A propósito de complementar as ideias iniciadas na postagem "40 no total", aí abaixo, sobre a possível criação de novos Estados, recordo uma conversa que tive com um amigo economista, colega de docência, no começo de 2003.
Vivíamos os primeiros momentos do governo Lula. Havia um clima de novidade e de esperança no ar, uma expectativa de mudança que se enunciava através de algumas medidas, notadamente o carro-chefe daquele primeiro período: o "Programa Fome Zero". Era mais quem queria fazer doações. E, de fato, doaram, com tanta generosidade que o governo, despreparado, teve que pedir às pessoas que parassem de doar, porque não havia logística nem infraestrutura para depósito e distribuição desses alimentos. Tão Brasil...
Naquele clima, meu amigo me disse que jamais faria uma doação ao "Fome Zero". Começou explicando que era um dos padrinhos de uma creche localizada, salvo engano, no Aurá. Além de visitas de recreação com as crianças, todos os anos ele e seu grupo faziam doações. Disse-me que preferia chegar na creche e perguntar de que eles precisavam. Se respondessem "de uma geladeira", ele compraria o eletrodoméstico e mandaria entregar lá.
— Eu me sinto bem assim — explicou — porque sei que minha contribuição chegou para quem realmente precisa.
A explicação me convenceu. Disse-me o amigo que, mesmo num mundo utópico onde não houvesse corrupção nem desvio de verbas, ainda assim boa parte do orçamento destinado ao programa não seria efetivamente empregado no combate à fome, porque acabaria custeando as despesas com a manutenção da máquina pública. E o Brasil adora uma burocracia. Quanto mais paquidérmica, melhor.
Não deu outra: a primeira coisa que fizeram foi criar uma tal de Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Aí vêm os cargos, muitos cargos. Altos DAS. Água, luz, telefone, passagens, diárias, publicidade, etc. No final, se 50% do orçamento da secretaria chegar à atividade-fim, será sorte. E esse era o ponto do meu amigo: mesmo que tudo funcionasse na maior lisura, boa parte do dinheiro seria consumida com burocracia, não com a alimentação dos necessitados. Por isso, ele prefere doar diretamente para o beneficiário. Quer saber? Eu também.
Por isso, questiono a criação de novos Estados porque antes de o primeiro centavo de investimento chegar às populações pobres, bilhões terão sido gastos com a burocracia. E num país que tem um inacreditável apego à monarquia, tudo tem que ser palácio. É Palácio do Governo para cá, Palácio da Justiça para lá. Uma demonstração do divórcio entre os burocratas e a ralé. Mais do que uma questão de nomenclatura, é uma suntuosidade que atende aos delírios da politicagem tupiniquim. Para começo de conversa.
Quantos anos se passariam até os benefícios começarem a ser sentidos?
Um comentário:
Meu caro Yúdice,
É ululante - sem trocadilhos - que esse país possui um nível de pobreza que a caridade pública não resolveu em 500 anos, desde que por aqui se fundou a primeira Santa Casa.
Logo, é justificável uma política pública intermediada por uma secretaria que, o próprio nome assim indica, agrega tanto conhecimento científico quanto dinheiro em cada colherada que um miserável põe na boca.
Numa boa, não dá para confundir o individual com o coletivo, nem desburocratização com estado mínimo.
Quanto à divisão do Pará já manifestei e justifiquei aqui meu desacordo, tanto quanto o reconhecimento do estado de desassistência que levou em 100 anos de República ao desenvolvimento do separatismo no sul e a oeste do estado. Respeito, contudo, as opiniões em contrário pelo que trazem de legítima inquietação, ainda que divirja visceralmente da solução pretendida.
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