflexões filosóficas de Benedito Nunes ficaram na lembrança pelo modo como ele virava do avesso aquela obra e me fazia entender aquele sertão-mundo no mesmo compasso do Sertão-Mancha de Cervantes e do Sertão-Dublin de Joyce.
Só que, a cada inverno amazônico, as enxurradas lavavam minha lembrança daqueles encontros de sábado e avivava o arrependimento de não ter documentado aquele momento. Fez-me doer as costelas. O tempo pui o fio da memória e a oxida a cada chuva – digo. 
Segui arrependido por todo aquele tempo ido, até que fui passar o Natal lá pelas quebradas dos Geraes - como se referia Guimarães Rosa ao seu torrão -, e, perpassando pelas livrarias do aeroporto Val-de-Cans encontro o tesouro perdido: “A Rosa o que é de Rosa” (Rio de Janeiro, DIFEL, 2013). Alguém resolvera recolher os pensamentos filosóficos de Benedito Nunes e escrever sobre a relação fenomenológica dele com o Jagunço Riobaldo. É claro que comprei sem perguntar o preço. Guimarães Rosa não tem preço e Benedito Nunes vale todos os cartões de créditos. E o alguém não é um alguém qualquer, é Victor Sales Pinheiro, um estudioso de Benedito Nunes. O livro é formidável e tem o mesmo ritual do premiado “A “Clave do poético”, do mesmo Victor Sales. o fascinante foi que me fez resgatar um pouco daquelas manhãs de sábado. Então despertei do vácuo de minha memória.
Segue: Em “Grande sertão: veredas” colocam-se, portanto, no mesmo nível, a ação verbal e a ação romanesca, a palavra poética e a gesta, uma produzindo a outra incessantemente, e juntas produzindo o sertão-linguagem, o sertão-mundo, cujas veredas são também caminhos da língua portuguesa.

Além da linguagem, Benedito me ensinou a entender os infinitos sertões-adentro de Guimarães Rosa. 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Para encarar 2014

"Encarar a vida pela frente... Sempre... Encarar a vida pela frente, e vê-la como ela é... Por fim, entendê-la e amá-la pelo que ela é... E depois deixá-la seguir... Sempre os anos entre nós, sempre os anos... Sempre o amor... Sempre a razão... Sempre o tempo... Sempre... As horas."
(Virginia Woolf)

Para encerrar 2013, revimos Orlando, da diretora Sally Potter, com a impecável Tilda Swinton.
Beleza pura! E assim, reli um pouco de Virginia Woolf, sempre certeira.
Essa é minha mensagem para a gente encerrar este 2013 e encarar 2014!

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Ceia imaginária


Meu pai morreu há alguns anos, e com ele o natal.
No começo eu lamentava muito a ausência do dito espírito natalino em mim, depois pouco, e hoje lamento não conseguir lamentar a falta do simbolismo contagioso de tão importante data.
Talvez as pessoas próximas nem percebam (disfarço bem, presumo), mas sequer uma minúscula árvore de natal jamais foi armada em casa desde então.
Neste natal, numa tentativa de quebrar este paradigma, árvores e ornamentos foram comprados, com muito amor e carinho inclusive, mas logo doadas a pessoas que nunca puderam ter tal luxo. Pessoas que se iluminaram com o presente recebido. Pessoas imersas no espírito do natal. O verdadeiro povo natalino.
Se a realidade ainda reúne um punhado de pessoas queridas à volta da nossa ceia, cercadas de rabanadas e petiscos mil, a utopia se encarrega de trazer à mente e à mesa os falecidos, os ausentes, os viajantes, os renegados e os esquecidos, todos queridos.
Hoje percebo, entre um sorriso e uma lágrima, que a ceia imaginária aquece o meu coração com amor e saudade.
Opto pela utopia!
Assim seja.

Jingle balls



Publicidade controversa, mas divertida !!!

Feliz Natal a todos os flanêurs!!!

sábado, 21 de dezembro de 2013

Maestro polivalente

Para encerrar o ano, nosso maestro bruxellois publica mais um video de fôlego: homem, mulher, homem... Como classificou um amigo meu: é pan, é trans, é polivalente .Com vocês, le grand Stromae!!!
PS: o verso Matte une dernière fois mon derrière, il est à côté de mes valises (olha pela última vez a minha bunda, ela está ao lado das minhas malas) é, para mim, o verso de despedida conjugal da década.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Mais do que espelhos

Quem ainda estava nos bancos escolares e universitários nos anos 80 lembra, com certeza, da coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense. Agora, a versão profundada é a série FGV de Bolso, da Editora Fundação Getúlio Vargas. Estou acabando de ler este Os Índios na História do Brasil, escrito com maestria pela professora Maria Regina Celestino de Almeida. Leitura super prazerosa, e muito mais aprofundada do que aqueles primeiros passos. O mais bacana é a atualização da visão/interpretação dos historiadores atuais  do papel e do comportamento dos primeiros e ancestrais  habitantes do Brasil no período colonial. Desmancha aquela a imagem do índio vítima, que recebia espelhos em troca das riquezas da terra recém-"descoberta". Como tudo no Brasil, "a indefinição é o regime". Tudo foi e continua a ser tudo meio lusco-fusco abaixo do Equador...
A sinopse do livro (abaixo) resume bem. Mas, arrisco dizer: Os Índios na História do Brasil é leitura obrigatória.
Este livro trata da história de índios em contato com as sociedades coloniais e pós-coloniais no Brasil. Índios que, até muito recentemente, quase não mereciam a atenção dos historiadores. O objetivo é apresentar uma revisão das leituras tradicionais sobre o tema, a partir de pesquisas recentes que têm revelado o amplo leque de possibilidades de novas interpretações sobre as trajetórias de grupos e indivíduos indígenas. É importante assinalar que essas novas leituras não resultaram apenas da descoberta de documentos inéditos, mas principalmente de novas interpretações fundamentadas em teorias e conceitos reformulados.

Caloi En Su Tinta. Salve la Virgen de Guadalupe!



