sábado, 5 de dezembro de 2009

Prefeitura acéfala

O título desta postagem possui uma ambiguidade que me parece óbvia. Por um lado, enuncia que seu mote é a cassação do nacional Duciomar Gomes da Costa do cargo de prefeito de Belém, bem como do vice, Anivaldo Vale. Abuso do poder econômico. O que todos que possuem a chave do cofre fazem em todos os pleitos e nunca enseja consequência alguma. O segundo sentido é a constatação natural de que a prefeitura de Belém está acéfala desde que o malsinado indivíduo a assumiu, quase cinco anos atrás, por manobras tenebrosas que cooptaram o voto de um eleitorado sem consciência de cidadania. Manobras de dois partidos que agora posam de santos e de enganados.
A cassação foi obviamente repercutida na blogosfera e imprensa locais, ganhando uma atenção meramente tangencial na mídia nacional. Como sempre. Vá cassar um prefeito de São Paulo para ver o que acontece...
As análises jurídicas estão sendo divulgadas, por isso não me darei ao trabalho. Até porque Direito Eleitoral não é a minha especialidade (de fato, eu nunca soube ganhar dinheiro). Vim apenas dizer algo que talvez não se esperasse de mim, justamente de mim, que passei os últimos anos verberando contra esse indigitado.
Não defendo que o nacional seja imediatamente defenestrado do cargo. Não em caráter provisório. Penso que esse tipo de medida, por sua drasticidade, deve aguardar o trânsito em julgado da sentença. A tragédia é a ineficiência crônica do Judiciário, que sempre leva muitas vidas de homens para solucionar litígios, ainda mais quando há interesses tão extremos em jogo. Mas as decisões provisórias geram um preço alto demais.
Recordo-me de quando o falecido Celso Pitta aprontava das suas na prefeitura de São Paulo. Era um tal de cassa o mandato e determina liminarmente a posse do segundo colocado. Depois cassa a liminar. Depois restaura a liminar. Depois julga o recurso, que afeta a liminar. E por aí vai, numa sucessão de tira e põe da cadeira de prefeito, que só pode ter uma consequência: o descalabro total. Porque mesmo um governo permeado de atos de improbidade e caracterizado pela inércia, como o do nacional, precisa de estabilidade e constância. Sem elas, o que era bom fica ruim e o que já estava pelas tabelas, arrasa-se de vez.
A perspectiva se torna ainda mais sombria quando se recorda que o segundo colocado na eleição do ano passado foi um senhor que atende pelo nome de José Benito Priante Júnior, bucha de canhão de última hora, posto no fogo pelo dono do PMDB no Pará, Jader Barbalho, após não ter conseguido emplacar seu nome em nenhum carguinho federal - uma peregrinação ridícula, que foi acompanhada pela imprensa. Sem ter o que perder, Priante se fez candidato. E conseguiu a proeza de ser ridicularizado por Duciomar Costa no último debate pela TV, aquele em que o camarada fez uma única pergunta, sobre assunto com o qual, por sinal, tem grande afinidade: saúde. Ser humilhado por um Duciomar Costa bastaria para que Priante pedisse para sair e não retornasse nunca mais.
Se Priante assumir, qual será o futuro de Belém? Apenas um estágio para as pretensões políticas futuras, de alguém que nunca foi mais longe do que um mandato de deputado federal? Aliás, só o fato de pertencer ao PMDB - Barbalho, Sarney, Renan Calheiros, controle de cargos nos governos federal e estadual, etc. - já me faz perder o sono.
Não pensem que meu discurso é: Duciomar, ruim com ele, pior sem. Jamais diria isso. Já o disse milhares de vezes: é o pior governo que Belém já teve em toda a sua História. Outros afirmaram o mesmo e nunca li um desmentido em lugar algum. Preferir Duciomar ou Priante equivale a perguntar ao condenado à morte, por empalamento, se ele prefere uma vara de madeira seca ou úmida.
Preocupo-me com os serviços públicos. Mudando o prefeito, serão atingidas as chefias de todos os escalões do governo. O risco é de que os recém chegados queiram mostrar serviço ou, pior, lucrar com o serviço, de um jeito que só sabe fazer quem tem a consciência de que pode perder o posto a qualquer instante. Essa insegurança é altamente favorável a práticas dilapidadoras fulminantes. Além do mais, não se pode realizar uma política de médio ou longo prazo desse jeito. Os servidores lotados nas atividades precípuas de cada setor, os que trabalham seriamente, não terão ânimo para planejar, projetar o futuro, se não se sabe o dia de amanhã. Para que reunir e montar um projeto enorme, se o novo governo talvez não o queira?
E os fornecedores da prefeitura? Estarão confortáveis com a possibilidade de um novato chegar questionando todos os pagamentos a fazer?
Não acredito que a Justiça Eleitoral vá confirmar a cassação do nacional. Ela é justa, urgente e fez de Sérgio Augusto Andrade Lima o meu juiz preferido. Sou fã dele e acompanho a sua carreira desde criancinha! Mas no final, alguém concluirá não ter visto provas cabais de abuso do poder econômico. E se, para surpresa deste escriba pessimista (realista?), a cassação vier a ser confirmada, quando a decisão transitar em julgado a causa já terá perdido o objeto.
Mas uma coisa é certa: quando soube da notícia, ontem, levei um susto. Li a reportagem com mais atenção, para me certificar de que era real. E, mesmo pensando da forma supra, abri um sorriso largo. Porque a vida é feita de pequenas e efêmeras alegrias e de grandes esperanças.

