quinta-feira, 17 de agosto de 2017

A lição de Obama contra a ultradireita


O ex-presidente norteamericano Barack Obama ganhou ontem as manchetes dos jornais de todo o mundo após a repercussão de suas declarações sobre o conflito ocorrido na cidade de Charlottesville no último final de semana, que resultou na morte de uma mulher.

O vergonhoso evento foi patrocinado por grupos de extrema direita de supremacia branca, tais como:
Ku Klux Klan e organizações neo nazistas, que intensificam suas ações após o apoio político e financeiro ao candidato de ultradireita Donald Trump, –– filho –– de um notório membro da KKK.

A mensagem do ex-presidente americano mais popular das últimas quatro décadas, negro e de origem africana, acaba de tornar-se o tuíte mais curtido da história.

Publicado na noite do último sábado, 12/8, o post em questão de Obama no Twitter foi o primeiro de vários do ex-presidente dos EUA sobre os acontecimentos do final de semana na Virgínia.

Com mais de 3,6 milhões de curtidas, o tuíte utiliza uma citação atribuída ao ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor sua pele, seu background ou sua religião” ("No one is born hating another person because of the color of his skin or his background or his religion...", no original, em inglês). E usa uma foto de Obama cumprimentando quatro crianças em uma janela.

Além disso, a mensagem em questão de Obama já possui quase 1,5 milhão de retuítes até o momento.

Para chegar a esse número recorde, o tuíte de Obama superou uma publicação feita há alguns meses pela cantora pop Ariana Grande logo após um ataque terrorista realizado durante um show seu em Manchester, na Inglaterra.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Sobre balaços, atropelamentos e esfaqueados

Tenho uns poucos livros emprestados que jamais devolvi - uns quatro. Um me fascina: “War surgery”, do comitê internacional da Cruz Vermelha. Antonio Venturieri, cirurgião paraense que esteve no Afeganistão, emprestou-me, por saber do meu fascínio pelo tema. Esqueci de devolver.
Dia desses folheava o calhamaço de 350 páginas para entender as armas de guerras e as lacerações que provocam nos órgãos internos de um guerrilheiro abatido. Porque os fuzis já não ecoam só na Síria. O estampido está nos morros cariocas e daqui a pouco zunirá pelos bairros do Jurunas, Guamá, Terra firme e aqui debaixo do prédio onde moro.
Outro dia, no maior hospital de trauma de nosso estado, um homem adentrou pela emergência, já gaspeando. Fora baleado por determinada facção do Jurunas. Ao exame físico havia uma brecha no rebordo torácico. Era arma de guerra. Aí já não é só zunido, é trovoada, fuzilamento.
No caminho de ida a Salinas, à frente da policia rodoviária federal, na Belém-Brasília, havia um carro totalmente danificado, guinchado a três metros do chão, encaixado no outdoor, numa arte plástica bem elaborada, com dizeres de alerta sobre o risco da imprudência nas rodovias - afinal de contas é verão por aqui pela amazônia, tempo de aproveitar as férias e meter o pé na estrada.
Pouco adiantou. A sinistralidade continua elevada e, se somarmos às motocicletas urbanas, a lista embaça o caos no trânsito. Na volta da viagem a arte já não existia. O carro já não estava. Quem sabe uma motocicleta fosse mais representativa.
E sobre esfaqueamentos? Arma em extinção!
Nos anos noventa, um artigo original mostrou, no HPSM, que a principal causa de ferimentos no tronco era arma branca. Certa vez, numa micareta na atual João Paulo II, a ambulância socorrera três esfaqueados no mesmo carreto. Dois deles tinham ferimentos graves no coração, e outro, várias estocadas no abdome. Todos sobreviveram. Se as lesões cardíacas fossem por arma de fogo, certamente a chance de vida seria bem menor. Hoje, os tiros e as motocicletas ultrapassaram as armas brancas, inclusive no sertão da Paraíba, terra das peixeiras.
Surge, agora, uma série televisiva sobre violência, ao olhar esbugalhado da sala de emergência. Com narrativa romanceada ao modo de Tess Geratssen, Edyr Proença ou Rubem Fonseca, “Sob pressão” nada tem a ver com as series glamourosas americanas totalmente hi-tech, hi-fi ou wifi. Depois “Profissão repórter” faz abordagem epidérmica sobre as salas de emergências do Rio de Janeiro. Parece muito claro que a emissora direciona seu portfólio para uma página bruta da nossa sociedade, não só eviscerando as deficiências do atendimento e a alta taxa de homicídios, mas, acima de tudo, o cotidiano do cirurgião-mago que, noite adentro, além de tirar coelhos da cartola, reza por milagres de salvar vidas - ou pelo menos postergar a morte.
O fagocitado “War Surgery” deixa escorrer a idéia que a dor das guerras é maior que as estatísticas: Em certos conflitos, o fardo dos feridos de guerra é maior que as conseqüências de saúde pública. É aí que a série de TV se engancha, mas os números de nossa incivilidade sangram as finanças do Estado, cortam a carne e deixam poças de coágulos a escorrer pelas valas abertas de nossas cidades, e Belém fica entre as dez capitais mais violentas do país (mapa da violência, 2016). 

Artigo publicado originalmente em "O liberal", 03/08/2017