quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Terra arrasada

Estou pensando seriamente em me mudar desta cidade. Não há perspectiva de melhora em canto algum. Como não sou um cara politicamente engajado, no sentido partidário da expressão, fico me sentindo de mãos atadas.

Alguns mandarão certamente eu vazar. Dirão que eu não farei falta para ninguém. Já me antecipo e digo que farei sim, para quem me interessa: meus amigos e parentes. E mais: farei falta para quem depende de mim para pagar-lhe a mão-de-obra dispendida. São poucos, mas que dependem de alguma forma do meu trabalho.

De outro modo, certamente os que me mandarão embora não assinarão seus comentários. Serão anônimos, covardes que arrotam bobagens sem ter cara para mostrar.

Todo esse nariz de cera é para lamentar, mais uma vez, o que esta cidade está se transformando: abandonada, sem qualidade de vida; uma terra de gente mal-educada, ignorante, que despreza a vida alheia e não respeita o espaço do próximo; que para em fila dupla na porta dos colégios, dos bancos, dos cinemas; que entra nos elevadores de cabeça baixa e não responde a um simples bom-dia; que obstrui as calçadas, impedindo a passagem dos pedestres; que constrói suas casas para além de seus terrenos, invadindo o espaço público; que se mete na vida do alheio, com curiosidade mórbida sobre os problemas e fraquezas dos semelhantes.

É ainda uma cidade (e um Estado) onde a Administração Pública não funciona; onde se vê lixo por todos os lados; onde o Poder Público fecha ruas, supostamente para melhorar a vida de seus cidadãos, sem avisar a ninguém, nem mesmo aos moradores que precisam chegar às suas casas e veem, repentinamente, a via bloqueada; onde o público é tido como privado, apossado indevidamente por quem se julga seu dono e faz como vaca para os demais cidadãos: caga e anda para quem reclama.

Pois bem: o retrato da cidade e de seus moradores é exatamente aquilo que aconteceu na Câmara de Vereadores de Belém, ontem. Dos personagens às práticas, tudo é a cara daquilo em que Belém se transformou, desde que a elite perversa desta cidade resolveu que público é aquilo (e tão somente aquilo) que vende como imagem, nos cartazes e outdoors imundos das eleições, de quatro em quatro anos - no que são seguidos pela massa ignorante de esfomeados, de comida ou de dinheiro fácil, que habita nossa pobre capital.

22 comentários:

. disse...

Querido, quando retornei para Belém, minha terra, há 2 anos e meio, vim cheia de esperanças e espírito de "vai dar tudo certo", mas a cada cruzada de esquina, tudo ia se esvaindo. POr sinal, que me desculpem os mais bairristas, mas ô lugar pra ter gente escrota, egoísta e mal educada!
Por isso, um mês depois de estar aqui, já contava os dias para voltar para onde acho que não deveria ter saído.
Te entendo perfeitamente!

Cléoson Barreto disse...

Francisco,
Infelizmente me sinto da mesma forma. Tivesse eu o dom necessário para transformar meu sentimento em palavras, sairia muito parecido com o que você escreveu.
Some-se ao seu post o do Belenânbulo (http://belenambulo.blogspot.com/2009/08/turismo-pe.html), e teremos mais motivos pra pensar assim.
O que posso fazer é desejar que essa situação mude pra melhor. Mas eu não pretendo esperar aqui enquanto muda... Infelizmente...
Um abraço.

Carlos Barretto  disse...

Amigos.
Desculpem se não vou agradar a todos com o que vou dizer. Mas não se trata de nada além de minha opinião pessoal.
Por necessidade do ofício, preciso de base sólida montada em algum lugar. Infelizmente, ela se montou aqui, através de um bom concurso público.
Portanto, apesar de sentir os mesmos ímpetos e indignações, uma certa racionalidade me faz permanecer por aqui.
Mas juro pra vcs. Se fosse pra chutar o balde e sumir, certamente não o faria para nenhum outro lugar do Brasil, que sei que não é tão diferente assim, a não ser por aspectos associados a atividades culturais e atrativos naturais. Mas a violência, grassa em todos os quadrantes do território nacional.
Por esta razão, sair por sair, só se fosse para qualquer aldeiazinha da França,onde de preferência, passasse um riacho tranquilo, com uma ponte, gansos e aquele arzinho frio dos vinhedos.
Fora isso, prefiro o desconforto de manter uma certa estabilidade que me permite sentir, mesmo que eventualmente, os cheiros, sabores, cores e odores de outros lugares.

