Aprende-se
com Charles Baudelaire que a literatura é o espaço para estender o imaginário e
possibilitar a crítica ao real. Por isso hoje me achego ao pé do ouvido
deste flâneur para narrar a morte de Bananeira, um miserável
que tomou destino embrulhado no famoso poema "Pneumotórax" de Manuel
Bandeira.
Bananeira
era um sexagenário guardador de carros que vivia pelas imediações da Bráz de
Aguiar. Tinha as barbas por fazer, a lembrar Hemingway; era maltrapilho, mas
tinha alma boa e guardava humor nas idéias. Contam que carregava na cintura um
objeto para espantar pivetes. Quando pediam para mostrar, sacava um pente.
Segundo ele, funcionava bem.
Compenetrado
na própria semiologia resolveu procurar o SUS na doce ilusão de que apenas meia
dúzia de pílulas resolveria tudo. Começou pelo posto de saúde, mas ali ficou sem
sentir melhora.
Rena, comerciante
local em quem depositava profunda confiança, foi seu ouvido. Sensibilizara-se
ao ver raios de sangue num lenço, cujo relato era turvado de lágrimas. Dentro
de seu altruísmo procurou ajudar o camarada que, dada gentileza, costumava,
cedo-cedo, acompanhá-la para abrir a porta de seu comércio e trazê-la de volta
até o carro, quando o expediente encerrava. Para os pingos da tarde, sempre
havia o guarda-chuva-amigo do Bananeira.
Rena pagou pelos
exames, que chegou ao especialista em velocidade de 50 gigabytes, por fiar amizades.
Diagnóstico diferencial: câncer avançado de pulmão.
Do Hospital Barros
Barreto, para recomeçar o périplo, foi encaminhado ao Ofir Loyola, aonde se
confirmou o diagnóstico por biopsia. Era tarde. Bananeira faleceu com a pele do
peito toda marcada para radioterapia que vislumbrava. Entre os primeiros
sintomas e a caixa-grande o abraço durou 40 dias. Morte trágica em menos de 12
horas após a falta de ar instalada, destino comum ao tumor que mais mata homens.
Bananeira foi um homem que viveu, ao sol, rodeado de amigos e, entre lua e estrelas achava no
tabagismo, e muito provavelmente em outras fumaças, o grande companheiro para o
vasto céu de sua solidão. O apurado foi apenas um detalhe nas calçadas da Bráz.
Diante da surdez
do SUS, os amigos da Braz acompanharam toda a peregrinação até sua chegada ao
esquife. Viram também a Medicina anestesiada, pois os médicos se acostumaram a
viver com esse caminho chafurdo que o sistema impõe.
Amigos lembram que
Bananeira tinha apenas o defeito de torcer pelo Paysandu e, quando seu time vencia
saia plantando bananeira pela calçada, daí o cognome. Mas o
que ele não tinha de bom, mesmo-mesmo, eram os pulmões sapecados da fuligem do
tabaco.
Certa manhã, ao
despertar de sono no próprio casebre, tossiu e escarrou sangue. Sem conhecer
Bandeira, “Manuel” Bananeira fez auto-diagnóstico de Tuberculose, sem ter
a chance de dizer trinta e três.
O sangramento se avolumava a
cada dia, a cada tosse. Desesperou-se. Resolveu lançar sua dor no peito dos
amigos da Bráz.
Diz-se que “Manuel” Bananeira
morreu na ilusão da Tuberculose ao ser embalado no poema de Bandeira, mesmo sem
saber dançar tango argentino.
Mas o que isso importa, se a lembrança maior
era a de plantar bananeira?
Labareda do bando de Corisco