17 comentários:

André Batista disse...

Muito bom, penso o mesmo e acho que comunga com os pensamentos dos munícipes com alguma noção de cidadania e que torcem para que a Nova Delhi de alguma forma melhore. parabéns

André Costa Nunes disse...

Caro Yúdice,

Foste conciso e didático. Não consegui, embora tivesse vontade, acrescentar uma virgula ao que escreveste.
Obrigado,
andre costa nunes

Lafayette disse...

Yúdice a decisão é provisoria (pois cabe recurso, não transitou em julgado, ou seja, sem juridiquês: a parada ainda não terminou!), mas é de MÉRITO, correto?

Ou seja, não é uma mera DECISÃO LIMINAR, correto?

Então penso que, pegando um pouco do teu entendimento, mas adequando a uma outra possibilidade: NÃO DEVE SER DADO, LIMINARMENTE NA MEDIDA CAUTELAR, EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO.

Esta sim, a LIMINAR, é provisória da provisoriedade, já que o magistrado que a defere não instruiu o processo principal, ou, o que não é raro, a defere sem ouvir o que tem a dizer a outra parte.

Mantendo o novo Prefeito (não estou entrando no mérito, ainda, dos nomes que aí estão, pois, se assim fosse: QUEM ENTÃO?), até trânsito em julgado, a "certeza" na Administração Pública estaria garantida.

Tenho lido estas duas possibilidades, bem lógicas por sinal:

a) Se o Prefeito Eleito fica afastado, termina o mandato, e ele é "inocentado"? Seria um absurdo, já que eleito pelo voto direto.

b) Se o Prefeito Eleito fica no cargo, por todo o mandato, e, ao final do processo judicial, é considerado "culpado". Seria um absurdo, já que, em que pese eleito pelo voto direto, tal certâme não refletiu a vontade da maioria, por ter sido viciado na origem. Assim, teria sido mais justo o 2º colocado (que só foi 2º colocado por conta do tal vício de origem) ter permanecido no cargo, desde a 1ª cassação, de mérito, no 1º Grau.

Geralmente, fico com o Juiz de 1º Grau, por estar mais perto da prova, de sua produção, mais próximo da verdade histórica dos fatos, portanto.

Carlos Barretto  disse...

Excelente e bem humorado texto, Yúdice.
A tua cara.
Abs

Val-André Mutran  disse...

Bem colocado Yúdice.

E tem mais.

Supondo, apenas supondo que o PP - Prefeito Priante - assumisse. Qual seria a sua primeira medida?

