Chico Cavalcante em seu blog Comunicação Militante fez um excelente "post" sobre "Veja" e suas relações perigosas.
"Veja" tem o direito de ser reacionária
"Veja" é uma revista reacionária, direitista e parcial. Isso está errado? Sinceramente, acho que não.Muita gente prega a neutralidade ou imparcialidade da imprensa. Não acredito nisso. Papai Noel e fadas não existem. Tal neutralidade não passa de um mito reacionário. Como o mito do "bom selvagem", que serve para justificar a submissão, a neutralidade da imprensa serve para encobrir sua parcialidade. É uma camuflagem.A imparcialidade que um jornalista imprime ou expressa num veículo de comunicação estará sempre limitada por dois parâmetros de ferro: os interesses do dono da mídia onde ele vende sua força de trabalho e suas próprias referências político-ideológicas. Balizada dessa forma, sua opinião não será imparcial, neutra. Tomará sempre partido."Mas o fato é neutro, é ocasional, conjuntural", você diria. "Se um homem morre, se um carro bate, se um candidato perde e outro ganha, se um império cai, se um tive ganha, são fatos inquestionáveis". Correto, você tem razão. Mas o que se publica não é o fato, mas a versão; é a leitura do fato que é publicada e toda leitura ou transcrição é parcial, ou seja, é uma forma de expor um (1) ponto de vista, portanto, de se tomar partido.Por entender que uma opinião, um ponto de vista, se baliza pelo acúmulo histórico de quem o expressa, acho justo que veículos de comunicação se alinhem nas diversas raias ideológicas e políticas que a sociedade produziu e sedimentou ao longo de séculos. Além de justo, é legítimo. A imprensa escrita começou com a imprensa partidária e não é indigno nem imoral que até hoje expresse pontos de vista partidários.O problema, portanto, não é assumir um lado; ao contrário, é esconder isso do leitor, é ocultar que aquilo que está sendo vendido como fato não passa de versão. Como "Veja" faz. O imoral em "Veja" é vender-se aos incautos como o espaço da verdade, da dignidade, da moral, da imparcialidade quando tudo o que vende em suas páginas é opinião parcial, de segunda-mão, escritas sob uma ótica reacionária, direitista, atrasada, intercalada por anúncios de bancos, companhias telefônicas e multinacionais de cosméticos.Mas onde está a verdade, afinal? A verdade não está em "Veja". Está nas ruas. A verdade não é patrimônio privado da imprensa, ela não pode ser aprisionada nem apropriada por uma empresa, cujo fim derradeiro não é assenhorar a verdade, mas aumentar seu lucro. A verdade é a apreensão individual de fatos historicamente determinados. Não é mercadoria e não se submete ao ditame da opinião; só se submete ao julgamento da História."Veja" queria derrubar Lula não porque ele "operava o mensalão", mas por preconceito de classe. Porque ele é um migrante nordestino que não cursou a Universidade e dirigia um partido que não passava de um ajuntamento de pobres, sindicalistas, grevistas, ativistas ambientais, militantes sociais, feministas, agricultores semi-analfabetos, intelectuais esquerdistas e religiosos subversivos. Tudo o que a direita odeia. Esse homem e sua gente não tinham o direito de tomar o poder onde "Veja" sempre teve assento privilegiado. Lula no governo é uma usurpação, um tapa da cara dos reacionários. E "Veja" sentiu e acusou o golpe.A eleição de Lula frustrou "Veja" que passou, então, a jurá-lo de morte: Lula é despreparado, é semi-analfabeto, Lula não fala inglês, o governo dele é fraco, Palloci é médico, Zé Dirceu é quem manda, Lula e Zé Dirceu têm a língua presa, a inflação vai voltar, o Brasil se tornou o pior lugar do mundo desde 2002, etc, etc.Quando as denúncias de Roberto Jefferson vieram à baila, "Veja" viu nisso uma oportunidade e tanto de vingar-se de Lula - não do Lula presidente, mas do Lula povo, ícone de uma gente até ali sem esperança."Veja" deu o sinal. Mas o povo não ouviu seus apelos de "fora Lula". Isso frustrou "Veja" mais uma vez. Não deveria. Afinal, a revista tomou para si uma tarefa que as massas não haviam se dado. Apenas "Veja" e a oposição de direita PSDB-PFL queriam derrubar Lula, esquatejá-lo, execrá-lo, apedrejá-lo em praça pública.Mas "Veja" fez a sua parte. Direitinho. Convocou as massas, decretou o fim do governo, fez acusações com base em ilações, escalou um retardado chamado Mainardi para cuspir em Lula e no PT, jurou de morte ministros e políticas públicas, inventou uma conta no exterior para o presidente e seus ministros, comemorou a cassação de Zé Dirceu, denunciou a sobrevida política de Zé Dirceu mas (opa!) silenciou sobre a descoberta casual de que o "valerioduto" que desaguou em Brasília começou com o PSDB de Minas. E agora, senhores e senhoras?E agora? Silêncio. A imparcialidade jaz. Procure em "Veja" uma única crítica ou denúncia contra o PSDB