Foi posto nos trilhos e começou a andar mais um vagão de cotas raciais e sociais, que ontem partiu da Câmara, agora vai para o Senado e o destino final será as Universidades Públicas.
A medida é simpaticíssima e politicamente correta.
Mas, com todo o respeito, é um remendo aplicado por uma sociedade política - e civil também - que não quer - e não quer mesmo - resolver o problema de fundo, que é a brutal desigualdade social e regional, bem medida pelo índice de Gini.
Claro que qualquer crítica que se faça a essas cotas expõe o crítico ao risco de maldição imediata e perpétua.
Prefiro correr o risco de receber de volta pedras - ou até uma pedreira inteira - do que deixar passar essa oportunidade de colocar o dedo na verdadeira ferida, que é a desigualdade social e regional.
As bolsas e cotas são remendos que não dão a solução completa e definitiva para esse problema de fundo, sem a qual continuaremos onde estamos, embora possamos progredir economicamente e posar de BRIC ou membro do G-20.
E como muitos já disseram antes - e por isso mesmo estão ou foram para o ostracismo - nenhuma dessas duas ações afirmativas apontam a porta de saída.
Assim, corremos o risco de perpetuar a desigualdade e seus remendos, as bolsas e as cotas.
Voto com o relator, Excelência.
8 comentários:
Pode não ser a solução. Mas em termos práticos é a que melhor se dispõe. A governabilidade da solução da desigualdade regional é complexa e tem riscos muito grandes no curto e médio prazos. Para usar de humor, diria que esperamos por ela há quinhentos anos. O povo tem pressa.
Itajaí,
Em termos práticos, melhor seria uma solução definitiva. É isso o que o fim das desigualdades sociais e regionais representa. Enquanto não optarmos por esta solução - que deverá passar por um verdadeiro pacto político, social e federativo, pois demandará mais que 2 mandatos de um único presidente - estaremos eternamente limitados à adoção das quotas para minimizar (repito: minimizar) os problemas daí advindos.
É o que defende o Alencar e o que subscrevo, sem tirar uma vírgula.
Abs.
Caro Francisco.
o fator positivo é o debate das cotas sair debaixo do tapete e vir para a mesa da sala. Para cima da mesa...rsrsrs...
Todos nós queremos mais e melhor e essa foi a resposta do caro Alencar ao meu comentário no blog dele. Mas, insisto que alguns por boa fé e outros por péssimo hábito, acabam combatendo o mau combate.
O exemplo eu tenho: quando titulávamos terras para quilombos, através do programa Raízes, entre 2000 e 2006, optamos por garantir a titulação de parcelas das terras, quando a totalidade mostrava-se inviável de imediato.
Isto fortalecia a comunidade inclusive, para avançar na luta para apropriar-se depois do que lhe era legitimamente de direito. Assim aconteceu no Acará, e deverá acontecer - resultado ainda das gestões anteriores - com a comunidade de Camiranga, em Capitão Poço. Enquanto isso, a população quilombola se reconheceu como tal, orgulha-se do que é e se fortaleceu em outras ações.
As cotas são assim, também. O justo, o desejado, seria não termos um acúmulo de cotas negativas que socialmente sempre acreditamos "normais": os negros são majoritários entre os analfabetos, entre os que têm menos anos de estudo, entre os que ganham menos nas mesmas funções - e a mulher negra menos ainda. Mas são maioria também abaixo da linha de pobreza, entre os miseráveis e os indigentes, superando nesta cota negativa os pobres não-negros.
As cotas não são beneplácito da sociedade brasileira. São reparação da indigna forma que encontramos de dizer, há 360 anos que não tínhamos mais escravos no Brasil: pé na ... e rua!
Assim se formaram as favelas do Rio de Janeiro, então capital. Assim parcela das nossas baixads foram povoadas, pelos negros que tanto lutaram e foram ludibriados na Cabanagem. Restaram=lhes as baixadas.
