sábado, 9 de fevereiro de 2008

Transparência para poucos

Na edição de hoje do jornal Folha de São Paulo está publicada entrevista com o ministro da Controladoria Geral da União-CGU, Sr. Jorge Hage, 70 anos. Apesar da importância da autoridade e dos esclarecimentos ali resgistrados a página on line do semanário paulista não dá qualquer destaque de chamada. Os repórteres Felipe Seligman e Lucas Ferraz foram encarregados da entrevista que, em alguns momentos, oscila em direção a um tom inquisidor. Hage, contudo, demonstra com serenidade que ao menos com ele a rapaziada havia tomado o bonde errado.

FOLHA - O cartão é indicado para gasto eventual. É correto usá-lo para comprar tapioca, gastar em joalheria, mesa de sinuca, hotel para família, restaurante de luxo?
JORGE HAGE -
Qualquer gasto só tem cabimento se for de interesse público. É bom senso. Pode pagar tapioca ou sanduíche? Se estiver em viagem ou a serviço, pode. O problema é que não há norma legal expressa: o Congresso não se dignou a regulamentar artigo que prevê nova lei complementar de normas orçamentárias e financeiras.

FOLHA - Ministros que usaram o cartão cometeram irregularidades...
HAGE -
Sempre fui favorável ao restabelecimento das diárias de valor fixo para ministros, como todos os demais servidores. Isso foi suprimido por alguma atitude demagógica e hipócrita.

FOLHA - E quanto às irregularidades cometidas pelos ministros?
HAGE -
Não vou me pronunciar, ainda estamos em auditoria. Na próxima semana devemos ter o resultado, pelo menos dos dois primeiros [Matilde Ribeiro e Altemir Gregolin].

FOLHA - E sobre o reitor da Unifesp, Ulysses Fagundes Neto, que pagou altas somas em restaurantes de luxo. A escolha não é questionável?
HAGE -
Aí entramos em outras questões: princípio da economicidade e da razoabilidade. Precisa-se questionar o que é um nível de despesa razoável.

FOLHA - Pode pagar conserto de uma mesa de sinuca?
HAGE -
A mesa de sinuca pertence a quem? É patrimônio da pasta. Aqui na CGU há uma TV na garagem para os motoristas. É legítimo ter uma mesa de sinuca na área da garagem para recreação de motoristas na hora de intervalo? Se sim, não há nada condenável.

FOLHA - Como a CGU vai analisar a questão?
HAGE -
Racionalmente, não pelo aspecto pitoresco da notícia. Porque mesa de sinuca dá manchete, assim como tapioca, mas não é o que me interessa.

FOLHA - A CGU não falhou ao não detectar essas irregularidades?
HAGE -
Não tem como conferir gasto por gasto. É absolutamente impensável. É preciso ter outros métodos para ampliar o controle.

FOLHA - Por exemplo?
HAGE -
Transparência absoluta para os gastos, de modo a expormos à visibilidade da sociedade.

FOLHA - Inclusive os gastos da Presidência, que o governo questiona?
HAGE -
Calma, calma. Publicidade e transparência é o melhor instrumento para ampliar as possibilidades de controle. O rebuliço que está aí é porque o país nunca esteve acostumado a isso. Estamos dando um choque de transparência, por isso há tanta turbulência.

FOLHA - Mesmo assim é grande o número de saques.
HAGE -
Alteramos com o decreto do presidente: o saque será proibido. O uso do cartão para esse fim neutraliza os propósitos de transparência.

FOLHA - A Universidade Federal do Piauí gastou 99,8% do cartão em 2007 com saques em dinheiro.
HAGE -
Está fora do padrão e vai ter que mudar. É um caso típico que vai acabar. As universidades serão investigadas. Estamos numa linha ascendente em termos de crescimento de transparência, desafiamos comparação com qualquer país, qualquer governo estadual. Finalmente hoje [ontem] a Folha mostrou [os gastos com cartão] do Estado de São Paulo, e não é nenhuma crítica, é um elogio, já que ele foi pioneiro no cartão. O governo federal entrou atrasado nisso.

