sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Eram iguais

"Eram iguais" é apenas mais uma de minhas aventuras banais com as fantasias, sim, pois que é uma aventura percebê-las e torná-las palavras. Espero não molestar a ninguém, em especial num dia 2 de dezembro, em que a maioria se põe sensível para outros assuntos.

Daquele ângulo, só podia vê-la em silhueta, numa janela que parecia um portal para o prazer. Aprontava-se com calma e deleite. Trocava de sutiã a cada roupa, delicadamente; experimentava seu próprio corpo. Seus volumes e graças. Sua sedução. Como a encantar a si mesma. Olhava-se de frente, de lado... De costas, fazia questão de ajustar a calcinha e deixar as nádegas mais arrebitadas. Queria estar bem aprumada por baixo de qualquer roupa que certamente ela esperava que fosse rompida deliciosamente sob seu total controle ou sem nenhum pouco dele.

Sim, certamente estava com o ar-condicionado ligado, depois do banho que fora insinuado pela toalha na cabeça e depois posta de lado. Ela se deliciava ao passear cremes e essências em seu corpo, ora apoiada numa cadeira, ora na beira da cama.

Devia estar com o som ligado, porque sorria e bailava docemente entre uma e outra experiência do furor feminino, como que a prever seus próximos passos diante da plateia inocente demais pra ela.

Cada etapa concluída, um gozo. Sabia se colocar irresistível. Era o que queria. Era o que precisava naquela noite. E também fazia questão de se colocar a pequenos bisbilhoteiros. Pobres moribundos, que sorviam de si o que de si jamais teriam, se ela assim não o desejasse. Queria exibir-se. Apenas exibir-se a eles, naquele instante. E sabia-se notada e brincava com isto, sem perturbar seu ritual, que sempre incluía algumas doses etílicas. De preferência, com algumas carreiras de alegria fugaz. Ela não tinha pressa. O processo fazia parte de sua satisfação.

Ser espiada podia ser o fim da noite, mas ela só estava a iniciar. Sorria para a janela como a dizer ao moribundo que ela não estava ao seu alcance, mas que ela o teria quando o desejasse. Como ela gostava de tortura-lo com essa imagem!

Insinuou estar pronta e fechou a cortina da sua janela, olhando fixamente para o moribundo. Apagou a luz do quarto. Durante horas aquele miserável aguardou o retorno da indecorosa mulher, entre goles e goles de uma cachaça mal talhada que estava ao seu alcance.  Ele não tinha metas para aquela noite e preferiu a companhia da constelação de estrelas que não se furtavam a piscar para a ele, reluzentes. Mas não, não mais reluzentes que aquele corpo, aquelas carnes exuberantes e sensuais, que horas depois voltou à cena, à meia luz. Seu quarto de meretriz. Um torpor lhe tomou a vista. Ela estava agora acompanhada de um homem que jamais ele seria capaz de ser, mas que fazia com ela exatamente o que desejava, como uma marionete. Outro miserável. Outro moribundo. Mas a satisfazê-la em carne viva. Só lhe restava sorrir. Talvez em desdém, mas a sorrir.

Outros moribundos e meretrizes circulavam à sua frente, na calçada. Olhava sem prazer, sem fruições. Para quem desejava um par de palavras, ali estava ele, longe, mas lá estava. A sentir-se dentro da mulher que lhe desejava sem saber. Que lhe seduzia, com ódio na carne. Que lhe perseguia com o calor da devastação e da inquietude. Eram iguais.

7 comentários:

Edyr Augusto Proença disse...

Gostei

Erika Morhy disse...

Que honra, Edyr! Obrigada pela leitura generosa.

Marise Rocha Morbach disse...

Lindo Erika: gostei muitíssimo!

Erika Morhy disse...

O, Marise, muita grata! Desse jeito, vou acabar continuando a escrever "não-jornalisticamente" rs

Marise Rocha Morbach disse...

Erika, continue a escrever "não-jornalisticamente": mesmo!

Carol Marçal disse...

Erika, sendo safadinha também no Flanar.

Erika Morhy disse...

"Safadinha", é? hahaha Ai, Carol, assim você me mata! Obrigada, querida, pelo olhar.