Celebrada com pompa e circunstâncias, a Virgem de Guadalupe é venerada a cada 12 de dezembro, como padroeira do México. Ela me remete a muitas belezas da terra que, ao menos na tese de católicos, ela acolhe com seu manto bendito. Aguardei a data para postar um precioso vídeo animação, o Hasta Los Huesos, comentado pelo também ótimo Caloi, como ficou conhecido o humorista gráfico argentino Carlos Louiseau.

Podem buscar mais programas do cara, sob o nome Caloi En Su Tinta. Eu recomendo, se é que vale alguma coisa.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A primeira musa


Nascida e falecida em dezembro (10 e 9 respectivamente), Clarice Lispector foi a minha primeira musa na literatura.
Um de seus livros menos comentados e conhecidos (Água Viva, de 1973), grudou nos meus neurônios quando eu tinha uns 14 anos de idade e só desgrudou anos depois, quando o abandonei pela poesia. Até hoje tenho o mesmo e surrado exemplar, lido e relido até a exaustão, marcado, riscado, amassado e ... amado!
Eu só não conseguia me conformar, então, com a sua morte precoce.
Aliás, ainda não consigo.
Hoje li muitas belas homenagens para Clarice na blogosfera e no Facebook, e me senti compelido a registrar o meu fascínio pelo seu livre pensar.
Pois a primeira musa jamais se esquece.

"... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi o apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso." 
(Clarice Lispector)

Vergonha que não é alheia, é nossa! II

Do jornal Metro (edição belga em francês, de hoje 10/12/20013) que me arrisco a traduzir. 

Viajar ao Brasil durante o Mundial? Boa sorte!
Rio de Janeiro - Viajar em pleno Mundial ao Brasil corre o perigo de se tornar um calvário. Sobretudo para os "gringos" do mundo inteiro não-iniciados nas engraçadas sutilezas du transporte aéreo local.

Viajar ao Brasil não é coisa pouca. Ao sol, as estradas são arruinadas, muitas vezes em mau estado. Os trens não existem. As grandes cidades ficam rapidamente engarrafadas, consquência da falta de metrôs e da entrada em circulação de 10 mil novos carros por dia em todo o país. E não há, de verdade,  alternativa razoável ao avião para atravessar este país continente, de 200 milhões de habitantes, com aeroportos  muitas vezes obsoletos, saturados, e faltando ligações aéreas domésticas. O Brasil deverá, portanto, receber 600 mil torcedores estrangeiros durante a Copa (de 12 de junho à 13 de julho).
Um torcedor do Brasill que queira seguir a Seleção durante a fase do grupo (NT: primeira fase) não vai melhorar seu balanço (de emissão) de carbono; após a partida de abertura em São Paulo (Sudeste), ele deve voar para Fortaleza (Nordeste) a 2.370 km de distância, depois seguirá para Brasília (Centro-Oeste), a 1.700 km. Ele pode sempre optar pelo ônibus. Mas, cada viagem vai demorar, no mínimo, 24 horas. É a realidade do Brasil, um país 17 vezes maior que a Espanha. E amarrado às particularidades locais. O torcedor alemão ou japonês não pode imaginar, por exemplo, que vai poder comprar um vaga num voo doméstico pela internet com seu cartão de crédito. Pois, no momento de clicar o último quadradinho, o site da companhia aérea brasileira vai exigir  obstinadamente um número de identificação fiscal, o CPF, que só os residentes (no Brasil) são portadores.. Sem CPF, nada de ticket eletrônico. E ainda com o risco de descobrir que os voos estão lotados ou que eles custam o preço de uma ida e volta para Paris ou Miami!
O governo tenta negociar, com as companhias aéreas domésticas, um aumento de seus voos diários durante o Mundial e a implantação de novas ligações à preços acessíveis. Depois do sorteio dos grupos do Mundial na sexta, "a oferta de voos será revista", com preços mais baixos, promete um porta-voz da Associação Brasileiras de Companhias Aéreas (ABEA). A ABEA garante que as companhias brasileiras "tem a capacidade" de atender a alta demanda durante o Mundial. E julga que "não é viável", por razões de custos, a idéia de permitir as companhias aéreas estrangeiras de garantir os voos domésticos durante o Mundial.
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Recife, sua praia, suas crateras
Recife - As seleções que jogarão no Recife e seus torcedores devem rezar para que sejam melhores as condições do trajeto que liga a cidade litorânea ao estádio. Durante a Copa das Confederações, a Espanha e o Uruguai sofreram um martírio: duas horas para percorrer 30 km cheios de crateras (NT: a expressão usada em francês é nids d'elephant, algo como um ninho de elefante, uma cratera tão grande que pode ser comparado a uma cama de elefante) inundadas pela chuva torrencial, em meio à assombrosos engarrafamentos. Inquietante, então, porque  a Copa das Confederações, normalmente, serve de ensaio antes do Mundial. Até agora, a situação continua críticas. "O Brasil perdeu a oportunidade de repensar a infraestrutura das suas grandes cidades", analisa Chris Gaffney, um urbanista americano que estuda o impacto dos grande eventos esportivos.

Sobre democracias e outros penduricalhos mais

De fato, não é desprezível comemorar o fim de um regime ditatorial e o início de um estado democrático, como faz Argentina agora. Lá se foram 30 anos do que também chamam de terrorismo de estado. E os reflexos nefastos desse período perduram até hoje, literalmente, e não à toa projetos como os da lei de meios e de democratização da justiça mobilizam tanto a população do país. Por outro lado, nada mal lembrar que se repetem muitos dos crimes e violações que à época até legítimos eram.

Sempre louvo a Argentina quando se trata de recuperar suas verdades e memórias, mas principalmente por fazer justiça ao que passou a ser vergonha mundial, um modelo que o Brasil preferiu não adotar, aliás, nem a África do Sul, que optou pela reconciliação. Mas é nessa mesma Argentina que ainda se tem de proteger pessoas que buscam seus familiares e denunciam violações e que ocorrem “em plena democracia”, quando se supõe que nada disso deveria mais fazer parte do cotidiano social. Para citar dois casos, aí estão os do estudante Miguel Bru e, mais recentemente, de Marita Verón.