FOLHA - Qual é a caixa-preta dos cartões?
HAGE -
Caixa-preta total, que vocês nunca reclamaram, era no passado. Quantas sinucas e outras coisas aconteceram e nunca ninguém questionou nada. Estamos mudando, com a restrição ao saque e o fechamento da conta "tipo B". Estamos apanhando porque estamos avançando.

FOLHA - E as despesas da segurança da Presidência da República, a CGU também vai investigar?
HAGE -
Não tenho nada a dizer, porque são da alçada do órgão de controle interno da Presidência.

FOLHA - A CGU não se mete com a Presidência?
HAGE -
A CGU só atua nós órgãos da Presidência mediante solicitação da Casa Civil.

FOLHA - O sr. acha que há uma confusão entre o público e o privado?
HAGE -
Rotineiramente não, mas eventualmente sim. Toda a discussão está girando sobre 0,004% da verba do governo.

FOLHA - Uma CPI ajudará a investigar os gastos com o cartão?
HAGE -
Se fosse para investigar apenas cartões não seria tão importante quanto será se analisar todos os suprimentos de fundo, principalmente da época em que era tudo conta "tipo B" e não havia transparência.

5 comentários:

Anônimo disse...

...certamente sao avancos, mas a presidencia continua de fora, por uma justifcatica tecnica.

Sao dois pesos e duas medidas. Ate entendo se estivesse do lado de la, mas como estou do lado de ca me sinto incomodado com isso. Nao e agradavel pensar que em um governo democratico um presidente dito de esquerda gasta recursos publicos para grampear as pessoas sem nem ao menos precisar prestar contas de quanto gastou.

Itajaí disse...

Pelo que eu sei quem põe grampo é a Polícia Federal com autorização judicial. Sabes de algum outro promovido ilegalmente por algum orgão do executivo federal?
Se sabes por favor identifique-se em off, apresente as provas que eu publico aqui e ainda encaminho a denúncia para quem de direito apurar. Entretanto saibas desde já que ficarás na condição de denunciante ou testemunha.
Se o teu incômodo está relacionado ao sigilo de ações de segurança do presidente e do país, aviso-lhe que irias continuar incomodado em uma boa penca de países, onde a prática é secular: Estados Unidos da América, França, Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália, Argentina, Chile, Uruguai e paremos por aqui que a lista é grande.
Obrigado pelo comentário.

Anônimo disse...

Caro Oliver, de forma nenhuma o necessário sigilo incomoda. Permita-me repetir um trecho de meu comentário:

Ate entendo se estivesse do lado de la, mas como estou do lado de ca me sinto incomodado com isso. Nao e agradavel pensar que em um governo democratico um presidente dito de esquerda gasta recursos publicos para grampear as pessoas sem nem ao menos precisar prestar contas de quanto gastou.

Nem precisava, porque acho que você já havia entendido.

Desconcertante é saber que os gastos com arapomgas cresceram a olhos vistos nos últimos anos.

Segundo o Estadão (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?t=despesas_sigilosas_do_governo_dobram_em_4_anos&cod_Post=89580&a=111) houve um crescimento de 42,8% em 2007 em relação a 2006, nas chamadas "despesas sigilosas", que incluem as contas da Presidência da República.

Itajaí disse...

Governos democráticos também espionam sob amparo legal, sem que para isso cada cidadão se imagine sob o foco de algum grande irmão orweliano.
Quanto as despesas sigilosas do gabinete de segurança institucional da PR, do ponto de vista da gestão pública, estão na alçada do orgão de controle interno da PR, como bem explicou o Ministro Hage da CGU (no post). Não está portanto assim a farra que a sinfônica da oposição faz crer.

Anônimo disse...

:-) deixa quieto.