Fato acontecido ontem na UMS da Marambaia, revolta e entristece, em especial os cidadãos que dependem destes serviços públicos, crônicamente atingidos por sucessivas gestões, nem sempre com a visão e diposição necessária para erradicar seus problemas.
Mas ainda é muito cedo para julgar o fato pontual. Quem se apressa em fazê-lo, corre o risco de partir para o puro e simples linchamento. Ouso portanto comentar o assunto baseado literalmente na reportagem de O Liberal.
Precisaríamos ter no mínimo, respostas às seguintes questões:
Quais exatamente os sintomas apresentados e sua evolução cronológica (que pode ser rápida, como parece ser o caso, ou arrastada, com inúmeros sintomas premonitórios)?
Qual o procedimento do paciente, de seus responsáveis ou assistentes?
Qual exatamente o procedimento assumido pela equipe de saúde no atendimento da emergência?
Como foi feito o diagnóstico que a reportagem publica (quadro clínico, ECG, dosagem de enzimas cardíacas)?
Quais as condições de trabalho da unidade em questão?
Qual o nível de treinamento a equipe possui para atender a emergências deste tipo?
Como está desenhado o sistema público de saúde para fazer frente a este tipo de situação?
Lendo a reportagem de O Liberal, fala-se em diagnóstico de Síndrome Coronariana Aguda (Infarto Agudo do Miocárdio). Tal diagnóstico, de imediato, precisa ser confirmado através de serviço de verificação de óbito para fins de apuração. Muito embora, seu diagnóstico clínico seja possível e mesmo recomendável para tomada de decisões por parte da equipe de saúde.
Neste caso, o tempo é mais do que precioso. Decisões como terapia trombolítica (uso de medicação capaz de romper trombos e desobstruir as coronárias), cateterismo cardíaco, cirurgia de revascularização de urgência ou mesmo o tratamento conservador, devem ser tomadas nas primeiras 3 horas, sob risco de perda progressiva de massa miocárdica, na razão direta do tempo que se leva para tomá-las. Isto, levando-se em conta que o paciente sobreviva no período inicial da doença. Desnecessário dizer que o ambiente de uma Unidade Municipal de Saúde não é nem pode ser o mais adequado para o atendimento avançado destes pacientes. Isso é feito no hospital. Cabe-lhe naquele ambiente, o necessário e obrigatório suporte básico de vida.
Insuficiência respiratória (outro diagnóstico sindrômico citado na reportagem), deve ser tratada com recursos que vão desde simples medicamentos ao cateter nasal de oxigênio, passando pela ventilação manual com bolsa de oxigenação e máscara, culminando com a entubação orotraqueal de emergência e ventilação artificial. Por si só, a ocorrência de insuficiência respiratória paralela ao diagnóstico de infarto, pode ser indicativa de má performance cardíaca e péssimo prognóstico. Feito o suporte básico de vida com êxito, passa-se então ao atendimento em hospital especializado. Se não houver êxito, nada mais a fazer.
Arritmias graves, como a fibrilação ventricular (FV)/taquicardia ventricular (TV) - tratadas tecnicamente como parada cárdiorrespiratória - são muito frequentes nestes casos e exigem o suporte básico de vida com o uso de desfibriladores, massagem cardíaca externa, ventilação artificial e drogas (reanimação cárdiorrespiratória e cerebral). E gente treinada adequadamente para fazê-lo.
Nesta hora dramática, muitos se vão por absoluta impossibilidade de recuperar o ritmo cardíaco normal (dito sinusal) diante de amplas e extensas obstruções coronarianas que impedem a oferta de sangue oxigenado ao coração. E outros, por dificuldades na execução dos procedimentos recomendados. Daí, a necessidade de apuração pormenorizada do fato pontual.
Esta é, de maneira constrangedoramente simplória, a teoria que existe por trás do atendimento de Síndromes Coronarianas Agudas.
Nem todas, graças a Deus, se apresentam ao médico da forma mais dramática, como aparenta ser o caso do segurança na UMS da Marambaia. Muitas vezes, a equipe de saúde tem tempo para tomar as medidas cabíveis dentro do tempo recomendado. Outras, dolorosamente, não.
E de fato não é recomendável remover pacientes instáveis em ambulâncias. Em primeiro lugar a estabilização clínica básica deve ocorrer, seja na via pública ou no posto de saúde, para só então proceder as transferências. Isso significa ter os sinais vitais sob controle e garantia de boa oxigenação. É norma mundial dos serviços de atendimento pré-hospitalar.