Ainda que nada se pareça com o que bem escreveu o genial jornalista Rodolfo Walsh em sua carta à Junta Militar, a democracia não se demonstrou a panacéia para os males de uma sociedade que se pretende justa, sem exclusões ou violações, ainda que possa ser um mal menor. São mantidas ou criadas estruturas que têm sua existência justificada no bem estar social. A policial é um exemplo, que no Brasil e na Argentina seguem feito marcha fúnebre. Elas são necessárias dentro de um estádio de futebol? Qualquer resposta é estranha e incômoda. A matéria que vi em um canal televisivo, em Buenos Aires, sobre a tragédia em Santa Catarina, uma a mais das tantas que ocorrem com algum nível de freqüência em estádios do Brasil, foi bem amena. No entanto, nenhum canal foi ameno com a greve de policiais argentinos, que, por coincidência ou não, começou junto a saques dramáticos em pelo menos 15 províncias, tendo sido desencadeados em Córdoba.

Os festejos por aqui se alinham ao Dia Internacional dos Direitos Humanos. Há um bom bocado para se refletir. Celebremos.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Schnitzler versus Freud


Para os que querem preencher o final de semana com uma literatura light, pero no mucho, aqui vai uma sugestão que certamente abalará as estruturas psíquicas de um leitor desavisado.
O livro O Retorno de Casanova, do médico austríaco Arthur Schnitzler, foi publicado em 1918, e aborda uma hipotética volta do conturbado personagem histórico Giacomo Casanova à então república de Veneza.
Velho, falido e desmoralizado, Casanova esperava tudo, menos se apaixonar. E aí então...
Para os que desconhecem o autor, Schnitzler trabalha em espelho no mesmo território psicanalítico do Dr. Sigmund Freud, escrevendo romances que parecem casos clínicos, como o famoso Breve Romance de Sonho, filmado por Stanley \Kubric em 1999 (De Olhos Bem Fechados).
Freud chegou mesmo a expressar, em carta dirigida a Schnitzler em 1922, a admiração pela sua obra.

 "Sempre que me deixo absorver profundamente por suas belas criações, parece-me encontrar, sob a superfície poética, as mesmas suposições antecipadas, os interesses e conclusões que reconheço como meus próprios. Ficou-me a impressão de que o senhor sabe por intuição – realmente, a partir de uma fina auto-observação – tudo que tenho descoberto em outras pessoas por meio de laborioso trabalho". Sigmund Freud

Bom mergulho na leitura, aos que ousarem fazê-lo!

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Dois insones num planeta insano


Ele lê Haruki Murakami, ela escuta Joan Baez.
Tic tac.
Whatsapp.
Separados pelos bairros, respiram a quarenta horas de distância.
Tic tac.
Facebook.
Imersos na insana insônia, buscam a saída.
Tic tac.
Pheed.
Será a tela do mundo uma mera aurora virtual?
Tac tic.
Game over!

Graças a Deus é segunda-feira!

domingo, 1 de dezembro de 2013

Um achado: Ni una sola Palabra de Amor


Sou fã da revista Piauí e sobretudo do site. Na seção Achados & Imperdíveis, a gente pode ver coisas realmente incríveis. Como este curta argentino  premiadíssimo, Ni uma sola Palavra de Amor (produzido em 2011).
O filme nasceu do som e não da imagem: num mercado de pulgas, o diretor, El Niño Rodriguez, achou uma fita cassete de uma velha secretária eletrônica. Nela, uma certa Maria Teresa deixou vários recados para um certo Enrique. O clima é de drama - acentuado pelo espanhol, para mim, o idioma perfeito para  situações no gênero bolero. A ideia de dar rosto à Maria Teresa ficou perfeita com os efeitos de falhas da fita cassete. Criatividade em altísimo nível. Viva o cinema argentino!  

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Há dois dias de si mesma


Não é fácil ser andróide, num mundo desumano.
Datas distorcidas, antecipadas ou retardadas,
Memórias induzidas, sentidas e desconexas,
Disfarçadas entre lágrimas e gotas de chuva.

E desse exato paradoxo nasce o amor-puzzle.
Se falta ou sobra alguma peça,
Só quebrando essa imensa e perfeita cabeça
Contra o reflexo no espelho atemporal.

Quem sabe depois de amanhã??!!...


(para Rachel, a andróide favorita)

A cultura das ervas e da ... bisbilhotice

Lala (d), Dalia e Cosmo

Flor de Manita

Tudo culpa do meu filtro, que não é o solar: duas situações me remeteram rapidamente ao Pará. Uma delas, o delicado e duro filme mexicano “Las buenas hierbas”. Outra, o projeto da ONG CoHabitarUrbano.

O filme é um mergulho na mata e na tradição do uso de ervas medicinais por famílias mexicanas. Cenas lindas e suaves em jardins familiares, onde gerações tratam de catar ervas, feito um passeio casual. Tudo tão reconhecível para os personagens como para mim. Mas nem tudo são flores. A matriarca desenvolve Alzheimer e seu proceso de perdas e ganhos coloca a filha em dilemas germinais e terminais. Até onde é possível suportar a dor alheia, especialmente quando este “alheio” é a própria mãe? Tanto desvelo e tristeza culminam no assassinato da mãe pela filha, aquele velho desejo inconsciente, segundo algumas concepções da Psicologia. A filha tem um filho pequeno que tudo vê. Ou quase tudo.

A trilha sonora de “Las buenas hierbas” é um encanto, feito encantaria. E esse é um elemento tão orgânico quanto as plantas e os personagens. Leva ao devaneio, assim como o drama nos põe com os pés bem no chão.

Impossível não lembrar dos jardins da minha casa; das idas a Quatipuru, onde minha mãe nasceu; das recomendações da minha avó e parentes. É bem verdade que sempre fui muito mais alopática do que adepta de chás para acalmar os nervoso ou de bolsa de água morna para aliviar as cólicas mensais. Mas até hoje adoro preparar meu próprio banho cheiroso. Comprar as ervas no Ver-o-Peso, macerar cada uma delas, deixá-las no tempo e me banhar com a água sempre que der vontade. E, claro, também foi inevitável ficar de bubuia, reflexiva, com a escolha entre a dor da vida ou a da morte.