ou o PFL. Se achar, raridade, será fruto da luta interna do tucanato que, zonzo, começa a lavar a roupa suja em público - como fez na briga Serra versus Alckmin ou da disputa intestina entre PSDB e PFL pelos nacos de poder que dispõem.O engajamento de "Veja", bem entendido, não se faz em nome da justiça e dos bons costumes, menos ainda em nome da "imparcialidade da imprensa" - essa utopia capitalista. Se faz em nome do projeto de poder do bloco PSDB/PFL - que governou por oito anos o Brasil, impediu a instalação de todas a CPIs e, pelo que vejo, só deixou saudade no departamento comercial da Editora Abril e nos investidores privados, que assumiram o controle de estatais lucrativas a preço de banana."Veja" clamou no deserto. O povo não atendeu ao chamado de "Veja". Nem ouviu, nem viu. Que povo inculto! Que malta de insensatos! Que miseráveis volúveis! Não percebem que estão sendo manipulados por esse "sapo barbudo" e seu partido de malandros e trapalhões?Para "Veja" a dialética é uma aberração. Só a lógica formal vive e prospera. Por isso, diante de um fato tão surpreeendente para seus mentores e conselheiros (Lula ganhará as eleições, dizem as pesquisas, com uma diferença maior de votos do que venceu em 2002), "Veja" se apressa em encontrar culpados, e, eureka!, os encontra! São os pobres ("gente inculta", "sem escolaridade formal", "nordestinos") de novo, esses que não lêem "Veja" e, por isso, servem de fortaleza para Lula.Se pudesse, "Veja" instituiria campos de reeducação ou colocaria essa "gentalha" para ler suas edições encadernadas sob o sol.Os donos de "Veja" vendem a revista como se fosse a Bíblia Sagrada do jornalismo, mas esse pasquim não passa de papel ordinário e opiniões datadas e repetidas. Direita é direita em qualquer parte. Esquerdas são diferentes.Como personagem de desenho animado que planeja em um sótão iluminado por relâmpagos conquistar o mundo, "Veja" acha que Collor caiu por decisão de seu comitê editoral. Ora, então basta isso para derrubar Lula. Epa! Mas não funcionou! O que aconteceu?Uma revista não derruba governos. Nenhuma revista tem tamanho poder. Pode atiçar, instruir, convocar, difamar, destruir reputações, ficar impune, mas só o povo é quem pode derrubar governos e fazer revoluções. E o povo não estava nem aí para "Veja", suas instruções e seu ajuntamento de reacionários - descontando André Petry, um articulista progressita que serve para mostrar que toda regra vem uma vez por mês.Ainda assim, você acha que "Veja" é imparcial? Faça um teste. Se há um fato qualquer, "Veja" está sempre do lado direito da questão. Nas origens, silenciou enquanto a ditadura matava e prendia no Brasil e afinou o coro do "Ame-o ou deixe-o" enquanto o sangue de mártires tingia nosso solo; esteve com Bush nos ataques ao Afeganistão e ao Iraque. Está com os Estados Unidos contra o Irã para garantir que apenas o país de Bush tenha o direito de se defender e atacar usando armas atômicas. Está com Israel contra os palestinos. Está com a direita Venezuelana contra Chaves. Demoniza João Pedro Stédeli e criminaliza o MST. Silencia diante da evasão de divisas de parlamentares de outros partidos enquanto põe o PT na roda dos expostos. Reforma trabalhista na França? "Veja" apoia se cortar direitos dos trabalhadores. Reforma agrária? Vade retro, satanás! Eleições presidenciais no Brasil? Está com Alckmin contra o bom senso que manda ver São Paulo e escolher se queremos que o cerco da bandidagem se reproduza, em escala, em todo o país."Veja" é reacionária. Direitista. Poderia assumi-lo. Tem esse direito. Contudo, insiste em levantar a bandeira dos fatos, embora não resista a eles.Tudo bem, você ainda acha que estou exagerando. Então leia o suplemento "Mulher", que acompanha a edição 1958 de maio de 2006 e que está nas bancas. É a prova cabal de que um reacionário legítimo expõe seus preconceitos até quando quer fazer crer não possuí-los.Confundindo conquistas do feminismo com frustrações femininas que não passam de frustrações humanas, coloca a mulher de volta à margem e às futilidades; reafirma preconceitos ao descrever como função social dos gays serem eles os melhores conselheiros de mulheres - "desde que não dividam interesse pelo mesmo tipo de homem"; torcendo número, afirma que o destino das mulheres bem sucedidas e com formação superior completa é amargarem a solidão ("com diploma e sem marido") e, tendo Margareth Thatcher como modelo, afirma que "o poder é masculino", ou seja, as mulheres, embora tenham alcançado posição de mando na vida pública e na iniciativa privada, apenas "imitam" os homens quando chegam ao poder ("poderosas e frias como os homens que também chegaram lá")."Veja" tem o direito de ser reacionária. E você, o direito de ler "Veja" sabendo disso.
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