segunda-feira, 1 de março de 2010

Quem faz parte do pacote

O nosso querido Val-André Mutran, aguerrido defensor da revisão geopolítica do território brasileiro, ou mais especificamente da criação do Estado do Carajás, publicou abaixo a postagem "Brasil, um país de todos, mas nem tanto", conduzindo-nos a artigo publicado no site do futuro Estado do Carajás, no qual o renomado economista Roberto C. Limeira de Castro tece considerações sobre a colonização brasileira, como um processo que ainda não terminou.
A despeito da festa que o nosso confrade faz em relação ao autor do texto - que não discuto, posto que não conheço o economista, nem disponho da qualificação necessária para questioná-lo -, fiquei com a impressão de que o artigo era um texto mais ufanístico do que técnico, o que é frustrante, na medida em que a postagem me deu a entender que eu leria argumentos econômicos capazes de provar a viabilidade do novo Estado, opondo-se a uma das mais rotineiras críticas que se faz à ideia.
Não encontrei nada disso por lá. E em que pese a fundamentação factual que embasa o texto, creio que ele pode ser sintetizado numa premissa principal: somente os moradores das regiões a serem desmembradas é que teriam direito a se manifestar no plebiscito.
Para o autor, é uma excrescência que "os brasileiros espoliados têm que pedir a concordância dos seus espoliadores para terem direito à emancipação, o que é a negação do conceito de emancipação". Por afirmações nessa linha é que considerei o texto panfletário. Questões de estilo à parte, Castro faz uma analogia com questões propriamente jurídicas ("O filho de maioridade, o escravo alforriado, o preso encarcerado ou a mulher casada são exemplos de emancipações no direito" e em nenhum desses casos "o emancipando têm que pedir permissão ao seu tutor para obter o direito à autonomia, à liberdade, à alforria, sair do julgo ou à emancipação"). Assim, fico mais à vontade para meter o bedelho.
A par de que os exemplos citados são completamente distintos (a maioridade é uma condição legal inelutável, que só não ocorre se o indivíduo morrer antes; o escravo podia comprar sua alforria, de acordo com as leis vigentes; o preso deve ser libertado ao término de sua pena e isso é indiscutível; a igualdade entre homens e mulheres foi reconhecida pela Constituição - ou seja, em todas essas hipóteses, a emancipação não é uma questão de escolha), faço as seguintes provocações:
1. Quando um casamento se dissolve, as partes, em juízo ou fora dele, precisam partilhar os bens do extinto casal. Seja mediante acordo, seja por sentença, a partilha é feita após escutar ambas as partes. O juiz não consulta apenas o autor da ação ou aquele que pareça mais frágil na relação. Ele escuta ambos para decidir, sob pena de nulidade.
2. Idêntico raciocínio faríamos numa dissolução de sociedade, quando todos os sócios precisariam ser ouvidos sobre o quanto e o como da divisão, a fim de prevenir danos e arbitrariedades.
Trazendo tal raciocínio à revisão geopolítica, precisamos lembrar que ela modificaria drasticamente o território, a população, o PIB, a arrecadação tributária e vários outros aspectos. Como tomar uma tal decisão sem ouvir aqueles que sofrerão as perdas? Lamento, mas a hipótese não me parece razoável.
Esta a provocação que lhes trago, para o debate. Tenho outra. Mas vou esperar que me tasquem as pedras primeiro.

PS - Acabei de extrair, do Hiroshi Bogéa Online, esta postagem sobre a proposta de divisão do Município de Marabá, que pode torná-lo o menor Município do Estado e, muito provavelmente, fazê-lo perder os royalties da exploração mineral ou, ao menos, de boa parte dela. É o caso de perguntar: os divisionistas estão de acordo com essa mudança? Se não estiverem, quais são os argumentos?

8 comentários:

Ana Miranda disse...

Eh...eh...eh...
Caro Yúdice, você não sabe a que eu me liguei agora lendo seu texto.
Eu sou matogrossense, meu estado já foi dividido, minha filha é goiana, o estado dela também já foi dividido, meu filho é paraense, será que também terá seu estado divido? Aí ficará faltando só Minas Gerais, terra natal do meu marido...
Desculpe-me ter dado essa visão ao seu texto.

Lafayette disse...

É verdade, Yúdice, quando numa separação, matrimonial ou societária, o Juiz escuta, de início, as partes: "Como é que é, o que que vocês querem, e como vocês querem resolver a questão?". Diria o nosso Juiz hipotético.

Mas, quando as partes, querem mais, querem tudo, ou boa parte, de um todo, quando começa aquele lenga-lenga, aquele diz-que-me-disse, e nem os advogados dos separandos se entendem mais... o que acontece?

O Juiz decide e pronto! "Duela a quiem duela", como diria um primo meu, maluco.

Neste caso da redivisão do Estado do Pará, o povo será o "Juiz", através do plebiscito...

*Mas, fico pensando, pensando, e imaginando como seria o debate, quais seriam os posicionamentos se, ao invés de 1, fossem 2 plebescitos: Um, todo mundo votando se o Carajás sai do forno, e Outro, todo mundo votando (inclusive o povo do Carajás, mesmo se aprovado), se o Tapajós é desmembrado.

Yúdice Andrade disse...

A tua visão, Ana, permite que vejamos que a vida continua após a divisão do Estado em que nascemos, fiquemos de um lado ou de outro. Existem, entretanto, bem mais coisas a considerar.

Lafayette, verdade que o juiz, em algum momento, decide doa a quem doer. Mas antes, obrigatoriamente, ele escutou ambas as partes. Disso ele não pode escapar.
De fato, o povo, no plebiscito, será o juiz da questão, doa a quem doer. Mas quem será esse eleitor? Esse é o meu ponto.

Lafayette disse...

É o meu também... aliás é o ponto de todo mundo.

Só acho que, se tem mais gente querendo separar, deve ser por que eles não querem mais! Não aguentam mais!

Claro "se" tem, e isto o plebiscito irá dizer.

. disse...

Professor Yúdice, mais uma vez, o senhor matou à pau!
Brilhante texto!

Anônimo disse...

Parabéns, Yúdice! Matou a pau, literalmente.

Yúdice Andrade disse...

Não acho que minha provocação tenha sido conclusiva, senão que é apenas isso mesmo: uma provocação, para ser levada adiante. Pena que, até o momento, ninguém quis responder a ela.

Raul Reis  disse...

Otimas analogias, Yudice. Teu argumento e racionalização tb procedem...