Já o projeto “48 Open House BsAs” me levou até as curiosidades peculiares a tantas famílias. Aquela de saber qual aparelho de televisão novo o vizinho comprou; que móveis trocou; se tem espelho no teto do quarto. É que o projeto da ONG CoHabitarUrbano reproduz, neste final de semana, em Buenos Aires (AR), a iniciativa de fazer com que se abram ao público 60 edifícios históricos – outros nem tanto -, belos e curiosos – ou as duas coisas também, como bem descreveu o jornal Página / 12. Ou seja, qualquer cidadão vai poder bisbilhotar espaços privados e mesmo ter uma visão diferenciada da cidade, a partir da janela alheia. Achei ótima a idéia, afinal, aderiu quem topou, nenhum prédio foi obrigado a escancarar suas portas. No que vai dar essa experiencia que certamente colocará frente a frente pessoas que normalmente não compartilham os mesmos espaços? Não faço ideia, mas estou curiosa para saber. Não vou alcançar 60 prédios, mas vou fazer minha lista para bater pernas. Depois eu penso se conto tudo ao pé de ouvido ou não.

domingo, 24 de novembro de 2013

"No direction home, like a Rolling Stones"

Ontem, sem direção, fui parar no Studio Pub, ali na Presidente Pernambuco, para assistir à programação fora de meu eixo: rock. Era apresentação “cover” dos Beatles, na preliminar, e Rolling Stones na partida principal. O bom rock na veia. Encontrei alguns sessentões emocionados e muitos jovens pulando. No meio, fiquei curtindo mais os estonteantes Stones, o qual mantenho uma linha genética com o vocalista. A foto é o grupo dos Stones. 

Na realidade acho que os garotos levam muito jeito pelo fato de reproduzirem com exatidão os dois grupos. Por fim, o Stones quebraram o protocolo cantando “Like a Rolling Stones”, de Bob Dylan. 
Foi bom... muito bom. Na próxima, vou recomendar aqui no Blog. 


terça-feira, 19 de novembro de 2013

A volta dos que não foram


Apesar de separados há 30 anos, os integrantes do grupo inglês de humor Monty Python sempre estiveram entre nós, inclusive aqui no FLANAR.
Os filmes e sketches oriundos do clássico programa televisivo Monty Python's Flying Circus influenciaram e seguem influenciando humoristas do Brasil e do mundo todo.
Daí a grande repercussão hoje da notícia de que o grupo vem trabalhando em segredo e vai oficialmente revelar a sua volta em entrevista marcada para 21/11 próximo, em Londres.
O mundo aguarda com ansiedade para checar o que a trupe nonsense de septuagenários tem a nos dizer.
Welcome back!
(fonte: UOL)


sábado, 16 de novembro de 2013

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Sincronicidade

Imagem: Scylla Lage Neto

A imagem acima é do tempo da fotografia convencional, e faz parte de uma série então dedicada ao que eu chamava de "Homo sapiens sapiens". Foi tirada em 2003, na Ilha de Maiandeua, e encontrada hoje dentro do livro RACE TO THE SOUTH POLE, sobre a minha banheira.
Atrás da foto, há um adesivo com os seguintes dizeres, sem menção de data:

"O caminho leva à foz;
A foz conduz à paz;
Na paz reside o amor." 
Scylloca

Coincidência ou consequência?

domingo, 10 de novembro de 2013

Da arte de rir e de viver ou de uma quase auto-psicanálise pela leitura, nas raias da loucura

Jornalista e psicóloga, a espanhola Rosa Montero tem se consolidado como uma de minhas escritoras prediletas. Já devo ter dito que foi dela o primeiro e encantador livro em espanhol que li - o "Historias de Mujeres". Daí passei a acompanhar mais sua produção semanal para o jornal El País do que de fato seus demais livros, ainda que os tenha comprado. Estão na fila de minhas obras pendentes de leitura.

Escutá-la na Feira Internacional do Livro, em Buenos Aires, foi um deleite a parte, mas que se funde na mesma paixão.

Hoje me deparei com mais um genial texto da articulista. Rosa Montero me diz tanto, com sua tecelagem de informações históricas e sentimentos tão íntimos, que fico sem ter mais o que dizer. Preferi fazer uma audaciosa livre tradução e oferecer a leitores de boa vontade.

Ainda bem que a tenho a meu alcance.

Que desfrutem!

E, quem desejar, pode acessar o artigo original clicando AQUI


Aprendendo a rir
Rosa Montero

Eu acreditava, e assim o escrevi em meu livro mais recente, que não havia nenhuma foto da grande Marie Curie em que ela aparecesse sorridente. Ao contrário: seus retratos a revelavam invariavelmente austera, tensa e, inclusive, com freqüência, trágica; uma dura máscara de esforço e dor. Mas eis que uma leitora genial enviou para mim, recentemente, uma foto de Madame Curie - já mais velha e parecendo ainda muito mais idosa devido aos estragos causados pela radioatividade - muito próxima, certamente, do dia de sua morte, vestida como sempre, de negro, e também, como sempre, sem maquiagem e com os cabelos postos de qualquer maneira. Mas sorri. Sorri! Não é um sorriso franco, mas é um gesto indubitavelmente risonho. E a mim parece que essa pequena curvatura de seus lábios é uma conquista monumental da cientista. Talvez mais importante para ela, inclusive, que a descoberta do polônio e do rádio.

“O jovem que não chora é um selvagem, mas o velho que não ri é um néscio”, dizia o filósofo George Santayana. É uma frase profundamente comovedora; e creio que tive que chegar aos arredores da velhice para poder compreendê-la em toda sua sabedoria. As palavras de Santayana me fizeram recordar um de meus quadros preferidos: um auto-retrato de Rembrandt, o último das centenas de auto-retratos que fez. Foi pintado mais ou menos um ano antes de morrer e é um quadro quase monocromático; uma explosão de ocres, de luzes douradas e brilhos que se apagam entre as sombras. Por esta época, o artista devia ter 62 anos (morreu aos 63), mas parece muitíssimo idoso. Rembrandt foi um homem muito vital e, provavelmente, soube ser feliz em muitas ocasiões. Alcançou um tremendo êxito como pintor ainda muito jovem; teve vários amores; se casou, em segundas núpcias, com uma mulher que adorava. Mas logo a vida lhe passou a fatura. Seu imenso talento lhe impediu de continuar a ser o artista comercial que triunfa realizando retratos complacentes que lhe pede o mercado. Escolheu pintar cada vez melhor e de maneira mais autentica, e isso lhe fez perder a clientela. Seu êxito terminou, as encomendas deixaram de chegar e se encheu de dívidas. Para comer, teve que vender tudo, inclusive sua coleção de arte. Quando morreu, estava na mais completa miséria.