Não me refiro à administrativa, visto que isso será o óbvio ululante (http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20061226041322AAYALTa)

Apego-me a um exemplo. Apenas um, das centenas que sentam praça nos moradores da Capital do Pará.

O tal Anel Rodoviário, atenho-me.

Inauguraram um dia desses. Muito bem.

Chego em Belém e o taxista que me conduziu ao hotel disse que aquele balão era apenas uma parte do tal anel.

Provoquei.

Mas o senhor não acha que o projeto é bom?

O taxista responde:

- O senhor não é daqui é?

Respondi:

Moro em outro estado, sou paraense e fui criado aqui.

O profissional do volante solta:

- Isso aqui virou uma esculhambação sem tamanho.

Inauguraram essa porcaria aqui (apontando o dêdo indicador para o balão do Anel Rodoviário) e quando você faz o contorno completo nele, o amortecedor do carro falta quebrar!

Tá tudo desnivelado e já lí no jornal que a empresa que fez a obra disse que falta o acabamento.

Acabamento? Perguntei.

O chofer engata.

Mas por que então inauguraram?

Ele mesmo responde.

E porque a governadora e o prefeito estão de conversinha.

Ponto final.

A política do Pará e de Belém, hoje, é o que disse o taxista:

- Conversinha de comadre com compadre.

Um jogo de amarelinha, queimada, peteca e empinar papagaio.

Valha-nos quem?

Yúdice Andrade disse...

André Batista, espero que essa fração menor do eleitorado finalmente comece a por as mãos nas rédeas que conduzem os destinos da sociedade. Porque os conscientes têm sido omissos, o que não deixa de ser um contrassenso. Nós, p. ex., escrevemos em nossos blogs. Eu, como professor, tento formar essa consciência de cidadania nas coisas que digo aos meus alunos. Mas é preciso que outros formadores de opinião atuem em outros locais, principalmente naqueles tradicionalmente mais permeáveis às malandragens políticas. Não é um trabalho que media dúzia de pessoas possa fazer.
Um abraço.

Mestre André, é uma honra receber um elogio seu.

Lafayette, talvez eu não me tenha feito entender neste ponto. A questão não é qual decisão teria o caráter liminar. Com efeito, a manutenção do indigitado no cargo é que seria uma decisão provisória, mas a minha preocupação é com o fundo, não com as formalidades legais.
Liminarmente no cargo ou não (isto é apenas uma tecnicalidade), o fato é que a manutenção do grupo que ora se encontra pode ser - eu disse pode ser - menos lesiva à cidade. A minha preocupação é com o entra e sai, porque sabemos que a Justiça sempre tende a reconduzir o cassado ao cargo, até decisão final. Então é melhor prevenir a ingovernabilidade, certo?

Curioso, Barretto, não vi nada de bem humorado nele. Juro por Deus!

Como sempre, Val, quem pode nos valer é o próprio eleitor. Daí as dificuldades...

Ana Miranda disse...

Yúdice, eu, infelizmente, juro que morro de vergonha de dizer isso, mas sinto-me sem alternativas, então faço isso há umas quatro ou cinco eleições: de vereador a presidente da república, eu (ai que vergoonha de dizer isso) voto 00-confirma.
Eu sei que vc e muitos dos seus leitores vão dizer que o voto é nossa única arma, que só através dele poderemos reverter essa corrupção louca que assola esse país.
Esse já foi meu discurso tbm, mas meu amigo, eu, infelizmente, não vejo saída.
Voto e continuarei votando, até confiar em algum político, 00-confirma.
te juro, contrariadíssima, mas não vejo outra alternativa.

Lafayette disse...

Você se fez entender, Yúdice, talvez eu é que não tenha conseguido o intento.

Quando inventaram a tal da "governabilidade", os políticos, dentro e fora do poder central, inventaram o mote eterno, o 'case' salvador para tudo e mais um pouco.

É um tal de salvar a "governabilidade", em nome da "governabilidade", caso contrário a "governabilidade" não será possível... e por aí vai.

