segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O Aniversariante do Mês é... UM IMPOSTOR???!



Felizmente o Flanar não publica nada como "o aniversariante de fevereiro é...", mas caso o fizesse o escolhido deste mês seria indubitavelmente Charles Darwin.
No próximo dia 9 no mundo inteiro, especialmente no Reino Unido, será comemorado o bicentenário do homem que mudou o curso do entendimento da biologia, direcionando-a para os moldes atuais.
Aliás, no ranking britânico dos nomes mais importantes das ciências, Darwin figura em segundo lugar, perdendo apenas para Isaac Newton.
Geralmente nestas ocasiões apenas a "banda boa" do aniversariante é ressaltada, e no caso específico do naturalista, ando curioso para ver se algum importante órgão da mídia abordará aspectos "obscuros" da origem da teoria da evolução.
O contra-ponto neste quesito é outro inglês, Alfred Wallace.
Darwin embarcou na famosa viagem do HMS Beagle, em 1831, como amigo do capitão, aos 22 anos. Já na América do Sul, especificamente na Argentina e no Uruguai, começou a relatar as diferenças entre fósseis de mamíferos e répteis encontrados, e seus sucedâneos contemporâneos.
As célebres observações feitas nas Ilhas Galápagos, já em 1833, entraram para a história como o momento de inspiração de Darwin para a percepção da evolução das espécies. A circunavegação do Beagle terminou em 1837.
No entanto, apesar da ajuda do anatomista Richard Owen, do ornitólogo John Gould e do zoólogo Thomas Bell, Darwin descreveu as suas teorias apenas em 1859, de forma apressada e atabalhoada, com o título de "Da Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural", livro este ao qual Darwin se referia como "meu volume abominável".
Por que 20 anos de sigilo? Qual a pressa para publicar tão importante teoria quase como um rascunho?
A resposta parece estar na correspondência pessoal mantida entre Charles Darwin e Alfred Wallace, este 20 anos mais novo, e um brilhante naturalista de "segunda linha" (na época, profissional pobre, que tinha que trabalhar para sobreviver).
Wallace passou 11 anos na Amazônia, precisamente no Rio Negro, e "deu a dica" para Darwin através de cartas (que constam em suas inúmeras biografias), antecipando as conclusões sobre os seus próprios achados.
Durante alguns anos a teoria ainda foi conhecida como Teoria da Evolução de Darwin e Wallace, porém tudo indica que, após receber um emprego vitalício de Darwin em uma instituição britânica de pesquisa, o nome de Wallace passou a ser excluído da teoria.
Em 1871 Darwin ainda publicou A Descendência do Homem, onde mostrou que as nossas faculdades superiores, como a inteligência, poderiam vir da seleção natural de ancestrais simiescos.
Ao morrer, em 1882, Darwin deixou um legado de aceitação relativa de sua teoria.
Somente nas décadas de 1930 e 1940, biólogos, geneticistas e paleontólogos chegaram a um acordo sobre o que hoje é consenso: a síntese moderna do Darwinismo revigorado.
Wallace, no entanto, enveredou pelas ciências ocultas, e seu nome praticamente desapareceu do cenário científico do século XIX.
Em 2003, ao ser concluído o sequenciamento do genoma humano, foi evidenciada enorme semelhança entre a nossa carga genética e a dos chimpanzés, o que só reforça o pensamento Darwiniano de que temos um ascendente em comum.
Darwin estava certo.
Ou seria Wallace?

9 comentários:

Unknown disse...

Scylla,

Qual o propulsor que impulsionava o HMS Beagle que, iniciando a circunavegação em 1831, somente a terminou em 1937?!!!

104 anos ! Cáspite !

Isso (?) deve ter contaminado Darwin de tal modo que ele só foi concluir seu livro em 1959 , "apenas" 128 anos depois !

Brincadeirinha, Scylla, permita-me o tratamento , apenas prá dizer-lhe que seus posts são - sempre - muito bons e enriquecedores prá nós .

Anônimo disse...

Caro Scylla, vamos acrescentar mais alguma coisa? Só para Darwin não ficar assim tão ruim na foto!

Alfred Russel Wallace, como você disse, era bem mais novo que Darwin, e inglês, assim, e por isso também, respeitava este, sabendo que estava diante de um gênio e de uma pessoa bastante influente na sociedade científica da época.

Então, neste contraponto do contraponto, ficamos assim: antes ser soberba do Darwin, era mais um costume.