Saber gozar o presente é um dom precioso, comparável a um estado de graça.

O Rembrandt que pintou o último auto-retrato era este homem esquecido e arruinado. E não apenas isso: enterrou sua primeira mulher e logo também a segunda e muito amada esposa, falecida prematuramente, ainda que fosse muito mais jovem que ele; por último, também teve que suportar a morte de seu filho Titus. Apesar de toda esta devastação, ou seguramente por tudo isso, o Rembrandt deste auto-retrato sorri. Na tela, debruçado de escorço na janela, o pintor nos contempla e parece nos dizer: veja, esta é a vida, a grande piada pesada que é a vida; assim é a inocência dos humanos, assim o afã, o fulgor, a dor. É um sorriso triste, mas sereno e imensamente sábio.

“A arte é uma ferida feita luz”, dizia o pintor francês Georges Braque. Outra frase certeira que me vem à cabeça quando lembro deste quadro de Rembrandt. A luz outonal do rosto do pintor emerge da escuridão do fundo, da escura ferida da vida, cauterizando e suavizando sua dor e a nossa. Pelo menos, Rembrandt teve sua arte até o final (o valor de seguir pintando, de não render-se). Pelo menos, nós temos a Rembrandt.

A arte nos salva, a beleza nos salva, e a vida, se for vivida com consciência de viver e tentando aprender do vivido, talvez nos proporcione essa compreensão final, esse entendimento apaziguado que permite que aflore o sorriso.

No Natal de 1928, Marie Curie mandou uma carta a sua filha Irene, para lhe felicitar pelos festejos. E escreveu: “Desejo a vocês um ano de saúde, de satisfações, de bom trabalho, um ano durante o qual tenhas cada dia o gosto de viver, sem esperar que os dias tenham tido que passar para encontrar sua satisfação e sem ter necessidade de colocar esperanças de felicidade nos dias que tenham que vir. Quanto mais se envelhece, mais se sente que saber gozar do presente é um dom precioso, comparável a um estado de graça”. Creio que estas palavras são a conquista de uma vida. E o insólito sorriso de Curie na foto que me enviou a generosa leitora é, sem dúvida, uma conseqüência destes pensamentos. Alcançar essa maravilhosa simplicidade não é fácil, desde logo, assim que é necessário se dedicar. Aqui estou, enfim, tentando aprender a rir dia a dia.

sábado, 9 de novembro de 2013

Vai um jazz aí?

Olá amigos.

Publiquei no meu outro blog um set de jazz que talvez os apreciadores do gênero gostem.

Grande abraço e até a próxima.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Me and my crazy self




Desde que iniciei a vida de leitor compulsivo, na adolescência, sempre fui chegado a acreditar ter um alter ego, um outro eu, geralmente absorvido dos personagens fortes (ou até dos fracos) oriundos de romances, poesias épicas, filmes, biografias, novelas, músicas, propagandas, enfim, de todo tipo de manifestação humana que tivesse a capacidade de se insinuar em meu cérebro.
Talvez o meu primeiro alter ego tenha sido Huckleberry Finn, rebelde personagem de As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, que ganhou livro próprio em 1884 e até protagonizou filme, em 1993. Eu sonhava acordado ser como Huck, e até na verdade em ser o próprio Huck Finn.
Muitos o sucederam no cargo hipotético de alter ego, como Rick Deckard, de Do Androids dream of eletric sheep?, livro de Philip K. Dick que originou o filme Blade Runner, passando por Eneias, eternizado pelo gigantesco poeta Virgílio em A Eneida, e até mesmo o detetive John Diphoo, da fantástica trilogia O Incal, de Alejandro Jodorowsky e Moebius.
Mas há algum tempo fiquei fixado definitivamente por Corto Maltese, tão encantadora criatura que até o seu criador, o italiano Hugo Pratt o tomou para si como alter ego.
Como definir Corto Maltese sem expor as minhas próprias entranhas?
Corto é um viajante, sempre em movimento e isso me agrada sobremaneira. Percorre o mundo todo, não por dinheiro ou poder, e sim pela liberdade de o percorrer. A imaginação é o seu combustível e nem sempre ele é politicamente correto. Aliás, quase nunca.
Ele é verdadeiramente um anti-herói, uma espécie de Ulisses ao contrário. Ama muito, procurando sua alma gêmea, e um dia a encontrará, desde que ela se disponha a acompanha-lo, de rosto virado para o vento norte.
Nesse ponto, a vida real esboça tocar a surreal. No delírio onírico de Corto, como no meu, a mulher utópica é na verdade uma andróide, como a doce Rachel, de Blade Runner. Ou talvez seja mais parecida com o alter ego desta última, a insinuante Pris? Ou com ambas?
Ou poderia ser uma andróide para cada ego?! Terão os andróides alter-egos?!



Pris























                                                                                            Rachel












Corto e eu precisamos nos encontrar, um dia...





quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Fortes emoções

Fonte: Pagina|12


Dias de fortes emoções aqui na Argentina ultimamente. Diria melhor: um pouco mais fortes que o tradicional.

Da "folclórica" internação simultânea de arqui-inimigos no mesmo hospital - leiam-se a presidenta Cristina Kirchner e o jornalista Jorge Lanata - dias antes das eleições parlamentares no país (ocorrida neste domingo, 27) ao julgamento da Lei de Meios - aprovada na noite de ontem (29), depois de quatro anos e muita pressão contrária do Grupo Clarín - até a celebração dos 30 anos de democracia argentina, comemorada hoje (30), muita agitação se viu entre os "hermanos". Haja coração!

A presidenta, coincidentemente ou não, mas muito convenientemente, foi internada para uma cirurgia e precisa completar 30 dias de repouso. Para um país dividido em opiniões sobre o governo K., com alguma tendência para imagem negativa de Cristina, nada mal sua saída de cena, enquanto os candidatos da Frente para a Vitória buscavam garantir a prevalência governista no Parlamento. E sem Lanata a "toca o terror" pelo Grupo Clarín, melhor ainda a esta linha de peronistas. O jornalista, que já mudou de emissoras e linha editorial, precisou de urgente internação para cirurgia e segue por ali, quietinho. Sim, peronistas seguem em maioria. Eles são muitos, em diferentes frentes, ou listas - já que aqui já não se vota mais em partido ou político, como no Brasil, mas sim em lista.

