terça-feira, 21 de outubro de 2008

Sangue e informação

Mais uma vez, a mídia faz do crime e da tragédia um espetáculo. O caso da menina Eloá, morta após mais de 4 dias de encarceramento privado, com toda a imprensa ao redor do cativeiro, entrevista ao vivo com o seqüestrador e, finalmente, festa particular exibida nos jornais pelo recebimento do coração da vítima para transplante, lembra muito a letra de uma célebre canção de João Bosco e Aldir Blanc:

Tá lá o corpo
Estendido no chão
Em vez de rosto uma foto
De um gol
Em vez de reza
Uma praga de alguém
E um silêncio
Servindo de amém...

O bar mais perto
Depressa lotou
Malandro junto
Com trabalhador
Um homem subiu
Na mesa do bar
E fez discurso
Prá vereador...

Veio o camelô
Vender!
Anel, cordão
Perfume barato
Baiana
Prá fazer
Pastel
E um bom churrasco
De gato
Quatro horas da manhã
Baixou o santo
Na porta bandeira
E a moçada resolveu
Parar, e então...

Tá lá o corpo
Estendido no chão
Em vez de rosto uma foto
De um gol
Em vez de reza
Uma praga de alguém
E um silêncio
Servindo de amém...

Sem pressa foi cada um
Pro seu lado
Pensando numa mulher
Ou no time
Olhei o corpo no chão
E fechei
Minha janela
De frente pro crime...

Na coincidência infeliz entre ficção e realidade, cria-se a tensão, a partir de um fato que deveria ser tratado com discrição, inclusive pelo bem dos envolvidos; festeja-se a oportunidade de negócio, com camelôs da notícia, baianas da mídia e malandros da política querendo tirar sua casquinha; aparece o corpo, prova do crime, desfecho bárbaro e anunciado dos acontecimentos; mas a vida segue, como se algo corriqueiro e natural tivesse ocorrido.

Será assim, até que nova tragédia venha a ocorrer. Já foi assim com João Hélio, João Roberto, Isabela... e assim continuará a sê-lo, exibindo-se o horror nas nossas televisões, telas de computador, jornais e revistas. Sem escrúpulos ou pudores.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nos noticiários não há compaixão. Sinto neles apenas o cheiro da avidez que temos pelas tragédias, como se a cada uma ficasse mais suportável o dia-a-dia quase trágico da maioria dos "cada uns".

E quando o crime é passional, aí então parecem todos enlouquecidos. Lembram o trecho do poema de Herberto Hélder, um contemporâneo português:

"...Há gente que se apossa da loucura, e morre, e vive.

Depois levanta-se com os olhos imensos e incendeia as casas, grita abertamente as giestas,

aniquila o mundo com o seu silêncio apaixonado.

Amam-me, multiplicam-me.

Só assim eu sou eterno."

Abraço.

Francisco Rocha Junior disse...

Belo poema, Bia. Melancólico, como fica o espírito após saber de notícias como a deste seqüestro monstruoso e notar o espalhafato que sempre se forma em torno.
Abraço.