Na verdade, Wallace era um coletor de espécie (além de cientista autodidata), e um observador nato.

Pobre, como já dito, além de analisar, minuciosamente as espécies que coletava, vendia, em grandes volumes as mesmas, para zoos, colecionadores e museus da Europa. Claro que temporizando, nada há que se criticar, até por que dependia disso para continuar viajando, pesquisando e vivendo, enfim.

E foi justamente este monumental volume de exemplares (milhares de uma mesma espécie, por exemplo) que foi-lhe essencial para concluir sobre a evolução das espécies.

Passou anos e anos nisso. O local principal de suas pesquisas está na Indonésia, mais precisamente na Ilha de Ternate.

Wallace é reconhecido como o naturalista criador da ciência denominada, biogeografia.

Este estudo que analise as espécies que vivem em determinado local e por quê as mesmas escolheram viver ali, é fundamental para a Teoria da Evolução das Espécies.

Naquela região, de ilhas e arquipélagos, Wallace demarcou o que chamou-se de "Linha de Wallace", que, nada mais é, uma linha imaginária, que cortava duas regiões distintas, com fornteiras distintas, onde, de um lado e do outro, mesmas espécies tinham se modificado, através de adaptações para sobrevivência da espécie.

Assim, de Cingapura até Nova Guiné, pegando costa marítima da Austrália, Wallace percorreu, centenas de milhares de quilômetros, coletando e analisando mamíferos, insetos, répteis, aves etc., descobrindo novas espécies e mais mesmas espécies com "modelo" diferentes.

Ou seja, ele observou um padrão de distribuição das espécies, distribuído geograficamente entre as ilhas.

Quando, em 09/03/1958, Wallace escreveu uma carta à Darwin, relatando suas descobertas e conclusões (mesmo que sem ainda entender, ao certo, toda a dinâmica da evolução das espécies), o Darwin se viu compelido a publicar sua teoria.

Mas, não podemos esquecer que a teoria de Darwin já estava formulada e escrita pelo mesmo, 20 ANOS ANTES desta carta.

A carta de Wallace foi um senhor empurrão para o tímido Darwin, finalmente, romper com seu receio, e apresentar sua obra.

Você falou que Wallace veio pesquisar na Amazônia, mas ele veio mais perto.

Feche os olhos e o veja andando ali pelas ruas da Cidade Velha, sentado na Praça do Carmo.

Só que, pelo que sei, ele passou quatro anos por aqui.

Tem uma passagem curiosa. Ele ia pra Inglaterra, saindo de Belém, a bordo do navio inges Helen, quando este, mar a fora, pegou fogo e foi pro fundo.

Wallace se safou em um bote. Na volta para Belém, quase naufraga de novo com o barco salvador.

Depois do Pará, é que Wallace foi para Indonésia.

Wallace foi, também, um dos primeiros a pensar na teoria do deslocamento continental (não com essas palavras, em verdade, não chegou a concluir nada diretamente, mas a base de seu pensamento, padronizando no tempo, na geografia espacial as espécies e suas mutações, foi que se chegou à derivação continental).

è certo, porém, que Darwin se valeu das idéias e conclusões de Wallace, mas, mais como parâmetro de confirmação daquilo que já havia formulado.

Viveu disso, e, depois, afundou suas poucas economias no exoterísmo, alquimia e espiritismo, que tentou, já perto do fim, co-relacionar tudo isso, mas virou uma monumental confusão.

Seus livros sobre vida após a morte, hipnotismo e outros "ismos" da época, inclusive, influenciaram outro cidadão, francês, mas isto é para outro papo.

Bem, é mais ou menos isso que sei de cabeça sobre Wallace. Devem ter algumas incorreções.

Forte abraço.

Scylla Lage Neto disse...

Francisco, obrigado - já fiz a correção.
É lógico que uma viagem de 104 anos precisaria de verba federal, estadual e municipal. Talvez na Inglaterra vitoriana não fosse assim tão fácil, mas certamente aqui nos trópicos... Falha nossa!
E Lafayette, eu não sou um detrator de Darwin, muito pelo contrário.
Você imagina que, sem as suas teorias divulgadas naquele momento efervescente das ciências, no século XIX, talvez até hoje a teoria criacionista continuasse sendo ensinada nas escolas mundo afora.
Quanto ao Wallace, este, ao lado de Henry Bates e Henri Coudreau, formam, na minha opinião, o alicerce da exploração "moderna" da fauna, flora, geografia e biologia da nossa Amazônia.
E se ainda hoje a paternidade de certas descobertas científicas gera muita confusão, imagine naqueles tempos pré-blog!
A descoberta do HIV, por exemplo, só foi definida oficialmente a favor de Montagnier (e contra Gallo) em 2008, com o Nobel de Fisiologia/medicina para o grupo francês.
E agradeço muito sua intervenção.
Abs.