Peronistas de diferentes linhagens lograram maioria nas mais recentes eleições, ainda que Buenos Aires siga a votar nos mais conservadores. Alguns deles comparáveis a bolsonaros da vida. Carrió, por exemplo, esteve ausente em algumas das principais votações, como a do voto jovem; proteção de terras; regulamentação do trabalho doméstico; identidade de gênero; e matrimônio igualitário, por exemplo. Pino segue mais ou menos a mesma perspectiva e, em alguns cartazes na rua, chegaram a comparar o voto nele ao voto em favor do Irãn.

Com um nível de organização e criatividade maior do que as que temos visto em Belém, a campanha na cidade de Buenos Aires seguiu seu curso tranquilamente, mas sem menos intensidade. Na sexta-feira anterior às eleições, por exemplo, não se encontrou casas de câmbio abertas, nem os famosos "arbolitos" na turística Florida (são chamadas assim as pessoas que ficam paradinhas, feito árvore, nos seus pontos ao longo da rua, repetindo, como robôs, que fazem câmbio de tais e tais moedas).

Pronto, daí foi partir novamente pra já acalorada discussão sobre a Lei de Meios, que estava em vigor pela metade há 4 anos. Sim, porque o Grupo Clarín, com mais de 200 concessões no país, pelejou tanto que conseguiu segurar dois artigos da lei. Mas só até ontem, quando a Corte Suprema declarou a total constitucionalidade da lei. Não, o grupo não está disposto a acatar a lei ainda.

A resistência do grupo Clarín fará parte das cenas dos próximos capítulos. Por ora, a torcida pela democratização dos meios de comunicação está em polvorosa. A porta do tribunal estava lotada durante o dia de ontem, com gente a entoar “gritos de guerra” e levantar bandeiras. Programas de televisão e jornais desde ontem não falam de muito mais coisa que isto. Ainda que hoje, dia 30, esteja também sendo celebrada a chega de Alfonsín ao poder, dando fim aos sete anos de ditadura na Argentina e início a governos democráticos. Pois é, este tema não figura entre as manchetes, ainda que esteja por ali por perto.

domingo, 27 de outubro de 2013

A conquista maior do poeta

Para afugentar mosquito e tédio
certo médico, num destes sertões
pôs-se a se imaginar escritor

E para espantar, talvez a própria dor
tratou de aviar receitas poéticas
no desejo vão de encontrar a cura...

Dor alheia torna-se desasossego, tortura
quando o paciente mostra nos olhos
que a esperança toda se lhe esvai

Um verso bem tecido: ei, levantai
a fronte, o rosto, não te deixa abater
pois deves seguir adiante, em frente

Isso mesmo: siga firme, avante, enfrente
todos os teus males, mesmo os ocultos
pois não há doença que não prenuncie cura

Liberta-te dos laços do desengano, da amargura,
viva uma aventura, rompa os laços da tristeza
e lança-te ao mar, ainda que tempestuoso

Somente quem enfrenta das ondas o ímpeto furioso
merece a palma da vitória, o prêmio da alegria
o voltar para casa, triunfante, depois de toda luta

Antes a poeira nos olhos, na terra dura e bruta
do que o naufrágio em meio ao ressentimento
do que deixar-te afundar inerme na amargura

Lava vigorosamente o rosto da alma, enxagua
livra os teus olhos desta fuligem, deste azedume
cuida de reavivar em teu peito todo o vigor

Isso, respira, expira, lança fora todo o horror
das noites de insônia, de todo mal que reténs
e deixa que uma vida nova se instale no peito

Chore, sim! isto é nobre, é vazão, não é defeito
encontrarás novamente, de volta à tua casa,
àquela que se é tormento, é também confeito

É mimo, é feito gengibre, é fruta amarga, azeda
volta, acolha, deixa o peito sangrar de amor
e verás que é melhor que sejas tu o poeta
mesmo que o teu canto esteja mesclado
de insônia, inquietação, de dor...

Aliviado, enfim, depois deste aviamento
o médico sentiu-se mais leve, descansado

...

O tal paciente, voltou, meses depois
com frango, tucumã, macaxeira
e lhe sapecou sem meias palavras
o convite aberto feito flecha certeira:
 - te convido, doutor, que sejas meu compadre
pois o menino, dando pontapés, se prenuncia
não deve demorar!
 talvez umas horas, um dia...

Foi assim que o médico, agora um completo poeta
conquistou muitos amigos pelas bandas do Envira
amizade - não há maior conquista que se adquira.

Abel Sidney -  educador / escritor 
Programa de Incentivo à Leitura e Produção Textual Livro-Carta-Mural
facebook: www.facebook.com/livrocartamuralAbel Sidney -  educador / escritor 

sábado, 26 de outubro de 2013

Shows that we ain't gonna stand shit

Glória da Cidade Natal

Eu estive andando o mesmo caminho que sempre andei
Sentindo falta das fendas no pavimento
E quebrando o meu salto e machucando meus pés
"Há alguma coisa que eu possa fazer por você, querida?
Há alguém para quem eu possa ligar?"
"Não e obrigada, por favor, madame
Não estou perdida, só vagando"

Ao redor da minha cidade natal
Memórias são frescas
Ao redor da minha cidade natal
Ooh, as pessoas que conheci
São as maravilhas do meu mundo
São as maravilhas do meu mundo
São as maravilhas deste mundo
São as maravilhas agora

Eu gosto da cidade
Quando o ar é tão espesso e opaco
Eu amo ver todo mundo em saias curtas
Shorts e sombras
Eu gosto da cidade quando dois mundos colidem
Você vê as pessoas e o governo
Todo mundo tomando lados diferentes

Mostra que não vamos aguentar coisas ruins
Mostra que somos unidos
Mostra que não vamos tolerar isso
Mostra que não vamos aguentar coisas ruins
Mostra que somos unidos