Cabe a UMS da Marambaia mostrar que possui os recursos de suporte básico de vida como arsenal terapêutico adequado, equipe treinada, desfibriladores com monitor cardíaco acoplado, bolsas para oxigenação com máscaras, fonte de oxigênio, laringoscópios, cânulas orotraqueais, dispositivos calibrosos de acesso vascular, apenas para citar o básico.
10 comentários:
Como leigo na medicina concordo que este caso deva ser melhor esclarecido, entretanto posso lhe afirmar que diariamnte há casos semelhantes em todo o interior do Estado do Pará pois os Municípios, em sua maioria, municipalizou a saúde sem possuir as menores condições para fazê-lo, como é o caso de Mocajuba onde nem ambulância funciona os doentes de lá são trazidos em carros inadequados para Belém e aqui largados como se animais fossem, em sua a saúde no interior do Pará não existe.
Excelente o seu comentário, anônimo. Traz aos nossos leitores a realidade da medicina praticada no interior do estado. Em Mocajuba e com toda certeza em vários rincões deste país, a realidade não é muito diferente. Há necessidade urgente de descentralizar o atendimento hospitalar em saúde, capacitar profissionais e equipar os postos de saúde no atendimento de urgência e emergência. Criar postos de saúde desaparelhados apenas para praticar a ambulancioterapia e o clientelismo é estratégia politiqueira. As comunidades devem sim exigir os Hospitais Regionais sérios, bem geridos e sem aparelhamento político. Mas devem também exigir de seus prefeitos a correta gestão de seus postos de saúde. Que eles possuam equipes treinadas e equipamentos que garantam a mínima resolutividade para urgência e emergência. Que não lhes faltem medicamentos e que também o ser humano seja bem atendido. Hospital pra todo mundo, é fora da realidade de nosso e de vários outros países, incluindo os EUA. Mas construir hospitais em regiões estratégicas e dar-lhes resolutividade, (sem aproveitar-se da boa e acertada idéia para aquinhoar terceiros em troca de favores políticos) é a solução desenhada e a única viável.
Mocajuba e certamente muitas outras regiões do enorme Brasil, precisam de soluções sérias.
Sem bandalheira e nem corrupção.
Aí é que reside o perigo. Como vc certamente já deve ter percebido há muito tempo.
Abs e obrigado pelo seu rico comentário.
Muito bom o comentário.
Obrigado, Lauande.
Também foi muito oportuno o comentário do anônimo de Mocajuba, que enriqueceu a discussão.
Caro Barreto, eu sabia que encontraríamos aqui uma abordagem sobre o caso com os conhecimentos devidos. É isso que considero importante nos blogs: cada um oferecer os seus conhecimentos pessoais para dar, aos leitores, uma visão mais ampla e precisa dos acontecimentos do mundo.
Hoje postei, em meu blog, um comentário sobre o caso, no qual me limito a dizer que considero precipitada a decisão do sedizente prefeito de afastar imediatamente todos os servidores envolvidos, como se todos fossem culpados. Ou seja, limitei-me àquilo que pode ser considerado da minha alçada.
Esta tua postagem dá uma dimensão médica excelente. Parabéns.
Nada como um especialista traduzir sua especialidade para nós, os leigos.
Mas que está na cara que a Unidade de Saúde não tem as consições para enfrentar um caso com tal gravidade. Conhenhamos Dr. Barreto, isso, não tem e outros, muitos outros estão em risco quando precisarem de auxílio de emergência dessa magbitude.
Uma pena...Uma vida...Nossa maior riqueza esvaindo-se pela palma da mão.
Ave Maria, cheia de graça...Na ora de nossa morte. AMÉM.
Caríssimo Yúdice.
Sem a menor dúvida, esta é a melhor contribuição dos blogs. E o seu, há muito já vem trilhando este caminho com destreza e maestria. Continuemos então com nossas análises cidadãs.
Abs
Val-André.
Salve meu nobre jornalista e DJ de alta octanagem.
No caso específico, sem a devida apuração, tudo é possível.
Levando em conta a situação da rede básica de saúde, os parcos atrativos salariais, a crônica falta de seriedade nas gestões e o aparelhamento político das "açôes" e "intervenções", não é mesmo de se estranhar que coisas assim aconteçam, como muito bem coloca o primeiro anônimo a comentar o post.
Se as questões forem resolvidas de maneira técnica adequada, a solução pode começar a surgir.
Algum dia, quem sabe.
Abs
E mais. Levando em conta os fatos que nos chegam, apostaria na multicausalidade.
Como no acidente aéreo da Gol!
O Dudú disse que se o hospital SirioLibanês já estivesse em uso não aconteceriam esses casos!
Querdizer, a culpa é de quem não deixou consumar a compra, pela prefeitura?
Já achamos o culpado, não há o que analisar!
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