Quando a Abolição ocorreu, a Lei de Terras já havia sido editada - em 1850 - e vedava explicitamente ao escravo a posse da terra. Sem terra, sem estudo, sem trabalho, sem casa, sem saúde. Foi este o destino dado aos negros africanos e a seus descendentes.
A política de cotas é apenas uma ação afirmativa datada no tempo, para que possamos acelerar a formação universitária dos jovens negros, garantindo-lhes apenas a disputa entre semelhantes. A cota não é premio.
Elas servem somente para termos num espaço menor de tempo juízes negros presidindo tribunais, médicos negros dirigindo hospitais e destinar-lhes, por mérito e não po caridade, que cheguem à sala de jantar e largem os fogões e a direção do veículo do patrão.
Além disto, o Brasil foi useiro e vezeiro em políticas de cotas, desde que trouxe os suiços para fundarem Nova Friburgo. Terras foram compradas e destinadas às primeiras cem ou duzentas famílias trazidas especialmente para "branquear' a nação.
Assim como favorecemos os imigrantes italianos - meus avós vieram nessa leva - para o plantio do café no interior de São Paulo, preterindo a mão-de-obra negra recém "liberta". O motivo? Racismo puro. Sem comiseração. Preferiu-se empregar um carcamano a um negro.
A pobreza? Tem essa origem. A pobreza no Brasil tem cor, Francisco. Ela é negra.
As universidades que aplicam a política de cotas - especialmente a UERJ - têm bons resultados. Os cotistas têm melhor desempenho, não há evasão.
Não dá pra ganhar a copa sem disputar jogo a jogo. A partida do momento é a entusiástica defesa da reparação através das cotas raciais. Depois, be, depois veremos qual será a próxima rodada.
Um abração.
Bom dia, Francisco,
desculpe o erro apressado dos "360". São 350, ao qual faltou um bom complemento. São 350 de eacravismo e 120 de abolição.
Um abraço.
PS: os 360 anos devem-se à notícia do primeiro navio negreiro a aportar na terra de Cabral, em 1537.
Bia,
Faço referência novamente ao Alencar para defender meu ponto de vista. Como disse ele, em adendo ao teu comentário, do qual ele fez um post, "não dá para ser contra as cotas, bolsas e todas as ações afirmativas neste país assimétrico, desigual mesmo. Mas dá para ser contra ficar só nisso".
Acho que ele foi muito feliz ao dizer que quer mais. Limitar a resposta às desigualdades sociais do país com políticas afirmativas, no meu entender, é tornar estas ações um fim em si mesmo e, no final das contas, querer menos. Em suma, ser muito pouco ambicioso.
Está na hora de engatar um segundo tempo nas bolsas e quotas. Fará bem para o futuro do nosso país.
Abração.
Desculpe a demora para a tréplica.
Penso que dois campos lógicos estão postos em interseção.
Um é a questão das desigualdades regionais, que é de educação, de saúde, de moradia, de lazer, de transporte, de ciência e tecnologia, de mercado de trabalho que afeta o conjunto da população, e, especialmente alguns grupos de que é exemplo o dos afro-descendentes.
O outro, objeto dessa nossa conversa, é aquele que diz respeito a população negra brasileira, que é uma desigualdade histórica, violenta, excludente, que transcende as gerações dos indivíduos que a integram. Exemplo foi dado brilhantemente pela Bia, ao tratar dos dramas quilombolas.
Está claro que ambos são desafios imensos e que exigem para solução o fundamento de um novo pacto social. Mas, este, recordemos, é um processo demorado, difícil e arriscado.
Lembremos que de nada adianta a sensibilidade do presidente Lula, se ambos os campos não se constituírem em política do estado brasileiro tal qual a educação e a saúde, como é exemplo o SUS. O moral na dimensão coletiva só se realiza efetivamente quando é incorporado a uma política pública de estado, diz-nos a história moderna.
Ao encontro desse sentido, a política de quotas também é uma política de combate as diferenças regionais. E como política pública ela não é estuário das decisões dos gabinetes partidários, mas fruto precioso do movimento social, essa palavra que faz tremer alguns da mão esquerda a mão direita, mesmo quando alguns sequer sabem distinguir uma da outra, tamanha a cegueira ideológica!