Ao redor da minha cidade natal
Memórias são frescas
Ao redor da minha cidade natal
Oh, as pessoas que conheci

São as maravilhas do meu mundo
São as maravilhas do meu mundo
São as maravilhas deste mundo
São as maravilhas do meu mundo

sábado, 19 de outubro de 2013

A flor e a poesia nos Flanders Fields




No meio dos horrores da Grande Guerra nos Flanders Fields (1914-1918), a natureza resistia entre as trincheiras. As flores da foto -  Papaver rhoeas, comumente conhecidas como poppy, corn rose, field poppy, Flanders poppy, rood poppy, red weed, coquelicot, ou em português papoulas silvestres -  acabaram se transformando num dos mais poderes símbolos anti-guerra. Espécie endêmica nessa parte da Europa, que nasce um pouco como as maria-sem-vergonhas , as papoulas também se imortalizaram no mais famoso poema contra a I Guerra Mundial, In Flanders Fields, do major médico canadese e poeta John McCrae  (30 november 1872 – 28 januari 1918):
In Flanders fields
In Flanders fields the poppies blow
Between the crosses, row on row, 
That mark our place; and in the sky
The larks, still bravely singing, fly
Scarce heard amid the guns below. 

We are the Dead. Short days ago 
We lived, felt dawn, saw sunset glow,
Loved and were loved, and now we lie 
In Flanders fields.

Take up our quarrel with the foe: 
To you from failing hands we throw
The torch; be yours to hold it high.
If ye break faith with us who die 
We shall not sleep, though poppies grow
In Flanders fields.

Nos Campos de Flandres
John McCrae 
(Tradução de Gustavo Gouveia)

Nos campos de Flandres as papoulas floram
Entre filas e filas de cruzes que formam
Nosso lugar derradeiro; alto no céu poente 
Voam as cotovias entoando bravamente
O canto que os canhões abaixo silenciavam.

Nós somos os mortos. Há poucos dias vivíamos,
O amanhecer sentíamos, o brilho do por do sol víamos,
Amávamos e éramos amados, e agora fomos deixados
Nos campos de Flandres.

Continuem as nossas lutas renhidas:
Pois passamos das nossas mãos feridas
A tocha; Erga-a ao alto em seus postos.
Se deres as costas a nós que estamos mortos
Jamais dormiremos, apesar das papoulas floridas
Nos campos de Flandres.

A Grande Guerra, a mãe do todas as guerras

Viver na Europa Ocidental, e especialmente na Bélgica, é ser confrontando com as marcas da Grande Guerra,  a I Guerra Mundial. Aqui estamos nos Flanders Fields, o principal campo de batalha da mais vergonhosa  carnificina que a bestialidade humana pôde executar: 9 milhões de pessoas foram mortas. Em tudo a Grande Guerra impressiona: 70 milhões de soldados mobilizados, dos quais 10 milhões vieram de fora do continente europeu.  Foi a primeira guerra industrial, pois foi a première do uso de novas armas tecnológicas,como  aviões, tanques e produtos químicos, especialmente  gases. E assim é compreensível que  o 11 de Novembro, dia do Armistício de 1918,  é um feriado importante com solenidades e tudo mais -  assim como na França, Alemanha, Reino Unido, Itália, Áustria, Hungria e outros tantos países.
Para nós brasileiros, a I Guerra é uma página, literalmente, nos livros de História Geral, mesmo com a participação do Brasil, que pouca gente sabe. Sim, o Brasil declarou guerra aos chamados Impérios Centrais, liderados pela Alemanha.
Boa parte da província onde moramos, Flandres Ocidental, abriga pontos turísticos que atraem algumas centenas de  milhares de turistas por ano. Mas, sem dúvida, os cemitérios dos Flanders Fields são os que mais provocam impacto. Aqui, algumas fotos das peregrinações que que fizemos, nos antecipando à onda de visitantes ano que vem, quando começam 4 anos de  dos 100 anos da Grande Guerra. Estas são imagens do Tyne Cot, o maior cemitério militar britânico fora das ilhas britânicas. São exatamente 11.954 sepulturas das quais 8.367 de soldados desconhecidos.













sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sobre justiças e algo mais

Sim, a Argentina está muito à frente do Brasil no que se refere a “memória, verdade e justiça”. Poderia elencar uma centena de indicativos dessa certeza. Mas prefiro destacar um aspecto que é exceção. Aquele que vai justo de encontro a esse fato, mas que não o macula, apenas sugere que sempre há muito a ser feito sobre o tema das repressões políticas.

Me senti motivada a falar disso a partir da matéria que li, no jornal Pagina12, confiante na fonte da informação, o Cels. Lembro do recente tumulto, ainda vigor, que se motiva pela contrariedade à proposta democratização da justiça oferecida pela Presidência. Mais uma vez desejei que a proposta se concretize aqui, como a democratização da comunicação, que ainda em peleja - e que, no Brasil, foi nem aventada pelos dois governos Lula, que entregou a pasta das comunicações ao PMDB, tampouco pelo de Dilma, que entregou ao PT. A peleja a que me refiro aqui na Argentina já se restringe mais especificamente à oligarquia clarinesca. Os demais grupos aderiram a Ley de Medios. Como desejei também que se concretizem ambas no Brasil. Isso sim seria um passo lindo para o desenvolvimento includente e responsável.

Não, não sou simpatizante da forma pública da presidenta Cristina. Muito pelo contrário. Ela me causa aversão. Também há sim do que se queixar quanto a decisões políticas, como a que se refere aos povos indígenas. Ainda assim, o atual governo tem sido motor de decisões cruciais para o país dos hermanos, que enfrenta um rescaldo danado de hostil de governos neoliberais.

Adelante!