Itajaí disse...

Darwin realmente já tinha a teoria, que postergou em parte por razões de ordem política pelo inegável teor revolucionário para a época, mantido até hoje à vista do feroz combate que os criacionistas movem contra ela. Bates não teve papel menor ao colher evidências substanciais para sustentar a teoria evolutiva até hoje.
Entretanto a correspondencia e os diários de pesquisa evidenciam o óbvio: o primado da teoria darwinista - daí porque o acordo destes renomados cientistas, celebrado com transparência por ambos, que se respeitaram por toda a vida.
Mas isto era na época em que a ciência ainda não era uma questão de mercado levada a bolsa de valores. Quando botaram grana no meio... é exemplo a descoberta do HIV.

Lafayette Nunes disse...

Scylla, é que o tópico do post foi um pergunta/resposta, bem colocada no contexto do subtexto.

Claro que Darwin não foi impostor. E penso que esta não seja a sua opnião.

Você que é um leitor acostumado com livros de divulgação científica - você me falou isso a quando de uma consulta em seu consultório - sabe que não era raro, naquela época, dois cientistas, sem se conhecerem, chegarem a conclusões científicas parecidas em estudos sobre o mesmo assunto.

No caso conversado, o Darwin não só sabia da existência do Wallace, como recebia dados de suas pesquisas, enviados pelo próprio a ele.

Darwin, inclusive, leu os manuscritos de Wallace, junto com os seus na Sociedade Lineana, de grande importância na época. Wallace ficou lisonjeado.

Na verdade, os dois, com seus estudos, complementaram-se sem que os mesmos soubessem disso plenamente.

Vai ver que, Darwin via no jovem Wallace, a energia em coletar dados na natureza que já não tinha mais. Ao total, só entre os arquipélagos malaios, o cidadão percorreu mais de 22 mil quilômetros, fez mais de 60 viagens, e coletou 125.660 espécies.

Darwin, já reconhecido e influente cientista o recebeu na sua volta definitiva à Inglaterra. Conseguiu para ele uma pensão do governo, mas, como dito, arruinou sua grana em projetos mirabolantes e místicos (foi enganado diversas vezes por charlatões-do-além-mundo, gastando e/ou entregando suas economias a projetos absurdos, como o de manter contato com marcianos - sim ele acreditava que Marte poderia ser habitada.

Morreu quase pobre e socialista!

Tadeu schumann disse...

Caramba , sensacional o pots e seus comentários. Parabéns Scylla , Itajaí , Lafayette e Francisco.A mim me resta lamentar que cadeia evolutiva ainda me falta muitas gerações(livros) pra acompanhar a espécie.rsrs
Abs
Tadeu

Val-André Mutran  disse...

O fato é que para o bem da verdade, quando se fala em teoria da evolução, o correto é: Teoria Darwin-Wallace.

Assisti ontem o primeiro de uma série de três espisódios do documentário que a Globo News está veiculando em reverência ao centenário de Darwin.

Post porrêta esse do Scylla.

Aliás, para quem não sabe, o nosso companheiro é pesquisador desses e outros temas muito, mas muito interessantes mesmo.

Abs doutor.

Lafayette Nunes disse...

Ciência é sempre um bom papo.

Mas, sabem de uma coisa, o poeta sempre tem a palavra final.

Então vamos de Mario Quintana:

“O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.”

Scylla Lage Neto disse...

Tri-legal a discussão e o bate-papo!
Eu só queria ressaltar que não vejo Darwin como um impostor. Apenas acabo "torcendo" pelos "mais fracos", especialmente pelos naturalistas estrangeiros que estiveram na Amazônia no século XIX, os quais deixaram um legado rico de informações, conselhos e dicas.
Infelizmente parece que a maioria
desses escritos vem sendo sumariamente ignorados pelos nossos governantes, desde o primeiro governador republicano do Pará (Lauro Sodré).
Abs.