É o que penso. É minha atitude. É minha disposição, até que alguma coisa pontual, me faça mudar dramaticamente.
Isto, definitivamente, nem parece estar próximo de acontecer.

Mas como diz o Milton:

"Mandem notícias do lado de lá,
diz quem fica..."

Abs

Val-André Mutran  disse...

É infelizmente uma terra onde os "Santos" que fazem milagres são "Sacanas". Nos sacaneiam o que podem.
Não nos valoriam. Não nos pagam bem. Não nos respeitam como pessoas.
Só querem o nosso voto ou outras coisas relacionadas ao seu bem estar pessoal.
Raras exceções estão fora desse perfil.
Vazei dai há cinco anos e só gosto de passaer para rever família e poucos amigos. Amigos realmente. O resto não me faz falta não.

Artur Dias disse...

Talvez, sair seja uma atitude tão elitista quanto a dos poderosos que desgovernam esta cidade. Quem pode sair, sai. Mas, quem é que pode sair? E quem não pode? Os blogueiros de Belém assumiram uma responsabilidade enorme com a denúncia de tudo o que a imprensa convencional costuma negligenciar, ou muitas vezes esconder, distorcer.
Só o fato de levantar a voz, já faz uma diferença. Então aí se configura um papel social e político, enquanto membro de uma elite, no bom sentido. Elite no sentido de possuidor de atributos intelectuais, capaz de gerar novos conceitos, questionar, promover rupturas. Não saia! Continue a denunciar!

Dulcivania Freitas disse...

Rapaz, então se você morasse em Macapá já teria perdido o gosto total pela vida. Mas longe de qualquer fatalismo, tem também o alívio por nao morarmos em Oiapoque e quem está lá que se vire para arranjar algo pior. Moral da história: pior seria se pior fosse. Pense assim e sinta um alívio danado. Abs!

Belenâmbulo disse...

Francisco,
Acho que a culpa é do CALOR que tem feito ultimamente.

Por favor, não me leve a mal. Sei que o que você escreveu é muito sério, e eu concordo plenamente.

Também me identifico com a posição do Barretto, por isso me esforço para não me deixar abduzir pela ideia (geralmente enganosa) de que "lá" ´é sempre melhor que "aqui", sejam quais forem o "lá" e o "aqui", especialmente nesses dias em que o calor derrete nossos miolos e afeta nosso juízo.

Abraço, Wagner

Yúdice Andrade disse...

Das posições expendidas, a do Barretto é a que mais se aproxima do meu pensamento, exceto pelo "infelizmente". Nasci nesta cidade, passei toda a minha vida aqui e nela tenho todas as minhas relações construídas. Somando-se a isso o meu temperamento passional, chega-se à conclusão de que amo esta cidade. Fazer o quê? Identifico, indigno-me e boto a boca no trombone em relação a cada safadeza, dos políticos e principalmente do cidadão comum, que inicia esse círculo vicioso. Mas isto não altera o meu sentimento e me faz continuar indignado e gritando contra tudo o que precisa ser mudado.
Eu moraria em outro lugar? Sim. Sinto-me em casa em Florianópolis, desde a primeira vez em que estive lá. Eu me mudaria feliz. Assim como, feliz, continuaria por aqui.
E isto é, também, apenas uma opinião. Carregada de sentimento, mas apenas uma opinião.

Carlos Barretto  disse...

Pô! Este calor é mesmo punk!
Que @#$%&#$

Anônimo disse...

