sexta-feira, 11 de julho de 2008

Advogado de ilibada reputação

O blog do jornalista Luís Nassif apresenta intrigante discussão a respeito do prende-solta-prende do banqueiro Daniel Dantas, nesta semana:

A constitucionalidade do HC

Como é um tema técnico, peço aos advogados-comentaristas que comentem o seguinte post.

Por Eduardo

Nassif, talvez o comentário nesse post não seja o local mais adequado. Mas gostaria de iniciar uma discussão séria sob o ponto de vista jurídico da decisão do Min. Gilmar Mendes que libertou o Daniel Dantas.Súmula 691 do STF diz o seguinte:

"Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar."

A questão é: o STF não analisa Habeas Corpus impetrado contra decisões liminares de Ministros do STJ, mas apenas após o julgamento definitivo por tal Tribunal por órgão colegiado.

No caso específico, o habeas corpus havia sido indeferido no STJ por uma decisão liminar do Ministro relator. O HC não havia sido julgado em definitivo pelo STJ.

Em 99,99% dos casos, portanto o Supremo Tribunal Federal sequer analisaria o Habeas Corpus e mandaria aguardar tal julgamento definitivo pelo STJ antes.

Mas o Min. Gilmar Mendes afastou a Súmula e analisou o Habeas Corpus, contrariando a jurisprudência pacífica do STF.

Afora esse, só consigo lembrar disso acontecer no julgamento de outro Habeas Corpus: aquele que libertou o Paulo Maluf e seu filho, em cujo julgamento, aliás o Min. Carlos Mário Velloso comentou que ficava tocado em imaginar a situação de pai e filho presos na mesma cela.

Há uma segunda questão jurídica importante: a liminar no Habeas Corpus preventivo que havia sido impetrado fora indeferida pelo TRF e pelo STJ pois os Juízes entenderam que não havia risco concreto de ameaça à liberdade do Daniel Dantas apenas com base naquela matéria da Folha de São Paulo. A situação era distinta quando o HC chegou ao Supremo, pois aí a prisão já havia ocorrido. Mas nesse caso, o STF normalmente deveria ter determinado ao TRF que julgasse a questão da liberdade sob o enfoque da nova decisão, mas nunca concedê-la diretamente, pois isso é uma clara e evidente supressão de instância.

Em suma, tudo muito estranho...

Veja Nassif, a crítica aqui é estritamente jurídica. Mas no fim das contas, ela acaba voltando a uma questão chavão: por que isso acontece apenas nesses casos envolvendo presos muito ricos?

Complemento o instigante post do leitor do Nassif, que o dono do blog levou à ribalta. O assunto pode parecer meio áspero para quem não é do ramo, mas é revelador.

As hipóteses de competência para apreciação originária de habeas corpus pelo Supremo Tribunal Federal estão previstas em três alíneas do inciso I do art. 102 da Constituição Federal: a “d” e a “i”.

Diz a alínea “d” que o Supremo conhecerá do habeas corpus se for paciente (isto é, aquele a quem o HC beneficia) um Ministro de Estado, os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os ministros de Tribunais Superiores ou do Tribunal de Contas da União e os embaixadores ou outros chefes de missão diplomática de natureza permanente, seja no caso de crime de responsabilidade, seja no caso de crime comum.

A alínea “i” do mesmo artigo, por sua vez, prevê a competência do STF para conceder habeas corpus quando a autoridade indicada como coatora (isto é, contra quem se dirige a acusação de atentado à liberdade individual) for:

a) Tribunal Superior (o próprio STF, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral ou o Superior Tribunal Militar);

b) autoridade ou servidor público cujos atos estejam diretamente sujeitos à jurisdição do Supremo Tribunal Federal – isto é, aqueles cujos atos, judiciais ou administrativos, estejam submetidos à competência recursal ou revisional do STF. No caso em que o paciente esteja enquadrado nesta hipótese, também cabe o HC ao Supremo.

A mesma alínea prevê ainda a hipótese de HC no Supremo quando o crime imputado ao paciente seja decidido em única instância (caso, por exemplo, dos crimes comuns cometidos pelo presidente da República).