Não entendo uma decisão judicial, que vai deixar ou por alguém no Poder Executivo central de um Município, onde se encontra a Capital do Estado, como mera tecnicalidade se tal medida ordenatória vai ser de MÉRITO, que só se chega após trâmite com juntada de documentos, parecer ministerial e tudo o mais, ou em caráter LIMINAR, que é de plano, sem análise profunda e com contraditório da outra parte.

No meu sentir, há prejuízo à cidade se for mantido o seu Prefeito de forma LIMINAR, e não ao contrário, onde o Prefeito, vamos dizer, Novo, está no cargo por decisão de MÉRITO.

A sua, que é nossa, preocupação com o entra e sai é questão de ponto de vista, já que o certo, para estes casos, entendo ser com o verbo inicial "sai", para depois o "entra". Assim, ficando por aí, não correríamos o risco do efeito deletério do que mencionas.

O retorno, em sede liminar, sempre tem (e terá) como mote a governabilidade, o equlíbrio administrativo, como se não fosse (que sempre é) ao contrário.

Ora, o retornante, em caráter LIMINAR, sabe o que fez pra ter sido cassado, no MÉRITO, e sabe que correrá o risco de sair, definitivamente, e, assim, neste meio tempo, com a espada sob a cabeça, arrebenta com a administração nos seus últimos suspiros com a "máquina" nas mãos!

Por outro lado, mais "ingovernabilidade" que o que já é, dificilmente será... isto é, imagino.

Tutor disse...

Ana Miranda, vote em mim. São meus bons votos nessa época natalina.

Yúdice Andrade disse...

Ana, na última eleição municipal, votei nulo pela primeira vez. Sofri o maior drama de consciência por isso, já que eu também sempre fui moralista em relação à participação no sufrágio. E sofre críticas pesadas de outros moralistas, até porque externei minha angústia no blog.
Sei como te sentes, mas não fiques mal. Hoje, sei que o voto nulo é também uma legítima manifestação do eleitor, mesmo que só deva ser empregada empregada em último caso.
No meu caso, não havia como votar em ninguém.

Ainda assim, Lafayette, estou preocupado com os escalões abaixo do prefeito, que sustentam - bem ou mal - os serviços públicos. A instabilidade ora gerada atinge a todos diretamente.

Tutor, o domicílio eleitoral da Ana é em Juiz de Fora - MG.

Anônimo disse...

(silêncio indignado)

Ana Miranda disse...

Caro Tutor, como boa ateia que sou, não acredito em natal, então somente posso te dar meus votos de um 2010 muito feliz, onde vc consiga realizar pelo menos 99,99% dos seus desejos!!!!

Lafayette disse...

Yúdice, mas só atinge aos temporários, pois para os concursados tanto faz como tanto fez.

Mas, entendo que hoje, o Juiz Teixeira do Rosário deferirá a Liminar, e dará efeito suspensivo à Sentença, mantendo, assim, o Duciomar e Anivaldo Vale nos seus respectivos cargos, até julgamento do Recurso.

. disse...

Brilhante post, Yúdice!
Didático e crítico na medida.

Tutor disse...

Aninha, O natalício de Jesus Cristo é fato. Podes crer.

Yúdice Andrade disse...

Só os temporários e comissionados, Lafa? Negativo. Os efetivos são atingidos por tabela, na medida em que respondem a suas chefias. Eles não correm risco de perder o emprego, mas seus chefes - que ditam o que devem fazer - rodam ao sabor dos acontecimentos.

Obrigado, Waleiska.

Tutor, o nascimento de Jesus é um fato histórico. Mas todos sabemos que não aconteceu em 25 de dezembro e nem, sequer, no ano I do calendário gregoriano, que utilizamos. Tudo são convenções determinadas pela Igreja, o que não diminui, é lógico, o valor - humano e religioso - de Jesus.

Lafayette disse...

É isso aí, meu caro, os concursados se curvando aos temporários... putz, estamos mesmo arrebentados.

A questão é de ponto de vista, mas, tudo certo, Yúdice, entendi o seu entendimento, entendeste o meu entendimento...

...e como dira aquele repórter: estando bom para ambas as partes... AQUI, AGORA! rsrs