Meu Caro Francisco,
Comungo de teu sentimento em tudo e sabes o que penso sobre a nossa maltratada Belém, que sofre de todos os tipos de problemas. Aliás, dentre tantas mazelas encontradas, creio, se pudesse escolher as duas mais sérias, escolheria o saneamento e o transporte. É muito grave a situação, qualquer candidato que tenha vergonha na cara, deverá eleger como prioridades I e II, esses dois problemas.
A verdade é que nossa alta-estima está muito baixa. precisamos reagir!
Até mesmo o escapismo da paixão clubística representados por nossos clubes de futebol (falando sério) acabaram.
contudo, vamos ficar por aqui mesmo.
Um abraço de seu amigo.

Antonio Carlos

Francisco Rocha Junior disse...

Leiska, Cléoson, Val:

O post foi um desabafo. Algo bem pessoal mesmo. Amo esta terra, mas a falta de perspectivas de melhora na qualidade de vida, no debate público e nas coisas mais comezinhas para quem vive aqui me exaspera. Ontem, ao ler a notícia sobre o porradal na Câmara, bateu-me um desalento sem fim, uma sensação de "o-que-é-que-eu-estou-fazendo-aqui" que me perseguiu o resto do dia.
Não tenho estômago pra essas coisas. Sinceramente, não tenho mesmo.

Francisco Rocha Junior disse...

Carlinhos e Yúdice,

Esse modo descrito por vocês é como vivo atualmente: saindo quando posso, pra ver e conhecer outros ares, respirar, oxigenar-me, ouvir respostas ao meu bom-dia, não ter que me aborrecer no trânsito, não ver tanta placa horrorosa a enfeiar a cidade... mas tem uma hora que cansa.
Não há, repito, perspectiva de melhoras por aqui. Olhem nossa representação política: algum de vocês, em sã consciência, aponta alguma liderança nascente ou em vias de se firmar que possa representar uma mudança de ares?
Olhem para os nossos concidadãos: alguém acha que vamos deixar de parar em fila dupla, construir "puxadas" sobre a calçada, jogar lixo no chão, forçar o vizinho a ouvir aquilo que só você curte? Isso é assim tanto na periferia, quanto no centro da cidade.
É essa falta de visão de futuro que me entristece. E é horrível viver entristecido em sua própria cidade em razão do que fazem com ela.

Francisco Rocha Junior disse...

Artur,

Esse blog não é de denúncia. Este não é, precipuamente, meu papel.
Sou um sujeito que grita, com uma voz rouca, ouvido por poucos. Um mero cidadão muitas vezes indignado.
Belém parece, ademais, fadada ao insucesso. Uma cidade azarada, eu diria. Quando aparece um movimento, ainda que virtual, que tenta enquadrar os "vilões" locais, vem uma doença e leva sua melhor cabeça.
Sim, falo do Juca. O câncer arrancou um pedaço do cérebro deste espaço virtual, aquele que mais fomentava algum vislumbre de mudança, a sacudir a opinião pública.
Ainda temos muitas cabeças ótimas, como o Lúcio Flávio Pinto, por exemplo. Mas batem-no tanto que acho (espero estar enganado) que ele está no limite das forças. Afinal, não há ser humano que resista a tanta bordoada.

Francisco Rocha Junior disse...

Dulcivania,

Não há nada que aplaque esse sentimento. Há sempre lugares piores que o nosso, mas isso não me consola, sinceramente.
Se fosse por isso, bastaria comparar o Oiapoque com alguma cidade perdida de algum país subsaariano. Ainda assim, Oiapoque lhe pareceria Copenhagen?

Francisco Rocha Junior disse...

Wagner,

O calor ainda é a parte boa de Belém. Obviamente, se tu estás por trás do vidro, em um ambiente refrigerado, ou à beira da praia.
Falando sério, também: há muitos "lás" melhores que "aqui". Ô, se há.
Abração.

Francisco Rocha Junior disse...