Mais adiante, ainda na Constituição Federal, anota-se o seguinte:

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

d) os "habeas-corpus", quando a autoridade coatora for juiz federal.

O que evidencia esta chatice jurídica é que o ministro presidente do Supremo Tribunal Federal violou a Constituição. Afinal, acatou habeas corpus em que nenhum dos pacientes (Daniel Dantas, Naji Nahas, Celso Pitta, Verônica Dantas e os demais) se enquadrava nas hipóteses constitucionais de beneficiários de um HC em curso, a esta altura, no STF. A autoridade apontada como coatora – o juiz da 6ª Vara Federal da seção judiciária paulistana –, por sua vez, estava sujeita a ter seu ato impugnado por HC dirigido ao Tribunal Regional Federal a cuja jurisdição está sujeito; nunca ao STF.

Na hipótese de ter-se valido de decisão anterior do STJ e ter apontado este tribunal como coator, como bem elucida o post do blog do Nassif, o presidente do Supremo, ainda assim, teria deixado de observar jurisprudência pacífica da Corte (no caso, a Súmula n. 691 do próprio Supremo). Em um tribunal superior, que objetiva a unificação do entendimento sobre matérias não pacificadas nas instâncias inferiores - e que por isto mesmo se vale sempre que possível dos precedentes e das súmulas em seus julgamentos -, a posição de Mendes é fortemente contestável.

O fato é que Gilmar Mendes a cada dia mais demonstra ter agido como verdadeiro advogado de defesa de DD e companhia: pessoalmente ou por assessores, apressou o juiz federal que respondia pela 6ª Vara a prestar informações no habeas corpus em menos de 24 horas, contrariando a praxe jurídica e o que diz o Código de Processo Penal (e até dificultando tais informações, já que o processo no qual foi proferida a primeira ordem de prisão possui inúmeros volumes), agindo com celeridade anormal para a concessão da ordem de liberdade, visto que trabalhou até muito depois do expediente forense, contrariando a conhecida e rotineira morosidade dos tribunais superiores.

Mas o mais grave não está aí. O pior foi Mendes ter encontrado desvios e filigranas jurídicas aptos a burlar a evidente incompetência da Suprema Corte para apreciar o HC: utilizou-se de um habeas corpus anterior, de caráter preventivo, que havia sido ajuizado por Daniel Dantas logo que veiculada reportagem da Folha de São Paulo, datada de 25 de abril e assinada pela jornalista Andrea Michael.

Como a reportagem falava na hipotética prisão de Dantas pela Polícia Federal, os advogados do banqueiro ingressaram com um pedido preventivo junto ao Supremo – mais uma vez, estranhamente, no Supremo, quando havia, também neste caso, instâncias inferiores a serem superadas. O pedido foi negado, pois faltavam evidências concretas de ameaça à liberdade do paciente. Quando eclodiu a Operação Satiagraha, o mesmo HC foi reiterado, desta feita sob caráter liberatório, e o presidente do Supremo o deferiu. Contra tudo e contra todos. Inclusive a Constituição.

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Corrigida e complementada às 15:11 hs.

5 comentários:

Unknown disse...

Meus parabéns, colega Flanar.
Não é à toa que lhe admiro.
Abs

Francisco Rocha Junior disse...

Obrigado, Juca. A admiração é mútua, então.
Abração.

Anônimo disse...

Só falta agora o STF mandar prender o delegado Protógenes, sob acusação de "perigo de gol", ou seja, por estar executando, e bem, o seu trabalho.

Francisco Rocha Junior disse...

Pior que o STF prender, das 10:39, é a cúpula da PF afastá-lo do caso. Mau sinal.

Anônimo disse...

A PF afastá-lo é realmente horrível. Acho que se o laxante for ministrado mesmo, e na dose que se necessita, vamos ter que construir penitenciárias 5 estrelas, pois muita gente rica e poderosa, do atual e do anterior governo vai cair. E se não for assim, haja massa, porque a pizza será gigantesca, o que é mais provável, infelizmente.