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Jeunet de volta


Ele voltou! O melhor cineasta de fábulas do cinema mundial: Jean-Pierre Jeunet. O diretor de clássicos Delicatesse (1991) e Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain  (2001), lança um novo filme: L'Extravagant Voyage du Jeune et Prodigieux T. S. Spivet (ou The Young and Prodigious T.S. Spivet). Veja aqui em cima o trailer.
Jeunet conta a estória do gênio, de 12 anos de idade, que deixa o rancho da família num fim de mundo em Montana, EUA, para receber um prêmio do prestigado  Smithsonian Institute,em Washington D.C.
Desta vez, o diretor francês se valeu de efeitos em 3D para dar imagem aos inventos do pequeno T.S. Numa entrevista a um jornal inglês, Jeunet conta que o filme se passa nos Estados Unidos, mas foi filmado quase inteiramente no Canadá. Não é uma produção americana. É um filme essencialmente franco-canadense, baseado num livro do escritor americano Reif Larsen. Durante anos, o autor do livro cogitou ceder os direitos de filmagem a diretores de peso como Alfonso Cuarón (Y tu mamá también), Wes Anderson (The Darjeeling Limited), Guillermo del Toro (El Laberinto del Fauno), e Tim Burton ( Alice in Wonderland, Edward Scissorhands). 
Talves, Larsen  fez a melhor escolha:  Jeunet tem a capacidade de contar uma fábula com menos efeitos especiais que os seus colegas que estavam na disputa.   E entre eles, tem um senso de direção de atores bem mais aguçado. Estou curioso para ver o resultado.

 

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

F1 2013



Para os malucos por Fórmula 1 e/ou games, chegou o surreal F1 2013, que, além do campeonato do corrente ano, contará com carros, pilotos e pistas dos anos 80 e 90.
A riqueza de detalhes do trailer só aumenta a vontade de comprar e acelerar ainda hoje.
Luz verde!!!

terça-feira, 8 de outubro de 2013

No tempo da delicadeza


Eu acredito em tudo, mas aí acreditei mais ainda quando li nuns lugares que era verdade que o tempo estava passando mais rápido. Ele anda mais rápido que ele mesmo, não dá nem mais pra ver passar, nem mais pra conversar. Tão rápido que colou no começo, virou uma coisa só, quase devagar de novo.

Viro a ampulheta pra testar e a areia ainda cai mais rápido, mas acho que vai passar.
Tudo virando ao avesso, os dias meio de ré, as noites meio claras, sem entender nada.
Acabavam assim os rompantes generalizados de energia e otimismo das populações todas, espalhadas pelos pedaços de terra.

Alguma coisa parecida com um inferno já tinha impregnado tudo.
A fachada era engomadinha, recatada, com ares de justiça e bom-mocismo.
Mas isso de imaginar um futuro, não digo nem bom, mas só um futuro, não acontecia há uns anos.

E, de repente, a cobra mordeu o próprio rabo.
Acabou-se a agonia, acabou-se o mundo, acabou-se o tempo.
Foi meio difícil de acompanhar a novidade, mas, se tem uma coisa que acontece mesmo, é a tal da velocidade no aprendizado, quando a gente precisa dela.
Estou crendo nisso também, veja bem...
E, no fim das contas, já vivíamos de outro jeito e ninguém tinha avisado antes.
Só deu certo então pra quem nasceu depois dessa transformação e às vezes nem assim. Sinto informar.
Só sei que a serpente comeu a cauda dela mesma de verdade e acabou-se tudo.

Agora, sem pressa nenhuma, a gente aproveita e vai fazer um pote de ouro e correr pro fim do arco-íris, pra ficar rico, escutar o barulho das moedinhas caindo dentro, primeiro agudinhas, de pote vazio, depois gravezinhas, de pote cheio.
Mas não vai adiantar, porque não precisa mais ficar rico, é bom pensar nisso.

Claro que já tem gente nervosa, porque já correu demais atrás do pote e anda revoltada, porque daqui pra frente não se corre mais, porque não precisa, então, descobre que correu em vão, tentou enriquecer em vão.
Em vão porque, primeiro: nem enriqueceu, segundo: porque, se acaso tivesse enriquecido, isso não teria mais valor. Essa referência não vingaria mais.
Chama-se mesquinhez.
Sim, ainda existe isso, o que acabou foi o tempo.
Mas acabou à vera mesmo, não no sentido de se ter pressa, de não se ter tempo pra nada. Mas no sentido de não precisar ter pressa, porque não existe mais "O" tempo, "O Senhor Tempo", o da música de Caetano Veloso.
A primeira lembrança da vida já colou com a última e acho que nem faz mais sentido pensar em primeira ou última. Não é hora de ordem.
A minha última memória é uma muito forte, que parece demais com a primeira que tive.  Ali, colada mesmo.

Talvez seja só o caminho em direção à morte, esse que dizem que termina com um filminho da vida passando rápido, antes do último segundo. Sabe isso?
Pois é, talvez esse cineminha particular seja o fim colando no começo.

Não é saudosismo, não é uma coisa ruim, nem boa, é só uma coisa, um tipo novo de movimento das pessoas e dos pensamentos que tem dentro e do planeta que tem fora. Tudo colado, grudado, maciço, encaixado.

O que eu não entendi é se acabou o mundo ou não. Tá repetindo um pouco a ordem das coisas e ao mesmo tempo tudo é novo. Uma impaciência aguda abate quase todos, justamente pela velocidade, mas deve ser o efeito da tontura que dá quando o corpo para de rodar.

Acho que parou mesmo de vez.
Agora, é ver como faz pra rodar de novo, porque já deu saudade das agonias antigas. Meio estranho esse lugar aqui, sem tempo.
Mas talvez acostume, com o tempo.


Karina Buhr é cantora e compositora e passa o tempo todo de uma cidade para outra. Twitter: @KARINABUHR

Eu admiro o trabalho da Karina Buhr. Desde quando a conheci pelo grupo "Cumadre Florzinha". A pernambucana segue carreira solo há algum tempo e segue me encantando. O primeiro e único show que vi dela foi aqui em Buenos Aires. Performática. Não à toa tem um pé no teatro. Contagiante. Tanto que tive de tirar uma lasquinha das pernas que ela botou pro lado de fora do palco.

Ela também desenha. Não fazem muito meu estilo, mas lhe garantem uma definição justa de multiartista. Como autora, já era de se esperar que também enveredasse por textos graciosos como este que compartilho no Flanar, raptado do face dela, com postagem original na Revista da Cultura. Gosto de uma leitura coloquial. Escrever quase como se fala, como se estivesse batendo um papo. E ela faz isso, ainda que dialogando consigo mesma e seus botões, numa viagem existencialista e muito condizente com seu, com nosso tempo.

Espero que desfrutem!