Meu amigo ACM,

Tu és alguém de quem eu sentiria falta se saísse daqui. Tu e nossos amigos.
Falando em auto-estima, lembro daquele mote do ex-governador Almir Gabriel, que dizia ter recuperado este sentimento no paraense. Quanta pretensão...
É nesse tipo de administrador e político que temos que votar sempre? Parece que continuará sendo, por gerações e gerações. Tenho tido vontade de não aguardar mais uma melhora, resolvendo o meu sentimento particular.
Abração.

Carlos Barretto  disse...

Caro Francisco.
Vc não precisa se explicar sobre nada do que escreveu. Afinal o problema é o mesmo para todos. Penso que o que nos diferencia, é tão somente a atitude, ou mesmo o estado atual da atitude, diante do problema. Esta, pode mudar dinamicamente. Felizmente.
No meu estado atual, após ter passado por vários momentos com todos estes questionamentos, simplesmente assumo uma atitude prática, calcada no que minha trajetória profissional inclusive, permitiu até o presente momento.
Talvez se fosse um outro tipo de cidadão, como muitos que por aqui compareceram para testemunhar sua opção de atitude, quem sabe já não tivesse feito outro tipo de opção.
Perceba que há algo de muito pessoal nisso. Ninguém está absolutamente certo, muito menos errado em suas atitudes.
Só estamos absolutamente certos sobre a dimensão do problema que lidamos em nosso cotidiano de "Nova Delhi".
Percebo que quando temos o privilégio de visitar outros países, onde os serviços públicos funcionam e os cidadãos são de fato cidadãos, esta percepção de nossa terrinha tende a se agravar. É o que sempre acontece comigo, em especial no momento do retorno.
Mas logo, engolfado de volta no cipoal de um trabalho árduo, nem me sobra tempo para continuar questionando o cotidiano. Mas tão logo que possível, o faço.
Percebo também que muitos possuem ora fortes raízes familiares na cidade, ora espíritos menos acomodados, ora descontentamentos quanto ao justo pagamento de seus preciosos serviços comparados a outras regiões do país, enfim, as razões podem e devem mesmo ser as mais variadas.
Não vejo razão para haver polêmica sobre as opções pessoais (e muito pessoais) de cada um. E como disse, por isso mesmo, também não vejo razão para vc explicar uma linha sequer do que escreveu.
Vejo, contudo, uma centena de motivos para, sabedores destes e de outros problemas, aqui ou alhures, continuemos a botar a boca no mundo, onde quer que eles se apresentem.

Abs

Francisco Rocha Junior disse...

Carlinhos,

Não tenho nenhum reproche a fazer ao que escreveste. Só quero esclarecer que minhas respostas não pretenderam justificar nada, somente fomentar o debate, que é o gostoso de fazer parte do Flanar.
Abração.

Edyr Augusto disse...

Amigos, foi isso que nos coube nessa vida. Concordo com tudo, mas continuo. Foi isso que me coube. Luto com minhas armas. Faço o meu melhor. Escrevo livros, teatro, rádio, sei lá. Mas é difícil. A vontade de desistir é grande. Parece que cada vez somos menos pessoas. O outro lado ganhando de goleada. Mas vou continuar, como vocês, acho.
Abs
Edyr

Francisco Rocha Junior disse...

Edyr,

Conta comigo, aqui ou em qualquer lugar. Mesmo se um dia sair de Belém (é uma ideia, não um projeto), continuarei amando e defendendo, do meu modo, essa terra.

Val-André Mutran  disse...

É o que faço dentro dos meus limites caro Edyr.

Unknown disse...

É exatamente assim que me sinto na "terra de direitos" que é o Pará. Sendo que o único Direito do paraense é não ter Direito. Pena eu ter família, senão vendia tudo e me mudava pra outro lugar qualquer. Aqui, nem a Polícia Federal, que apura denúncias contra quadrilhas, nem todas políticas, consegue prender ninguém "grúdo". O Pará é o maior produtor de "pizzas" do Brasil. Tudo acaba em "pizza". O último que deixar o estado, apaga a luz, por favor!