Por exemplo, outro dia no intervalo de um seminário empresarial em São Paulo, escutei uma dupla que dialogava se adiantava o governo garantir quotas para os negros quando o mercado de trabalho brasileiro não tem condições de absorver a todos. Ora, tratava-se de pura cretinice racista, apresentada com um falso argumento lógico. Mas nunca é demais lembrar que um "canudo" é condição sine qua non para dispurtar-se um mercado de trabalho, no campo e na cidade cada vez mais especializado. Não basta o indivíduo querer empregar-se, é imprescindível que seja empregável, ou irá somar ao exército da economia informal, ou ser vítima da sub-valorização profissional! E, cá entre nós, se a educação, o emprego e a renda são estratégias para enfrentamento da desigualdade social, em se tratando de afro-descendentes esses direitos alcançam valor vital para a superação do racismo.
Ou alguém acha que Condoleeza Rice chegaria a secretaria de estado norte-americana sem os dois doutorados obtidos mediante o acesso as quotas (escassas) para estudantes negros norte-americanos?
E não duvido que o senador Obama, recém-eleito presidente, também represente outro exemplo nesse campo.
Ou já esquecemos o registro de André Thevet, célebre viajante estrangeiro do Brasil Colônica, que registrou para a história o seguinte diálogo sobre a mudança de condição social de um mulato no Brasil Colônia, exemplificando brilhantemente o encontro de racismos:
- Como um negro pode ser capitão?
- Sim, antes ela era negro, agora ele é capitão, senhor Thevet.
Enfim, como alguém registrou, por algum lugar se começa a rever essa iniquidade de que é vítima secular os afro-descendentes brasileiros.
Caro Francico,
difícil engatilhar mais argumentos depois da intervenção precisa do Itajaí. Mas, foi com a ajuda dos argumentos dele que lembrei de um dado: depois da criação do PROUNI, das 300 mil vagas por ele garantida no ensino superior, 100 mil foram ocupadas por jovens negros. isso representa em três anos mais jovens negros na Universidade do que o total da década passada.
A defesa da política de cotas jamais invalidou a luta pelo ensino público, gratito e de qualidade para todos. Mas, um estudo recentíssimo do IPEA, divulgado para marcar os 120 anos da abolição (não consigo escrever esta palavra com letra maiúscula) demonstra que a universalização do acesso ao ensino truxe resultados muito positivospara toda a população.
No primeiro painel, a redução do analfabetismo para brancos e negros, no período 1996-2006, foi grande e similar. Praticamente todos os jovens de 16 anos, brancos e negros, sabiam ler e escrever.
Porém, quando se analisa o acesso à universidade, esse progresso não acontece. Em 1996, entre as pessoas com 30 anos de idade, 5% dos brancos tinham diploma de nível superior, contra um percentual residual de negros que o IPEA nem cita. Em 2006, esse quadro, embora tenha havido uma progressão para os negros (5% com diploma superior), deixa de ter significância frente aos 18% de brancos na mesma situação. Se compararmos isso com a progressão da população preta e parda sobre a população brancaao longo da década, o percentual perde ainda mais significado.
Abração.
Amiga e amigos.
Obrigado pelas citações e, sobretudo, pelo debate desatado pelo post que me pareceu desprentensioso mas que iniciou a ignição desse bom debate.
Creio que tenhamos mais convergências do que divergências.
Afinal, todos nós queremos mais e os que estamos com a mão na massa temos mesmo que acreditar nas medidas da receita.
O risco que corremos sabemos todos: nos encontrar vinte anos - mais velhos depois - e continuarmos apenas guardiões das promessas, como é da nossa melhor tradição.
Exemplos: todas as promessas não cumpridas da Constituição de 1988, exatos vinte anos depois.
Por isso é hora de dizer: que venham as cotas e acões afirmativas, mas que venha também a solução para o problema de fundo, que é a desigualdade (social e regional).
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